A reforma do Poder Judiciário, após longos anos de tramitação, foi aprovada pelo Congresso Nacional através da Emenda Constitucional n. 45, sendo que seu artigo 10 estipula de forma peremptória que a referida emenda constitucional entrará em vigor na data de sua publicação.
Surge aqui o primeiro impasse jurídico envolvendo a suposta vigência imediata dos dispositivos legais nela inseridos. A perplexidade gerada pelo artigo 10 da emenda constitucional ostenta desdobramentos jurídicos que devem ser resolvidos de imediato pela comunidade jurídica e pelos operadores do direito, sob pena de inviabilizar-se o principal desiderato da reforma do judiciário que é exatamente reestruturar os alicerces em que se assenta o atual arcabouço do Poder Judiciário, tudo com o propósito inescondível de se alcançar uma justiça bem mais célere, porque revestida de provimentos prontamente eficazes, capazes de atender com efetividade toda a gama de conflitos intersubjetivos de interesses existentes entre os cidadãos do país, sem distinção de classe social.
A emenda constitucional sob comento está referta de dispositivos legais que orientam-se na busca desse nobre escopo.
Vale a pena citar alguns.
O artigo 5o item LXXVIII passa a ostentar a seguinte redação : " a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". ( grifo nosso ). O item IV do art. 93 prevê a criação de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados. Nada mais salutar, porque juízes especialmente preparados para o exercício da jurisdição que lhe é afeta, com pleno domínio das leis materiais que regem os casos concretos e dos exatos ritos procedimentais que hão de garantir a sua plena eficácia no âmbitos dos litígios travados entre os cidadãos constitui uma garantia constitucional de um processo justo, célere e eficaz, tornando plena realidade o vetusto ideal romano contido em um de seus mais conhecidos brocardos : suum cuique tribuere, ou seja, dar a cada cidadão brasileiro no âmbito judicial ou administrativo aquilo que realmente lhe pertence, sem delongas ou procrastinações de qualquer espécie.
O artigo 93, item XII, dispõe de forma enfática que " a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente.
O item XIII do mesmo artigo 93 igualmente cria norma cujo objetivo imediato é tornar mais rápida a prestação da tutela jurisdicional, ao prever que o "número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população", quociente matemático que já integra a sistemática judiciária dos países mais avançados do continente europeu, como uma forma de garantia de que o cidadão ameaçado ou lesado em seus direitos terá pronta resposta às suas súplicas perante o Poder Judiciário.
O inciso XV do dispositivo sob comento, por sua vez, determina de forma imperativa " a distribuição imediata de processos, em todos os graus de jurisdição ".
O parágrafo sétimo do artigo 125 prevê a instalação de uma justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários ". O dispositivo tem amplo espectro social porque torna a justiça acessível às camadas mais pobres do país, principalmente a população ribeirinha de pontos geográficos distantes e inacessíveis espalhados pelo país, como sói acontecer no amplo território amazonense ou ainda à população espalhada pelos rincões quase inacessíveis do país, citando-se o exemplo dos sertões nordestinos. É o exemplo ideal da justiça correndo em busca do cidadão para resolver de imediato suas pendengas judiciais, ao contrário do exemplo clássico que hoje se assiste, que é o do cidadão correndo atrás de uma Justiça lenta e sacralizada.
Cite-se ainda mais um dispositivo contido na emenda constitucional que busca o desiderato de uma justiça mais célere e eficaz : o art. 103-A, ora introduzido na Constituição Federal, estipula que o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Pelo parágrafo primeiro do dispositivo sob comento, " a súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre os órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica".
O parágrafo terceiro do dispositivo em epígrafe, para assegurar a fiel observância da súmula vinculante, estipula que " do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula conforme o caso".
Como se vê a emenda constitucional n.45 que cuida da reforma do Poder Judiciário encontra-se referta de dispositivos que procuram tornar a Justiça mais célere, rápida e eficaz, sendo que a transcrição dos dispositivos supra foi feita de forma intencional para deixar explícito que o tema da vigência imediata ou não da referida emenda constitucional tem imediato reflexo na comunidade jurídica e dependendo da interpretação que se der ao artigo 10 da emenda sob comento, em cotejo com dispositivo antagônico inserido também no corpo da emenda, poderá ficar comprometido o ideal de justiça que ali se persegue.
Reporto-me aqui ao artigo 7o da emenda constitucional n. 45 que, explicitamente determina que " o Congresso Nacional instalará, imediatamente após a promulgação desta Emenda Constitucional, comissão especial mista, destinada a elaborar, em cento e oitenta dias, os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada, bem como promover alterações na legislação federal objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional".
Qual a interferência lógica e jurídica que o artigo 7o tem com a nova redação do artigo 114 da Constituição Federal que amplia até com certa elasticidade a competência da Justiça do Trabalho?
O artigo 114 da Lex Legum deve ser interpretado de forma literal e em completa dissociação do disposto no artigo 7o da emenda constitucional n. 45/04 ?.
Em outros termos, poderíamos, em tese, afirmar que a regra competencial gizada no novo artigo 114 da Constituição Federal tem vigência imediata ou o referido dispositivo deve ser interpretado de forma harmônica com o artigo 7o da mesma reforma constitucional, uma vez que de nada adiantaria ampliar de imediato a competência da Justiça do Trabalho se não houver uma alteração concomitante ou imediatamente sucessiva da legislação infraconstitucional que viabilize procedimentalmente a aplicação sem desembaraços da nova competência laboral ?
A resposta a esta indagação é crucial.
Se se disser de forma simplista que a nova regra competencial gizada no artigo 114 da Carta da República tem vigência imediata não ficariam os aplicadores do direito tomados de incontornável perplexidade ao serem forçados a manipularem no âmbito da Justiça do Trabalho, que tem princípios processuais próprios, toda uma gama de processos que antes tramitavam perante a Justiça Comum e perante a Justiça Federal, onde há evidente desconformidade de rito procedimental ?
Vejamos alguns exemplos práticos.
A lei n. 10.259, de 12 de julho de 2.001 que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, dispõe no artigo 3o competir ao juizado especial federal cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60(sessenta) salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
No âmbito da Justiça do Trabalho, o procedimento mais símile com o da Lei n. 10.259 é o procedimento sumaríssimo que, por sua vez, exclui expressamente do âmbito de suas disposições as causas movidas contra a Fazenda Pública, que comumente figuram como rés perante os juizados especiais cíveis federais, a teor do art. 6o item II da lei n. 10.259/2001.
Como o novo artigo 114 da Constituição Federal acomete suposta competência imediata para que a Justiça do Trabalho processe e julgue, dentre outros feitos, as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, qual seria o rito procedimental a ser adotada na Justiça do Trabalho nas causas em que a União, suas autarquias e fundações públicas fossem rés ?
No mesmo contexto a lei n. 10.259/2001 em seu artigo 9o, em dispositivo processual que garante efetivamente a igualdade das partes envolvidas nos litígios que ali tramitam, enfatiza de forma enfática que " não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de 30 (trinta dias).
No processo trabalhista, como é consabido, a Fazenda Pública tem regalias processuais relativamente a prazos processuais, sendo igualmente diferente o interstício que decorre entre a data da efetuação da citação e a da realização da audiência preliminar ou uma.
Se a competência da Justiça do Trabalho é imediata, como o operador do direito vai lidar no dia a dia com esses problemas de ordem procedimental sem que exista uma orientação no plano infraconstitucional a orientar-lhe o modo de agir ?
Cada juiz criará para os casos concretos o rito procedimental que reputar mais conveniente?
Teremos juízes legisladores criando procedimentos ao sabor de sua cultura jurídica e de sua convicção pessoal ?
Constitui esta faculdade um elemento otimizador ou complicador da aplicação da tutela jurisdicional, pois não se corre o risco de, em verdadeira torre de babel, acontecer que em uma determinada comarca que ostente diversas varas do trabalho, com identidade de competência funcional, cada uma delas crie de forma livre e soberana o rito procedimental que irá conduzir a tramitação dos feitos egressos da Justiça Comum e da Justiça Federal ?.
A balbúrdia seria manifesta e onde a reforma constitucional quis imprimir o selo da celeridade e da efetividade teríamos como conseqüência oposta um cipoal de procedimentos díspares contribuindo para a lentidão da máquina judiciária.
