Está nas mãos do presidente Michel Temer (MDB) para sanção ou veto projeto que busca alterar a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). O texto inclui no Decreto-Lei 4.657/1942 "disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do Direito Público".
O objetivo é estabelecer que as esferas administrativa, de contas e judicial não decidirão o destino de agentes públicos com base em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. A interpretação das normas sobre gestão pública deverá considerar os obstáculos e dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo.
Enquanto associações representativas da magistratura, de auditores e do Ministério Público se mobilizam para pedir o veto integral à proposta, outros grupos rebatem as críticas e defendem as mudanças. Temer tem até 25 de abril para avaliar a questão.
O Projeto de Lei 7448/2017 é de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) e foi apresentado em 2015, tendo ganhado nova numeração quando chegou à Câmara dos Deputados. No total, são 11 novos artigos.
Depois de aprovado pelo Senado e, em março deste ano, pela Câmara dos Deputados, o projeto foi ao Planalto em 5 de abril. Nesta quarta (11/4), seis associações protocolaram na Presidência da República, na Casa Civil e no Ministério da Justiça, pedido de veto integral ao texto.
As entidades consideram preocupantes o subjetivismo a partir da inserção de valores jurídicos abstratos, bem como a criação de modalidades e de justificativas para eventual confirmação de ato ou de contratos inexistentes ou nulos.
O projeto também flexibiliza de forma negativa, na visão delas, o instituto da responsabilidade objetiva do Estado com a possibilidade de serem considerados, na execução dos atos administrativos, os "obstáculos e dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo".
Artifício
No entendimento das associações, é inconstitucional trecho sobre a responsabilização dos agentes públicos. Nesse ponto, o PL prevê que os mesmos respondam apenas por "dolo e erro grosseiro", o que abriria caminho para se tornar uma "lei de impunidade". Na avaliação das entidades, a mudança significa verdadeiro contorno à Lei de Improbidade, com artifícios para isentar de responsabilidade o agente.
O documento é assinado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
O PL também foi alvo de críticas tecidas pela Consultoria Jurídica do Tribunal de Contas da União, que questionou a validade e legalidade de alguns de seus dispositivos e a constitucionalidade de outros. O TCU vê no projeto tentativa de supressão de competências constitucionais do próprio Legislativo e das cortes de Contas.
O Ministério Público Federal se uniu aos descontentes e engrossou o coro que pretende pressionar pelo veto. No ofício, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, alegou que a mudança afeta diretamente a aplicação da Lei de Improbidade, que não é uma opção do legislador, mas uma exigência da Constituição. Para Dodge, ainda constitui um indesejado fator de insegurança jurídica que favorece a impunidade de agentes públicos responsáveis por atos de improbidade, inclusive com efeitos retroativos.
Na leitura do MPF, trata-se de um "gravíssimo retrocesso nas instâncias de controle administrativo, que abre oportunidade para a impunidade e a redução do espectro de responsabilidade do administrador público". Por fim, transfere para o julgador os ônus e as responsabilidades inerentes à atividade do gestor público.
Esses grupos questionam, inclusive, o fato da proposta não ter passado pelos plenários das duas Casas legislativas, já que tramitou em comissões com caráter terminativo.
Leitura equivocada
Por outro lado, parecer de 31 páginas divulgado nesta sexta-feira (13/4) por 16 dos maiores especialistas do Direito Público e do Direito Administrativo do Brasil recomenda a aprovação do Projeto de Lei 7448/2017. Para eles, ao contrário do que diz o grupo de associações, a proposta passou por amplo debate, de quatro anos, e "figura como um grande avanço para a melhoria da qualidade decisória nacional, não havendo quaisquer ilegalidades ou inconstitucionalidades".
De acordo com os juristas, o PL sistematiza o que já vem sendo adotado no cotidiano das esferas administrativa, controladora e judicial, porém de forma fragmentada, assistemática. O grupo considera que o texto consolidará as melhores práticas de controle da administração pública. Eles apontam ainda que as críticas são resultado de uma leitura incorreta da proposta.
"A avaliação tem sido a de que o PL dá passo importante ao pretender transpor para norma geral parâmetros de interpretação e aplicação do direito público bastante consensuais, que na prática já vêm sendo observados e adotados no cotidiano das esferas administrativa, controladora e judicial", diz o parecer.
Em coluna no jornal Folha de S.Paulo deste domingo (15/4), o pesquisador Samuel Pessôa, do Ibre-FGV e sócio da consultoria Reliance, escreve que a proposta modernizaria o Estado brasileiro e elevaria a transparência dos órgãos de controle.
"A ideia da nova lei é que a forma de regular o controle não é cerceando-o, como seria o caso de uma lei de abuso de autoridade, nem criando instâncias superiores que fiscalizarão os órgãos de controle. (...) A ideia é aperfeiçoar o controle elevando sua responsabilidade e demandando avaliações de impacto, como, aliás, se espera de toda gestão pública responsável", afirma Pessôa.