Através da Emenda Constitucional n° 45 /2004, que promoveu a Reforma do Poder Judiciário, instaurou-se verdadeira revolução em matéria de competência da Justiça do Trabalho. No âmbito do presente estudo não pretendemos nos aprofundar em todas as nuances da reforma constitucional empreendida, nem mesmo discutir sua conveniência ou oportunidade, mas, somente discorrer sobre uma nova competência estabelecida para o Judiciário do Trabalho, qual seja: dirimir algumas controvérsias no âmbito do Direito do Consumidor.
Desde logo cumpre-nos trazer à lume que não ignoramos as lições de notáveis juristas e mestres do direito laboral que já defenderam publicamente a exclusão da competência do Judiciário Trabalhista em sede de relações de consumo. Todavia, com o devido respeito, ousamos dissentir dos posicionamentos adotados, pois entendemos que a competência prevista para " as ações oriundas da relação de Trabalho", constante da nova redação do inciso I do art.114 da Constituição Federal, também abrange matérias reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor, o que exigirá do Juiz do Trabalho a aplicação das normas estatuídas pelo referido Código para solucionar diversos litígios que doravante lhe serão submetidos.
Em razão da reforma procedida, o texto do artigo 114, inciso I da Constituição Federal passou a ter a seguinte redaçã
"Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;"
Verifica-se assim que houve considerável ampliação da competência material da Justiça do Trabalho. Quando a Constituição se refere às ações oriundas da relação de trabalho está conferindo competência à Justiça do Trabalho para processar e julgar toda e qualquer lide decorrente da prestação pessoal de serviço, não a limitando, como anteriormente o fazia, a conciliar e julgar apenas lides decorrentes da relação de emprego e somente na forma da lei outras controvérsias.
Para melhor equacionar o tema em estudo, cumpre sejam feitas algumas considerações acerca de aspectos essenciais dos conceitos de fornecedor e de consumidor estabelecidos pela legislação vigente, bem como fazer uma breve análise do que consiste a prestação de serviço regulada pela nossa lei consumerista. É o que faremos a seguir, sem ter obviamente a pretensão de esgotar o debate sobre o tema.
Consoante dispõe o art. 3° da lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), incluem-se no conceito de fornecedor os chamados "Prestadores de Serviços":
"Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
`PAR` 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
`PAR` 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".
Segundo ensina o Prof. Rizzatto Nunes o CDC utiliza-se mal o sujeito da oração. Emprega "fornecedor" de serviços, quando deveria empregar "prestador" de serviços. Apesar do erro no uso do conceito, o resultado prático da interpretação é o mesmo..."
Destarte, dentre as diversas espécies de fornecedor , a pessoa física que explorar de forma autônoma o mercado de consumo prestando serviços, por sua conta e risco, insere-se na definição legal de fornecedor. A questão que poderá ser colocada é que, para se configurar uma autêntica relação de consumo também deverá haver no outro pólo dessa relação jurídica como destinatário final dos serviços a figura do consumidor, o qual, por força do disposto no "caput" do art.2° da lei consumeirista, é assim definid " Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
Portanto, em face das definições adotadas pelo CDC, havendo uma relação jurídica entre uma pessoa física que explore habitual ou profissionalmente o mercado de consumo prestando serviços, de um lado, e de outro uma pessoa física ou jurídica que usufrua destes serviços como destinatária final, estaremos diante de uma relação típica de consumo, cujos termos e efeitos são disciplinados pelo Código de Defesa do Consumidor. A única exceção estabelecida é para o trabalho prestado de forma subordinada, envolvendo uma relação trabalhista "stricto senso", o qual regula-se pelas regras previstas pela Consolidação Das Leis do Trabalho.
Em razão disso, não vemos qualquer dificuldade em sustentar que o Judiciário Trabalhista, após a Emenda Constitucional n°45/2004, passou a ser competente para processar e julgar as ações que envolvam prestação de serviço regulada pelo Direito do Consumidor, na forma estabelecida pela lei n°8.078/90.
A título de exemplo, imaginemos a contratação de um arquiteto, que explore o mercado de consumo trabalhando de forma autônoma, com a finalidade de elaborar e acompanhar o projeto de reforma das instalações de uma empresa. Nesse exemplo teremos de um lado a figura do fornecedor de serviços, o arquiteto, e de outro uma consumidora, como destinatária final desses serviços, qual seja: a empresa. Essa relação jurídica inegavelmente será de consumo, regulada pelas normas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, porquanto o profissional liberal também é fornecedor, sendo sua responsabilidade pessoal disciplinada pelo parágrafo 4°, do art.14 do mesmo Código. Não se olvide igualmente que a pessoa jurídica também se insere no conceito legal de consumidor, desde que destinatária final. Pois bem, surgindo algum demanda decorrente da prestação de serviços do dito arquiteto, em nosso entendimento será a Justiça do Trabalho a única competente para processar e julgar o litígio (art.114, inciso I da Constituição Federal).
Se assim é, cabe uma indagaçã quais serão as normas de direito material que o Juíz do Trabalho deverá aplicar à espécie para a solução do conflito arquiteto X empresa? Inquestionavelmente serão as normas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, pois cuida-se de autêntica relação de consumo. É importante destacar que o art. 593 do Código Civil vigente excluiu do âmbito de sua aplicação a prestação de serviço que estiver sujeita à lei especial, devendo o Código de Defesa do Consumidor ser interpretado como lei especial que regula as relações de consumo.
No exemplo acima, poderíamos substituir a figura do arquiteto por qualquer outra pessoa natural prestadora de serviço, que trabalhe com autonomia de maneira habitual ou profissional, vg. o transportador; o contador, o médico, o engenheiro etc., que da mesma forma será o Judiciário Trabalhista competente para apreciar sua demanda, a qual também será oriunda de uma relação de consumo e que exigirá para sua solução a aplicação do direito material estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor.
Todavia, cumpre referir que sendo contratada uma pessoa jurídica como prestadora de serviço a solução de uma eventual controvérsia que surgir com o contratante do serviço escapará ao âmbito de competência do Judiciário Trabalhista, pois, em face da Constituição Federal(art.114, inciso I), será necessária a existência de uma Relação de Trabalho para atrair a competência material da Justiça do Trabalho, vale dizer é imprescindível que a prestação de serviço seja pessoal, contratada e realizada por uma pessoa natural.
Dessa forma, sem sobra de dúvida podemos concluir este singelo estudo afirmando que, em razão da alteração procedida no texto constitucional pela Emenda n° 45/2004, foram incluídas na competência material da Justiça Trabalho processar e julgar as demandas que envolvam a prestação pessoal de serviços, inclusive dos serviços que estejam regulados pelo Código de Defesa do Consumidor, cujas disposições deverão ser observadas pelo Juízo Trabalhista para a solução dos litígios que lhe forem submetidos.
*Cláudia Lima Marques