Outro exemplo complicador que se poderia fornecer encontra-se no artigo 275, item II, letra a, do Código de Processo Civil que taxativamente dispõe que observar-se-á o procedimento sumário nas causas, qualquer que seja o valor, de arrendamento rural e de parceria agrícola.
Ora, como o artigo 114 da Constituição Federal traz para órbita de competência da Justiça do Trabalho todos os contratos de atividade onde figura como prestador do serviço uma pessoa física, em típica relação de trabalho, como acontece exatamente, dentre outros, com o contrato de parceria agrícola, qual o rito procedimental a ser adotado na Justiça Laboral, necessariamente o rito ordinário do Código de Processo Civil, em subsidiariedade, por força do disposto no art. 769 da CLT, ou o juiz seria livre para aplicar o procedimento que fosse compatível com o valor da causa, podendo enquadra-lo no rito ordinário, no sumaríssimo ou até no de alçada ?
Veja a perplexidade em que se envolveria o aplicador do direito, isto sem olvidar as conseqüências que a alteração de rito procedimental pode acarretar no devido processo legal, se se sustentar que, como na origem, e.g., na Justiça Comum, determinado litígio ostentava um âmbito probatório mais amplo, com maior número de testemunhas e com maior possibilidade de utilização de meios de prova, seria lícito, pela automática transferência de competência do litígio da Justiça Comum para a Justiça do Trabalho, adotar-se um procedimento mais enxuto que pudesse em tese vilipendiar o devido processo legal com as garantias e recursos a ele inerentes ?
Parece-me que os exemplos citados bastam para concluir com certa cautela que a tese jurídica da vigência imediata das novas regras competenciais gizadas no artigo 114 da Constituição Federal, em que pese sustentável, não viria colaborar para a celeridade e efetividade das decisões judiciais trabalhistas envolvendo os novos feitos que passam a inserir-se em sua competência material.
A prudência recomenda que se aguarde a fluência do prazo de 180 (cento e oitenta) dias previsto no artigo 7o da reforma constitucional, para que se dê tempo ao Congresso Nacional de instalar imediatamente após a promulgação da emenda constitucional n. 45, uma comissão especial mista, cuja precípua finalidade é exatamente fazer tramitar em regime de urgência os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada, bem como para promover às necessárias e inevitáveis alterações na legislação federal para tornar factível a reforma do judiciário, pelo menos no que atenta à ampliação da competência da Justiça do Trabalho, pois só assim será alcançado em etapa sucessiva o amplo acesso à Justiça e a pronta celeridade da prestação jurisdicional.
No contexto desta exegese simplista que se faz da emenda constitucional n. 45, especialmente no que pertine à profunda dilatação do âmbito de competência da Justiça do Trabalho, a primeira conclusão a que se chega, s.m.j. é a de que a regra competencial introduzida pelo novo artigo 114 da Carta Magna não deve ostentar vigência imediata, devendo antes aguardar os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada, bem como as alterações imprescindíveis na legislação federal que inovará de forma substancial os ritos procedimentais afetos aos novos feitos que passam para a jurisdição trabalhista, sendo que no interregno de 180(cento e oitenta dias) ou os processos que forem encaminhados à Justiça do Trabalho terão sua tramitação suspensa pelo prazo mencionado, ou, a se observar rigidamente o disposto no artigo 93, item XV do novo texto constitucional, no sentido de que " a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição ", a Justiça Comum e a Justiça Federal continuariam com competência residual para processar e julgar os feitos que são transferidos para a Justiça do Trabalho por força da EC n. 45/04, até que se concretize no plano prático o processo legislativo inovador previsto no artigo 7o da mesma emenda constitucional.
Outra incongruência conexa com a regra competencial existente no artigo 114 da Carta da República é aquela que de um lado outorga de imediato competência para a Justiça do Trabalho resolver determinados litígios e que de outro lado em redação oposta retira da Justiça do Trabalho esta mesma competência até que a matéria ali tratada venha a ser regulamentada na forma da lei.
Explico-me.
