Segundo Pierre VERKINDT, o conceito de condições de trabalho deve abranger a organização como um todo
O professor de Direito do Trabalho na Universidade de Sorbonne Pierre Ives VERKINDT inaugurou, na tarde dessa terça-feira (21/1), a programação do 9º Congresso Internacional da Anamatra na instituição. A intervenção do acadêmico foi feita com base na análise na centralidade do trabalho e da saúde no trabalho. Segundo ele, a atividade laboral deve ser um lugar de “qualidade de vida”.
No início de sua exposição, o palestrante trouxe exemplos de decisões da Justiça francesa, que têm alterado a jurisprudência com relação à saúde no trabalho, especialmente no sentido de que cabe ao empregador a “responsabilidade de resultado” com relação ao tema. Nesse ponto, de acordo com VERKINDT, o processo de transformação pelo qual passa o mundo econômico e o do trabalho, com novas formas de relações contratuais, a exemplo da terceirização, faz com que se percam as referências tradicionais do mundo do trabalho. “Surgem novos riscos. A fronteira entre o trabalho e a vida fora dele começa a desaparecer”.
Essa alteração jurisprudencial teve como principal efeito o de instaurar um princípio de prevenção integrada ao ambiente laboral, que deve ser pensado desde o início da concepção da atividade que vai ser desenvolvida. “A prevenção toma a primazia sobre a questão da reparação dos acidentes. Hoje não se tratar de curar, mas de prevenir”, disse. Nesse ponto, o palestrante explicou que a diretriz não faz parte apenas da Justiça francesa, mas de todo o mundo europeu. “Passamos da mera luta contra acidentes e indenizações à melhoria da condição de trabalho”.
Saúde da organização – De acordo com VERKINDT, nos últimos 30 anos, o conceito de condições de trabalho vem se transformando e se distanciando da definição relativa meramente ao tempo de trabalho e higiene. “Hoje, devemos levar em conta a saúde da organização”. O crescimento do setor de serviço e a terceirização, por exemplo, transformaram o trabalho em si e fizeram aparecer novos riscos psicossociais e a noção de tempo de trabalho abrange agora praticamente toda a relação de trabalho. “Surgiu a noção de qualidade de vida no trabalho”. Para o professor, essa qualidade de vida é sistêmica e deve abranger aspectos não apenas físicos, mas também relacionados por exemplo ao acesso à informação. “Não serve de nada só melhorar a luz da oficina”, exemplificou.
Também fizeram parte da evolução desse conceito a alteração dos parâmetros para as indenizações. Segundo ele, tramita no Parlamento francês um projeto de lei que prevê que a indenização por acidente de trabalho possa ser fixada também seguindo os parâmetros do Direito Civil. Na mesma seara, nos últimos 15 anos, já vem se estabelecendo uma “jurisprudência construtiva” na França, prevendo que juiz deve estabelecer a obrigação de segurança, permitindo o aumento da indenização para as vítimas em caso de descumprimento. “Tudo isso dá uma coerência jurídica para prevenção. Hoje, já não é mais uma obrigação moral, mas sim passível de sacão jurídica”.
Segundo VERKINDT, isso vem demandando um empenho de todas a instâncias da Justiça francesa na luta pela saúde e segurança no trabalho, mesmo aquelas que não têm competência específica para isso. A questão, segundo ele, tomou uma grande importância com a valorização, por exemplo, do papel dos comitês de saúde e segurança no trabalho das empresas, além do fato de, na França, os serviços de Medicina do Trabalho serem financiados pelas empresas.
“A questão da saúde e das condições de trabalho agora está presente em todos os debates do Direito do Trabalho contemporâneo. Ele se tornou o que é agora devido a uma dinâmica entre o juiz social e o penal, entre o legislador e os que participam da vida social. É um minilaboratório de direito social”, finalizou o professor.
* Texto produzido com a colaboração do juiz Leonardo Wandelli (Amatra 9/PR). Confira o comentário do magistrado sobre a palestra:
“A palestra nos mostra como a evolução do Direito francês e da jurisprudência sobre saúde no trabalho na França vem atentando para fato de que o trabalho não ser apenas um risco potencial para a saúde das pessoas, mas também um recurso indispensável à construção da saúde, da autonomia, do desenvolvimento da personalidade, da formação de vínculos de solidariedade, de aprendizado ético e político. Por isso, o Direito deve assegurar que o trabalho seja dotado das condições necessárias para que ele possa exercer essa sua função central: o trabalho não só pode gera o pior, ele pode gerar o melhor”.
Foto: Alexandre Alves