Magistradas brasileira e colombiana falam sobre a questão de gênero no sistema de Justiça

Gregorio Díaz

Último dia do Congresso Internacional em Bogotá teve atividades na Universidad Nacional de Colombia e no Consejo de Estado

O último dia de atividades do 10º Congresso Internacional da Anamatra na capital colombiana, nesta quarta (26/2), aconteceu no campus da Universidad Nacional de Colombia. O evento, que partir de amanhã acontecerá em Cartagena, segue até este sábado (2/3), com palestras e visitas a órgãos dos Poderes Judiciário e Legislativo colombianos e universidades. 


Na abertura da programação, os congressistas foram recebidos pelo decano da Faculdad de Derecho, Hernando Torres Corredor, que falou das diversas mudanças ocorridas no cenário jurídico com a globalização, com impacto direto nos direitos fundamentais. “Acreditamos na fundamentalização dos direitos sociais, mas precisamos também que eles sejam realizados, daí a importância da Justiça do Trabalho”, declarou.

O início das exposições teve como tema gênero e Magistratura nos panoramas brasileiro e colombiano. Sobre a realidade do Brasil falou a juíza do Trabalho da 10ª Região Noemia Porto. Já a magistrada do Consejo de Estado Sandra Lisset Vélez discorreu sobre o contexto do tema na Colômbia. A mesa foi presidida pela juíza Flávia Pessoa, do Conselho Fiscal da Anamatra.

Em sua intervenção, Noemia Porto explicou que presença qualitativa das mulheres depende de fatores diversos e que as pesquisas mais profundas, e de maior acúmulo, estão direcionadas às mulheres no mercado de trabalho e não à questão do sistema de justiça. “O problema não é dilema só do mercado do trabalho. A questão do gênero é um dilema no campo do Poder Judiciário. É inconcebível que, no sistema de Justiça, não haja uma discussão de amplo fôlego com relação à diversidade e à diferença”, criticou.

A magistrada trouxe dados do Departamento de Pesquisas Judiciária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2018, que revelam uma participação menor das mulheres no Judiciário. Atualmente, os homens representam 84% dos ministros e as mulheres 16%, no 2º grau eles ocupam 77% dos cargos e elas 23%. Já no 1º grau, os homens representam 61% dos juízes titulares e as mulheres 39%, entre os substitutos os percentuais são, respectivamente, de 56% e 44%. A Justiça do Trabalho concentra o maior número de mulheres magistradas (47%), seguida pela Justiça Estadual (34,5%), a Justiça Federal (26,2%), cabendo à Justiça Militar a menor representação (16,2%).

A palestrante falou ainda das pesquisas dedicadas à análise do mercado de trabalho, que revelam um descompasso entre a maior formação formal e as diferenças salariais e de presença no mercado de trabalho. Da mesma forma, na Magistratura, que é predominantemente masculina. “Masculina não é apenas na presença majoritária, mas no modo como se organizam e se moldam as experiências do que é ser juiz”, disse. Além disso, segundo Noemia Porto, muitas juízas relatam dificuldades em seu ambiente de trabalho, a exemplo da recusa a promoções, da falta de estrutura física nos fóruns para atendimento a crianças que exigem um tratamento mais próximo, das práticas sexistas em razão de possível gravidez, da falta de representatividade nos cargos funções que atuem na definição dos rumos do Judiciário, entre outros.

Ao concluir sua intervenção, a juíza afirmou que o dilema da igualdade como primado da justiça dentro do próprio sistema de justiça precisa se tornar uma pauta a ser assumida por juízas e por juízes, em um contexto prático de efetividade. “O impacto das mudanças não diz respeito apenas à qualidade de vida e de trabalho das magistradas. A diversidade no Judiciário poderá ter claros impactos, que precisam ser analisados, na prestação jurisdicional”, concluiu.
Ao falar sobre a realidade colombiana, a magistrada do Consejo de Estado Sandra Lisset Vélez iniciou sua intervenção analisando o conceito de “violência de gênero” que, segundo ela, vem sendo reconhecido não apenas no aspecto sexual, mas também laboral. “Em uma entrevista, nós mesmos discriminamos a mulher. É uma questão cultural”, refletiu, ao citar perguntas que são feitas nessas ocasiões, por exemplo, sobre o estado civil e a maternidade.

Vélez falou da origem história da questão de gênero, desde a pré-história, onde sempre houve uma diferença marcante entre as funções do homem e da mulher, por exemplo, na caça, na pesca e nos cuidados com o lar, com as crianças e outros serviços domésticos. “Somente em 1908 essa realidade se alterou um pouco, com a primeira luta da mulheres por melhores condições de trabalho”, disse, ao citar desastre industrial ocorrido em 5 de Março de 1911, em uma fábrica, em Nova Iorque, que causou a morte de mais de uma centena de pessoas (129 mulheres e 23 homens). A tragédia contribuiria, mais tarde, para a especificação de critérios rigorosos sobre as condições de segurança no trabalho e para o crescimento dos sindicatos que despontavam como consequência da revolução industrial. . A palestrante também falou do papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e de suas convenções para promoção de mais igualdade entre homens e mulheres e da não discriminação.

Segundo a magistrada, a Colômbia está no topo da lista de países com mais desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Nesse ponto, citou estudo realizado pela Universidad del Rosario, que reconheceu cinco práticas de recursos humanos que segregam a mulher: recrutamento, promoção, treinamento e desenvolvimento, avaliação de desempenho e remuneração. Clique aqui e acesse a íntegra do estudo.

No Poder Judiciário colombiano, segundo Vélez, a questão de gênero também é um problema. Nos quatro tribunais superiores, por exemplo, são 86 homens e apenas 18 mulheres. Nesse ponto, falou da Comisssion Nacional de Genero de la rama Judicial, criada em 2008 por iniciativa de juízas colombianas, e de seu papel na promoção da igualdade no sistema de Justiça. “Nós, juízas, não temos a perspectiva de gênero em nossas decisões, então a primeira preocupação foi transformar o sistema pedagógico, para que tivesse o foco de gênero”, disse, ao explicar que o tema se encontra inserido no curso de formação dos magistrados.

Ao final de sua exposição a palestrante conclamou os magistrados e magistradas brasileiros e colombianos a se unirem em torno do tema. “Precisamos não apenas de políticas públicas, mas de boas práticas”, concluiu.

Clique aqui e confira o álbum de fotos do evento

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