O artigo 114, caput, da Constituição Federal estipula competir à Justiça do Trabalho processar e julgar, de acordo com seu item I, " as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". Ora, pelos termos em que foi redigido o caput do artigo sob comento, todas as ações oriundas da relação de trabalho estão na órbita de competência da Justiça do Trabalho, sem exceção de quaisquer delas, ao passo que o item IX do mesmo artigo 114, de forma totalmente incongruente, ostenta que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar outras controvérisas decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
Ora, de duas uma.
Ou a Justiça do Trabalho já ostenta pelo caput do art. 114 da Lex Legum competência ampla e irrestrita para processar e julgar toda e qualquer ação oriunda de relação de trabalho, pouco importando figure no pólo processual passivo seja uma pessoa física, uma pessoa jurídica de direito privado ou mesmo uma pessoa jurídica de direito público, sendo que a única exigência é a de que o prestador de serviços seja uma pessoa física inserido em um contrato de atividade realizado com quaisquer das pessoas jurídicas antes nominadas, que figurarão como rés, ou a competência da Justiça do Trabalho envolvendo ações oriundas de relação de trabalho está a depender de uma regulamentação legal, tratando-se a norma competencial de autêntica regra de eficácia contida.
A se interpretar o art. 114 da Magna Carta sob este prisma, a competência da Justiça do Trabalho continuaria a mesma do regime jurídico anterior, só tendo vigência imediata ou sucessiva, como pregado alhures, as demais matérias contidas nas alíneas II usque VIII do artigo 114 da Lei Maior.
Reconheço que trata-se de uma exegese míope, tosca, mas que também não se pode desprezar e que sob sua ótica a Justiça do Trabalho para alcançar a jurisdição plena a ser completada pela aplicação igualmente do inciso I do art. 114, estaria novamente a depender de legislação complementar no plano infraconstitucional.
A prevalecer, todavia, a tese jurídica de que a regra competencial gizada no art. 114 da Lei Maior é imediata, independendo do prazo previsto no seu art. 7o, necessário se torna a partir de agora fazermos uma incursão a respeito dos ritos procedimentais que podem ser adotados relativamente aos feitos egressos da Justiça Comum ou da Justiça Federal.
Antes de adentrarmos o terreno inovador dos ritos procedimentais somos forçados a fazer uma análise sumária da ampliação da competência da Justiça do Trabalho veiculada através da Emenda Constitucional n. 45/04.
Reza o art. 114 da Constituição Federal, em seu inciso I, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar " as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Façamos primeiro a exegese simplista deste inciso I do art. 114.
A primeira conclusão a que se chega é a de que a Justiça do Trabalho deixou de ser um ramo especializado do Poder Judiciário que dirimia relações de trabalho informadas precipuamente pelo elemento da subordinação, como sói acontecer nos litígios oriundos dos contratos de trabalho, onde figura em um dos pólos da relação jurídica um empregador e no pólo oposto um empregado, na exata dicção contida no artigo 3o da CLT.
A Justiça do Trabalho, além dos conflitos intersubjetivos de interesses que têm origem na relação de emprego, passa agora a ter competência igualmente para dirimir toda e qualquer ação oriunda da relação de trabalho, independentemente de existir na relação jurídica o chamado tônus subordinativo, bastando que uma pessoa física preste para outra pessoa, seja física, jurídica, ou de direito público externo ou interno, determinados serviços típicos de um contrato de atividade.
Neste contexto, além dos trabalhadores subordinados, a Justiça do Trabalho passa a ostentar competência para julgar as ações movidas por trabalhadores autônomos, eventuais, avulsos, parassubordinados e afins, sendo que no que pertine aos profissionais liberais só não ostenta competência para julgar os litígios oriundos de uma relação de consumo, desde que a lide envolva relação jurídica que ostente em um de seus pólos o fabricante de determinados produtos ou o fornecedor de determinados serviços à comunidade em geral e no outro pólo o destinatário direto da relação consumerista.
Na dicção da lei n. 8.078/90, para ser mais explícito, " consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". ( art. 2o ). Por outro lado, em uma relação de consumo, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. ( art. 3o ).
O próprio Código de Defesa do Consumidor explica melhor qual seria o objeto da relação de consumo, e ao faze-lo torna possível dissociar este objeto daquele concernente a um contrato de atividade, onde necessariamente o prestador de serviços será sempre uma pessoa física, ao passo que na relação consumerista tanto o consumidor quanto o fornecedor pode ser seja pessoa física ou jurídica, elemento que será melhor explorado alhures ao tratarmos dos profissionais liberais.
