Magistrados brasileiros conhecem a forma de ingresso à carreira de juiz na França

Participantes do 9º Congresso Internacional da Anamatra conhecem a Escola Nacional da Magistratura (ENM)

A programação do 9º Congresso Internacional da Anamatra nesta terça-feira (21/2) na Escola Nacional da Magistratura (ENM) da francesa incluiu palestra do diretor do chefe do Departamento Internacional da instituição e magistrado Benoit CHAMOUARD, que falou da forma de recrutamento e formação dos magistrados franceses. 

A instituição é a responsável no país pela organização do curso anual de ingresso à escola para acesso às funções de juiz ou procurador, mas também pela sua formação continuada, atividades essas que se dividem em dois campus, localizados nas cidades de Paris e Bordeaux. Cabe ao Ministério da Justiça a abertura do concurso, bem como a definição do número de vagas disponíveis para provimento na Justiça francesa.

“A ideia é formar estudantes e transformá-los em magistrados”, explicou o palestrante. Segundo CHAMOUARD, cerca de 75% dos alunos da escola advém de concurso e os outros 25% ingressam mediante integração direta, percentual esse formado por profissionais com experiência profissional, em especial para suprir a falta de juízes no país: 10 para cada 100 mil habitantes. “A ideia é ter uma formação longa e rentabilizá-la. O importante que saiam daqui e tenham de 30 a 35 anos de carreira”, explicou o magistrado. 

O palestrante ressaltou que a escolha dos estudantes vai muito além da identificação do nível jurídico, sendo avaliada, por exemplo, a capacidade do futuro juiz de redação e de busca de acordos, etc. “Há provas psicológicas e testes para avaliar a personalidade dos magistrados e o raciocínio construtivo. A ideia é o júri avaliar como a pessoa age em simulações de situações reais”. 

Perfil dos alunos – A ENM em 2015 formou 263 juízes e procuradores, sendo 198 mulheres e 65 homens. Contudo, a maioria feminina não se aplica aos cargos mais altos da Justiça francesa. “Temos tentado evoluir nisso. Acredito que no futuro teremos mais mulheres”. 

Uma preocupação da França é o fato de, nos últimos anos, o perfil dos alunos estar se afastando do perfil sociológico da França. “Ao longo do tempo, os concursos não estavam retratando a realidade da população francesa, apenas as elites”, analisou. Para sanar esse problema, a ENM tomou a iniciativa de ajudar alguns candidatos mais carentes na preparação para ingresso à escola em parcerias com universidades. Cerca de 65 bolsistas em universidades públicas da França são beneficiados pelo programa anualmente. 

Formação plural – CHAMOUARD explicou que uma das características da ENM é oferecer uma formação não eminentemente jurídica, mais focada na prática. Desde 2009, tal pluralidade foi ainda mais impulsionada devido a um erro jurídico envolvendo um processo ligado a uma rede de pedofilia. “As pessoas questionaram a formação do juiz, muito técnica e sem afeto”, disse. Desde então, 25% do tempo na Escola é dedicado ao estudo do contexto da sociedade francesa e 10%, a um estágio. 

Fase da formação – A formação dos magistrados é constituída por duas fases, uma geral e outra de especialização. Na primeira, além das 30 semanas de estudos na sede da escola em Bordeaux, os alunos terão tempo dedicado a atividades em jurisdição, em escritórios de advocacia, em serviços de inquérito (patrulhamento com a polícia), no sistema penitenciário, em estágio nos tribunais em funções diversas, além de vivência fora do mundo da Justiça francesa, inclusive no exterior. “Nós damos todas as ferramentas para os nossos estudantes para que eles tenham a competência geral para se movimentar na carreira”, explicou. 

Ao final da primeira fase, os alunos passam por provas, sendo declarados aptos ou inaptos à função de juiz ou procurador. A partir daí, os alunos são nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura devendo, antes de assumir a função, passar por um novo período de preparação para a sua primeira função na Justiça. Mais de 90% dos alunos são nomeados. Entre os 10% restantes, 5% são reprovados e voltam a fazer o estágio com mais monitoramento e o restante é excluído por não ter conseguido avançar já em sua segunda chance. 

Durante todo o período de formação do juiz na escola, eles são considerados funcionários-estagiário do Estado, recebendo a remuneração de cerca de 1.500 euros e têm direito a um período de cinco semanas de férias por ano. “A dedicação é exclusiva, pois o curso é o dia todo”, disse. Caso o aluno desista do curso, deve reembolsar o Estado, cabendo um pedido de consideração disso ao Conselho de Administração da Escola. “Em regra, os juízes assumem que ficarão na função por pelo menos dez anos”, disse. 

Formação continuada – A sede parisiense da Escola Nacional da Magistratura tem entre suas funções a formação continuada dos juízes e procuradores, contanto com 250 seções dedicada a esse trabalho. Financiados pelo Ministério da Justiça, os cursos oferecem ao juiz uma atualização técnica em temas civis e penais, por exemplo. “A ideia é que o juiz continue a se atualizar, aprenda saberes jurídicos novos e a forma de sua aplicação”, explicou. Desde 2009, essa formação continuada se tornou obrigatória para juízes, não podendo o superior hierárquico se opor a essa formação. 

A ENM oferece ainda formações específicas para o magistrado que muda de função, com a duração de um mês. Na França, cerca de 500 dos 8 mil juízes e procuradores mudam de função por ano. A instituição também conta com cursos de gestão para os cargos de direção nos tribunais, oferecendo noções de orçamento a administração, por exemplo.  A participação da cúpula dos órgãos nesse caso é obrigatória por lei. 


* Texto produzido com a colaboração do juiz Fábio Rocha, presidente da Amatra 2 (SP). Confira abaixo comentário do magistrado sobre a palestra.

" A Escola da Magistratura Francesa é diferente das Escolas no Brasil. Existe apenas uma única Escola, para ingresso na carreira, para magistrados e procuradores, com duração de 33 meses. Na Escola, O estudante realiza estágio no Poder Judiciário, Delegacia de Polícia, Penitenciárias e até escritório de advocacia. Enfim, a estrutura complexa da Escola Nacional da Magistratura para atender as peculiaridades da complexa organização judiciária francesa”. 

Foto: Alexandre Alves
 

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