Para Anamatra, PEC representa retrocesso no sistema de tutela dos direitos fundamentais
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) adiou, nessa quarta (3/11), a decisão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2011, que reduz a idade laboral de 16 para 14 anos. Após a rejeição do pedido de retirada de pauta e a leitura do relatório, feita pelo deputado Eduardo Martins (PSC-PR), pela admissibilidade da PEC e outras a ela apensadas, o início da discussão da matéria foi encerrado por pedido de vista feito pela oposição.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) atua pela rejeição da matéria na Câmara, na linha da defesa dos direitos fundamentais e proteção integral à criança e ao adolescente. Nessa linha, a entidade mantém contato com parlamentares para entrega de nota técnica alertando que a PEC e outras propostas a ela apensadas representam um profundo retrocesso no sistema de tutela dos direitos fundamentais e, especificamente, à proteção da criança e do adolescente.
No documento, a Anamatra recorda os esforços nacionais e internacionais na redução do trabalho infantil, entre eles a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabeleceu que a idade mínima para a admissão no emprego não fosse inferior ao fim da escolaridade obrigatória, nem inferior a 15 anos, admitindo-se o patamar de 14 anos, como primeira etapa, para os países insuficientemente desenvolvidos (art. 2º, 3º e 4º). Também no Brasil, aponta a Anamatra, verifica-se a ampliação do tempo de escolaridade obrigatória de oito para nove anos no ensino fundamental, promovida pela Emenda Constitucional 59/2009.
Para a Anamatra, a PEC 18/2011 e apensadas vêm no sentido absolutamente contrário de proteção, pois expõe crianças e adolescentes a empregos para os quais não estão preparados em termos de conhecimento e, ainda, emocional e fisicamente. “Não são aceitáveis os argumentos favoráveis ao trabalho da criança e do adolescente sob o pretexto de tirá-los das ruas ou do crime, pois as estatísticas demonstram que, quanto mais cedo se começa a trabalhar, menor é sua renda enquanto adulto, na medida em que há abandono dos estudos, da formação e da profissionalização adequadas. Abandono do próprio tempo de amadurecimento e conscientização das responsabilidades”, defende a entidade.
A nota técnica da Anamatra também recorda que a CLT e o Estatuto da Criança e do Adolescente se preocupam em introduzir o jovem no mercado de trabalho a partir dos 14 anos, na condição de aprendiz, condicionando a sua frequência na escola e a sua formação metódica em determinada atividade, verdadeira profissionalização com respeito ao desenvolvimento desse jovem, de acordo com os seus conhecimentos e condições físicas e psicológicas. Porém, na avaliação da entidade, a possibilidade de o adolescente iniciar em um emprego a partir 14 anos, sem qualquer acompanhamento ou exigência, levará a sua exploração, comprometendo sobremaneira sua frequência e desempenho escolar e seus momentos de formação físico-sociais, além da interação familiar e social. “A proposta leva invariavelmente a jovens se tornarem adultos sem estudo, sem formação, doentes ou mutilados e sem qualquer perspectiva de melhora nas condições profissionais e financeiras”.
Trabalho infantil no Brasil - De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PnadC), em 2019, havia 1,8 milhão de crianças e adolescentes de cinco a 17 anos em situação de trabalho infantil, o que representa 4,6% da população (38,3 milhões) nesta faixa etária. A maioria dos trabalhadores infantis eram meninos (66,4%) negros (66,1%); 21,3% (337 mil) estão na faixa etária de cinco a 13 anos. Naquele ano, havia 706 mil pessoas de cinco a 17 anos em ocupações classificadas como piores formas de trabalho infantil, o que corresponde a 45,8% do total de crianças e adolescentes trabalhadores.
Nos últimos 13 anos, 290 crianças e adolescentes de cinco a 17 anos morreram enquanto trabalhavam e 29.495 sofreram acidentes graves. Também entre 2007 e 2020, 49.254 tiveram algum tipo de agravo à saúde. Os dados são do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, e expressam como o trabalho infantil prejudica o desenvolvimento pleno e a saúde, além de oferecer risco à vida de meninas e meninos.
No ano passado, 2.593 crianças e adolescentes sofreram algum agravo à saúde. Do total, 1.461 são classificados como graves. As estatísticas são parciais e a subnotificação é reconhecida pelo Ministério da Saúde. Casos decorrentes do trabalho infantil nem sempre são identificados e notificados, fazendo com o que o número de agravos não seja conhecido em seu universo.,
Relatório da OIT “Crianças em trabalhos perigosos: o que sabemos, o que precisamos fazer?” revela que , a cada minuto, uma criança em regime de trabalho infantil sofre um acidente de trabalho, doença ou trauma psicológico, o que representa 1.400 acidentes por dia e um total de quase 523 mil por ano, número muito superior ao dos adultos.