Em suma, como o objeto da relação de consumo pode consubstanciar tanto um produto como um serviço, o Código de Defesa do Consumidor tratou de defini-los desta forma : " produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial; serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista, como é óbvio.
Considerando-se os conceitos emitidos, se um fabricante coloca no mercado um produto defeituoso, o seu destinatário final, que é o consumidor, pode aciona-lo perante a Justiça Comum para ressarcir-se dos prejuízos sofridos, se não for possível uma composição amigável.
O profissional liberal que sob a forma de pessoa jurídica oferece seus serviços, isoladamente ou associado a outros profissionais do mesmo ramo de atividade, à comunidade em geral, insere-se em uma relação de consumo, sendo que tal litígio entra na esfera de competência da Justiça Comum.
Tomem-se alguns exemplos práticos.
Paulo, desejando construir uma casa, procura um escritório de arquitetura e contrata com um ou mais profissionais liberais, engenheiros e arquitetos, a confecção da planta de sua casa e o acompanhamento de sua construção. Os litígios daí oriundos, seja a falha na execução dos serviços profissionais ou a falta de pagamento dos serviços prestados deverão ser dirimidos pela Justiça Comum. Este mesmo exemplo serve para todos os profissionais liberais que se organizam para competir no mercado de consumo.
Quando, todavia, o profissional liberal atua como pessoa física, obrigando-se a prestar serviços a determinada pessoa física ou jurídica, em típico contrato de atividade, o litígio daí oriundo é da Justiça Laboral, eis que estamos diante de uma relação de trabalho, onde figura como prestador de serviços o profissional liberal, pessoa física, e como tomador de serviços, uma outra pessoa física ou jurídica. Os litígios daí oriundos serão da competência da Justiça do Trabalho, ou seja, tanto a ação de cobrança dos honorários contratados e não honrados pelo tomador de serviço como a ação de ressarcimento de dano que o tomador de serviço tenha contra o prestador de serviços, que fugiu das especificações técnicas ajustadas.
Por outro lado, aqueles que atuam em uma relação de consumo, não como fabricante ou fornecedor de serviços e nem como destinatário final da relação consumerista e sim como trabalhadores contratados pelo fabricante ou fornecedor de serviços à comunidade em geral para tornar possível a prática da relação de consumo, estes como típicos prestadores de serviços como pessoas físicas, ou serão trabalhadores subordinados ou autônomos e nesta qualidade terão seus litígios resolvidos na Justiça do Trabalho.
No que pertine à segunda parte da redação do artigo 114 da Constituição Federal, existindo uma relação de trabalho entre uma pessoa física que nesta qualidade presta serviços através de autêntico contrato de atividade, existente ou não o elemento subordinativo, para um ente de direito público externo ou da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o litígio daí oriundo será dirimido pela Justiça do Trabalho.
Assim, v.g., tanto a doméstica como a diarista que prestam serviços para uma embaixada ou consulado terão ação contra seus tomadores de serviço perante a Justiça do Trabalho.
Da mesma forma aquele que presta trabalho, dissociado do âmbito estatutário, para a administração pública direta ( União, Distrito Federal, Estados-Membros e Municípios e respectivas autarquias e fundações públicas) terão seus litígios dirimidos pela Justiça do Trabalho.
Assim, e.g., se a União contrata com uma pessoa física a prestação de determinado trabalho, com ou sem subordinação, o litígio daí oriundo será da competência da Justiça do Trabalho.
Os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, que nesta qualidade prestem serviço público á Administração Pública Direta, suas autarquias e fundações públicas, travando com os entes públicos mencionados uma relação de caráter estritamente institucional e não de trabalho, continuam tendo seus litígios dirimidos pela Justiça Federal.
