Daqui para frente, tudo será diferente. No último dia 13, os presidentes dos 3 poderes da República, Luiz Inácio Lula da Silva (Executivo), José Sarney e Michel Temer (Legislativo), e Gilmar Mendes (Judiciário), firmaram, em Brasília, o 2º Pacto Republicano de Estado, que, nas palavras do senador José Sarney, tem como propósito fazer com que o Brasil se torne, enfim, um país justo.
Todavia, daqui para frente, ao que tudo indica, nada será diferente. Foi apenas um sopro de esperança. Um sopro de esperança que, infelizmente, durou pouco: 24 horas. Isso porque, no dia 14 de abril, um dia após a assinatura do pacto que tinha por finalidade tornar o Brasil mais justo, o Senado Federal, presidido por José Sarney, aprovou, em 2º turno, a Proposta de Emenda Constitucional nº 12/2006 (PEC 12/06), de autoria do sempre lembrado senador Renan Calheiros, cujo conteúdo se revela como mais um duro golpe na sociedade brasileira.
Já apelidada por muitos como a “PEC do Calote”, a proposta de emenda constitucional, dentre outros aspectos bastante graves e discutíveis, amplia vergonhosamente os prazos de pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública (estadual, municipal ou distrital), por meio dos chamados precatórios.
Os precatórios nada mais são do que requisições de pagamento encaminhadas pelo Poder Judiciário ao Poder Executivo. Em resumo, em sendo a Fazenda Pública derrotada em um processo judicial, o credor requer ao Judiciário o pagamento do valor que lhe é devido e, apresentado o precatório até o dia 1º de julho de cada ano, a Fazenda Pública teria a obrigação de quitar o débito até o último dia do exercício imediatamente seguinte. Assim, findo um processo, a Fazenda Pública deveria pagar a sua dívida, no máximo, até o final do ano seguinte, observada a ordem cronológica dos requerimentos.
Ocorre que, na prática e como todos sabemos, tal regra não é observada pelos entes públicos. Pessoas físicas e jurídicas esperam anos e anos até receberem aquilo que lhes é de direito.
E a sistemática do calote não é nova. Por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, os pagamentos das dívidas pendentes à época foram parcelados em oito anos. No ano 2000, com Emenda Constitucional de nº 30, os pagamentos pendentes naquele momento, bem como os pagamentos de ações judiciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, foram todos parcelados em até dez anos.
E agora, em 2009, com a “PEC do Calote”, surge algo ainda mais arrojado. Com a Aprovação da PEC 12/06, estados, Distrito Federal e municípios poderão optar por parcelar suas dívidas em até 15 anos, ou, ainda – acreditem – poderão optar por depositar apenas um determinado porcentual de sua “receita corrente líquida”, sem prazo máximo determinado para o pagamento total das suas dívidas.
Isso significa dizer que, com o novo calote, os credores de estados, do Distrito Federal e de municípios serão pagos, com sorte, em 15 anos. Mas caso o seu devedor tenha optado pelo regime de pagamento com base em porcentual de receita corrente líquida, o parcelamento pode se prorrogar por décadas, ou, não nos surpreendamos, até mesmo por mais de um século. Basta lembrar que, nas palavras do presidente nacional da OAB, Cezar Britto, o Espírito Santo, por exemplo, “levará 140 anos para quitar os seus débitos, enquanto outros estados podem levar de 40 a 70 anos. Se não corrigirmos isso, estaremos brincando de fazer justiça no Brasil”.
Outra questão polêmica é a atinente à sistemática de leilão de créditos, também prevista na PEC 12/06, pela qual, ao menos em relação a uma parte dos valores, passarão a ter preferência de recebimento os credores que venham a conceder o maior deságio de seu crédito à Fazenda Pública. Isoladamente e estivessem os pagamentos em dia, a ideia até poderia ser razoável e interessante. Todavia, diante do cenário de não pagamento ou de parcelamento infindável, o mecanismo do leilão se torna algo desleal e quase que forçoso para um significativo número de pessoas. A lógica é a seguinte: “Não pagamos e, se pagarmos, o parcelamento será a perder de vista. Mas se você nos der um bom desconto, daí quem sabe você recebe”. Ora, nada mais abominável, notadamente ao se constatar que a “proposta” parte justamente de quem deveria dar exemplo. É uma proposta indecente que, em um país como o Brasil, com graves problemas sociais, atenta claramente contra o princípio da dignidade humana. Atenta ainda contra o instituto do direito adquirido e contra os princípios da legalidade, da igualdade, da moralidade e da segurança jurídica.
Enfim, a PEC 12/06 é absolutamente imoral. E o pior: foi aprovada no Senado, em dois turnos, sem um único voto contrário. Nenhum. Não houve sequer uma voz que se levantasse contra tamanha atrocidade. Ora, onde estão os representantes do povo em um momento como esse? Definitivamente parecem não estar no Senado.
Várias entidades já manifestaram o seu repúdio em relação à PEC 12/06, tais como a OAB, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça Federal (Anamatra).
Cabe agora à Câmara dar uma resposta firme e digna à sociedade. Que o silêncio do Senado não se repita na Câmara e que a situação nos sirva de alerta. Precisamos de efetivos representantes do povo no Congresso Nacional. Precisamos de homens e mulheres honrados, éticos e cumpridores da Constituição Federal. Em suma, pessoas imbuídas do verdadeiro espírito público.