Evento discutiu pesquisa “Enigmas de Gênero: Mulheres e Carreira no Poder Judiciário”, respondida por mais de 900 magistradas e magistrados
A Escola Nacional Associativa dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Enamatra) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), por meio da Comissão Permanente Anamatra Mulheres, realizaram, nesta terça (6/4), o Webinário “Mulheres no Judiciário: associativismo e democracia”. O evento contou com transmissão ao vivo pelas plataformas digitais da Anamatra (Instagram, Facebook e Youtube).
Na abertura do evento, a presidente da Anamatra, Noemia Porto, falou da realidade de gênero na Magistratura do Trabalho que, segundo ela, embora, desde o processo de redemocratização do país em 1988, tenha recebido considerável incremento, isso não tem significado que a respectiva distribuição da presença feminina ocorra de forma igualitária em todas as instâncias judiciárias.
“Para além da questão numérica, ou quantitativa, o incremento da presença qualitativa, a propósito, não representa, apenas, uma questão da passagem do tempo cronológico. Isso ocorre porque as questões indutoras da desigualdade não são atributos exclusivos de determinada classe social. Magistradas também sofrem com as questões indutoras de desigualdade,” apontou a presidente. Os estereótipos de gênero, as consequências de uma repartição sexual injusta das tarefas domésticas, o acúmulo com os atributos do cuidado e o estranhamento de se considerar as mulheres como lideranças políticas marcam a vivência profissional das magistradas e estão presentes, também, quando se trata da ocupação dos espaços de articulação da política associativa.
Nessa linha, para a presidente, a igualdade de gênero tem como norte a busca por uma visibilidade igual, com a participação de homens e mulheres tanto nas esferas da vida privada quanto pública, incluindo, além da participação na vida pública, aspectos como independência econômica, acesso à educação, e participação política. “A igualdade desafia aceitar e valorizar as diferenças entre mulheres e homens e seus diferentes papéis que livremente possam assumir na sociedade, mas sem que essa diferença sirva de justificativa para tratamentos jurídico, social, econômico e e/ou político que coloquem as mulheres em patamares de subcidadania ou de desvantagem,” esclareceu a presidente.
Na avaliação da presidente da Anamatra, as sociedades igualitárias são condição para um desenvolvimento realmente sustentável, como aponta o Objetivo nº 5 da Agenda 2030 da ONU. “As diferenças não são a-históricas e a política não pode ser um não-lugar para as mulheres”, alertou. Para a magistrada, é necessário se pensar no dilema da igualdade como primado da justiça dentro do próprio sistema de justiça e da organização política da Magistratura.
Enigmas de gênero – O webinário teve como objetivo, em especial, discutir e refletir sobre os apontamentos levantados pela pesquisa “Enigmas de Gênero: Mulheres e Carreira no Poder Judiciário, desenvolvida pela juíza Daniela Lustoza Chaves, integrante da Comissão Anamatra Mulheres em sua tese de Doutorado em Direito Constitucional, em desenvolvimento, na Universidade de Fortaleza (CE). A iniciativa teve apoio da Anamatra e foi respondida por mais de 900 magistradas e magistrados da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.
A pesquisa, que contou com a participação de magistrados e magistradas de todos os graus de jurisdição, demonstrou, entre outros, os aspectos que influenciam na decisão das (os) magistradas (os) de participar, como dirigente, de uma associação de classe. Nesse ponto, o principal obstáculo, apontado por 57% das mulheres e 51% dos homens, são as constantes viagens exigidas pela atividade associativa, seguidas pelo desgaste com as (os) colegas, pelo prejuízo para a carreira, pela alta exposição e pelo desestímulo por parte da família.
Cerca de 25% das magistradas e 5% dos magistrados também consideram que a condição de pertencer ao sexo masculino “favorece fortemente” o desempenho da atividade associativa. Cerca de 58% das magistradas e 27% dos magistrados que responderam afirmativamente à questão imputam o fato ao preconceito em função de estereótipos (“homem é mais aguerrido, mais decidido, transmite mais confiança em questões políticas, demonstra mais facilidade, entre outros”).
Ao falar dos dados da pesquisa, Daniela Chaves falou da importância da ocupação feminina no movimento associativo e da busca pela efetiva paridade. “É imperativo que sejamos pontes e inspiração para as demais. Somos seres políticos por essência, não podemos abdicar da ação política e desse espaço político. As fronteiras do silêncio não nos favorecem. Romper os silêncios é a nossa missão primeira, com fóruns, como este webinário, de compartilhamento das nossas complexidades, sem esquecer a riqueza e imprescindibilidade das lentes transversais e interseccionais”, apontou.
Justiça federal - O debate também contou com a participação da vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) da 5ª Região, Camila Monteiro Pullin. Em sua intervenção, a magistrada falou das iniciativas da Comissão Ajufe Mulheres, instituída em 2017. Voltada à defesa das magistradas e ao estudo e debate de questões de gênero que afetam a carreira da Magistratura, a Comissão busca a concretude de ações voltadas ao aperfeiçoamento institucional da Justiça Federal.
Pullin informou que as mulheres representam minoria nos quadros da Magistratura Federal, realidade que impacta também na participação no movimento associativo, especialmente em cargos de direção - a Ajufe, citou, nunca foi presidida por uma mulher. “O que me anima é ver que a Comissão Ajufe Mulheres tem impulsionado políticas institucionais de inventivo à participação feminina no Poder Judiciário”, disse, ao falar de sua trajetória no movimento associativo dedicada às questões de gênero e do trabalho da Comissão, incluindo pesquisas, requerimentos, notas técnicas, estudos, eventos e projetos.
Entre as iniciativas da Comissão apresentadas por Pullin está a cartilha "Julgamento com Perspectiva de Gênero: Um guia para o Direito Previdenciário" (clique aqui e acesse a íntegra), lançada em dezembro de 2020. A publicação consiste em um guia para o julgamento de causas previdenciárias, matéria de maior incidência na Justiça Federal, levando em conta questões de gênero, raça e outros marcadores sociais. O documento parte da constatação de que o acesso à justiça para algumas pessoas enfrenta obstáculos ligados a estereótipos de gênero e raça.
A cartilha representa ainda uma contribuição para a conscientização da importância de se adotar uma metodologia para julgamento com perspectiva de gênero, junto à comunidade jurídica. E, de modo especial, perante ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a quem a Ajufe já requereu a elaboração de um protocolo oficial para julgamento com perspectiva de gênero, a exemplo de países como Chile, México e Bolívia.
Confira a íntegra do webinário: