(PUBLICADO ORIGINALMENTE NO JORNAL ZERO HORA DO DIA 3/6/2013)
"Enquanto a
prioridade for
produzir de modo
globalizado e
massificado,
a vida não valerá nada"
Na linda música "Deixando o Pago", o cantor e compositor Vitor Ramil escreve "que o mundo é pequeno e que a vida não vale nada". A morte de mais de 1.100 trabalhadores no desabamento de um prédio em Bangladesh, no final de abril, e o número oficial de 2012 de 2.717 brasileiros que perdem a vida em acidentes de trabalho, demonstram sim, que o mundo é pequeno e que a vida não vale nada.
Pequeno porque a distância entre o Brasil e Bangladesh é imensa, mas a realidade que envolve as precárias condições de trabalho de milhares de pessoas e a desconsideração com a vida humana nos aproximam; pequeno, porque quando trabalhadores, na sua maioria mulheres, perderam suas vidas naquele desabamento e em outros incêndios que antecederam a tragédia, estavam confeccionando roupas para as grandes marcas da indústria têxtil mundial, que o brasileiro consome ou sonha consumir. Algumas delas, pressionadas pela repercussão deste e de outros acontecimentos, firmaram acordo para fiscalizar e financiar medidas de segurança e contra incêndio nas fábricas de Bangladesh.
A tragédia traduzida em morte anunciada tem, pelo menos, três facetas de perversidade. Uma, o trabalho escravo e a total falta de apreço com condições mínimas de dignidade. Outra, a fragmentação dos modos de produção que as terceirizações e todas a divisão da cadeia produtiva disseminam, de modo a desprezar quem e de que forma se produz para valorizar, apenas a capacidade de produção e, ainda, uma terceira, vinculada com à morte por acidente de trabalho.
Qualquer enfoque faz as fronteiras entre o Brasil e Bangladesh desaparecerem neste mundo pequeno. E a vida, que não vale nada lá, também nada vale aqui. Silenciosamente, cerca de sete trabalhadores perdem a vida por dia no Brasil. É mais que o dobro das mortes da tragédia do Paquistão, todo o ano, ano após ano. De tão grave o flagelo, a Organização Internacional do Trabalho pensa em uma campanha mundial para a prevenção de acidentes, o governo brasileiro começa a divulgar ações neste sentido e o Tribunal Superior do Trabalho tem um programa especialmente desenvolvido para conscientização e redução das mortes e doenças profissionais.
Mas, enquanto a prioridade for produzir de modo globalizado e massificado, com baixíssimo custo de altíssimos lucros, a vida não valerá nada e o mundo continuará a ser pequeno, na comunhão das tragédias.
(*) Juíza do Trabalho na 4ª Região (RS)