Neste último contexto mostra-se sem qualquer relevância jurídica a alteração da redação do artigo 114 da Constituição Federal feita à undécima hora pelo Senado Federal, ou seja, no texto original que chegara ao Senado excepcionava-se da competência da Justiça do Trabalho os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, sendo que o texto acabou sendo aprovado com supressão desta ressalva, fazendo-se menção explícita apenas às relações de trabalho travadas com os entes públicos da administração direta, respectivas autarquias e fundações públicas, isto porque, com ou sem ressalva, o que interessa é que a literalidade do texto constitucionalmente aprovado às últimas deixa explícito que a Justiça do Trabalho, no que concerne à Administração Pública Direta, suas autarquias e fundações públicas, só ostenta competência para processar e julgar ações oriundas de relação de trabalho e não de relação jurídica de cunho institucional, como é da índole do regime jurídico estatutário.
As ações que envolvam o exercício do direito de greve, típicas de direito coletivo de trabalho, lembrando-se que o poder normativo da Justiça do Trabalho, em que pese mitigado, acabou sendo mantido na redação do parágrafo segundo do artigo 114 da Constituição Federal, continuam, como é óbvio, na esfera de competência da Justiça do Trabalho, inclusive a declaração da abusividade ou não do direito de greve, as ações cautelares visando a manutenção da continuidade de serviços nas atividades essenciais e congêneres.
Os atos de sabotagem praticados no âmbito do direito de greve, como as depredações em prédios particulares ou públicos, ou a ofensa à integridade física de seus participantes, configurando delitos típicos, com previsão explícita no Código Penal, continuam na esfera de competência, como é óbvio, da Justiça Penal, assim também acontecendo com outras matérias que venham a desbordar os lindes objetivos do direito coletivo do trabalho.
Entram, símile modo, na esfera de competência da Justiça do Trabalho, consoante o disposto no item III do art. 114 da Magna Carta " as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores ", podendo ser citados à guisa de exemplos, respectivamente, as disputas sobre a base territorial e a legitimidade do sindicato para nela atuar; a contestação de cobrança por parte de não associados do sindicato profissional da chamada contribuição confederativa; a cobrança de taxas ou contribuições confederativas de empresas que não as repassem para o sindicato representativo da categoria econômica, sendo que este último litígio estava afeto à competência da Justiça Comum.
No termos do item IV do art. 114, a Justiça do Trabalho, como acontecia anteriormente, tem competência para processar e julgar os mandados de segurança, hábeas corpus e hábeas data, quanto o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição. Da mesma forma ostenta competência para dirimir os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvados os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro Tribunal.
Na dicção do artigo 114, inciso VI, ostenta ainda a Justiça do Trabalho competência para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho, excepcionando-se infelizmente as ações por danos materiais ou morais conexas a acidentes de trabalho, eis que estes últimos continuam na esfera de competência da Justiça Comum, como vem sendo reiteradamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. A redação como foi formulada, em sua interpretação literal e explícita, exclui os danos morais e materiais decorrentes de acidentes do trabalho, por dolo ou culpa do empregador, sendo que a polêmica doutrinária que daí exsurge fica no mesmo patamar que hoje é discutida nos Tribunais do Trabalho.
Quisesse o legislador constituinte ser explícito e taxativo quanto à competência da Justiça do Trabalho na matéria sob enfoque, bastaria que assim tivesse redigido o dispositivo sob comento : VI- as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho e dos acidentes de trabalho, quando o tomador de serviços obrar com dolo ou culpa.
Porque intencionalmente utiliza-se o termo " tomador de serviços " e não mais empregador ? Assim se faz porque houve ampliação de competência para apreciar ações envolvendo danos materiais e morais, que antes eram afetas à relação de emprego e agora são concernentes lato senso a toda e qualquer relação de trabalho, excluída a acidentária.
Entra, assim, na órbita de competência da Justiça do Trabalho a ação de indenização por danos morais e materiais que o representante comercial tenha contra seu dador de trabalho, o mesmo acontecendo em todos os outros contratos de atividade em que o trabalhador figure como pessoa física.
Outra inovação competencial insere-se na moldura do item VII do art. 114 da Constituição Federal, ao enfatizar que passam para a Justiça do Trabalho " as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho".
A advertência que se faz aqui é a de que o dispositivo constitucional sob comento não atribui ao Juiz do Trabalho competência para, em processos de sua competência, mormente aqueles relacionados com a relação de emprego, aplicar de ofício multas administrativas aos empregadores relativamente às penalidades administrativas que eventualmente forem detectadas no curso dos processos trabalhistas.