Palestra abriu a programação desta terça no 9º Congresso Internacional da Anamatra
Os juízes do Trabalho participantes do 9º Congresso Internacional da Anamatra estiveram, na manhã terça-feira (21/2), na sede parisiense da Escola Nacional da Magistratura (ENM) em Paris. A instituição, fundada em 1958, é a responsável no país pelo recrutamento dos magistrados da Justiça francesa, bem com a sua formação continuada, além de oferecer cursos a magistrados de outros países por meio de acordos de cooperação.
Os magistrados foram recebidos pelo ex-presidente da Câmara Social da Corte de Cassação Alain LACABARATS, que falou da disciplina e da independência dos juízes judiciários no país. A mesa foi presidida pelo juiz Vitor Yamada, do Conselho Fiscal da Anamatra, e também contou com a presença do professor Antoine Jeammaud, da Université Lumière Lyon 2.
Na França, segundo LACABARATS, a independência dos juízes é garantida pela Constituição, além de fazer parte do que é recomendado nos textos europeus. “Todos os textos que foram utilizados no Conselho da Europa consideram que umas regras fundamentais que garante o Estado de Direito nos países europeus é a independência do juiz. Nos países que não têm Constituição, a exemplo do Reino Unido, a independência deve fazer parte dos princípios fundamentais dessas nações”, explicou.
Em que pesem juízes e procuradores, ambos formados pela ENM, fazerem parte do mesmo “corpo”, a independência, de acordo com a explanação do magistrado, se aplica somente aos juízes que seguem a carreira judiciária, diferentemente dos que exercem as funções de procuradores. “O juiz não pode ser removido sem o seu consentimento, mesmo que seja uma promoção, e não pode receber instruções para emitir o seu julgamento. Ele é totalmente livre não pode estar submetido a nenhuma sanção por causa de sua decisão”, exemplificou. Segundo o magistrado, ainda que um juiz tenha cometido um erro do ponto de vista jurídico, ele não sofrerá penas disciplinares, cabendo apenas uma representação junto à Corte de Cassação.
Já os procuradores estão submetidos dentro da carreira a uma hierarquia, estando o Ministério da Justiça no topo dela. Cabe ao ministro dar instruções gerais da política penal a ser seguida. “Em cada Tribunal, os procuradores dependem de seu superior hierárquico, então eles não são livres, devendo seguir instruções do procurador-geral, por exemplo. As diferenças entre as duas carreiras, segundo o palestrante, já chegaram a ser questionadas no país, porém a Magistratura quer manter a unidade do corpo”.
Nomeação e promoção – O magistrado também falou da forma de nomeação dos juízes, o que só ocorre ao final do curso de formação da Escola Nacional da Magistratura, que tem duração de 31 meses. Na França, os juízes ingressam jovens na carreira, em média entre 25 a 30 anos.
No caso dos procuradores, a nomeação cabe ao Ministério da Justiça após um parecer consultivo (não vinculatório do Conselho Superior da Magistratura). Os membros da Corte de Cassação, em todos seus graus, são escolhidos pelo Conselho Superior da Magistratura. Tradicionalmente, o Presidente da República segue a escolha do Conselho. “Não há previsão legal no ordenamento jurídico francês que ampare os casos em que o Presidente não acate essa escolha”, disse.
Já a escolha dos membros da Corte de apelação e dos Tribunais, cabe ao Conselho Superior da Magistratura a escolha apenas dos cargos diretivos. Para os demais membros, a exemplo de presidentes de câmara, conselheiros, vice-presidentes e juízes, o Ministério da Justiça é quem propõe os nomes dos indicados. “Contrariamente aos membros do Ministério Público, aqui o Conselho deve dar um parecer de conformidade. Se for contra, não vão propor outra pessoa, e o Ministério da Justiça deve fazer uma nova indicação”, explicou.
O Conselho Superior da Magistratura na França tem composição mista, com juízes de Direito e do Ministério Público, além de oito pessoas de fora da Magistratura Judiciária.
Disciplina – O dever de disciplina tem uma definição vaga dentro da lei francesa, porém são poucos os casos em que são necessárias sanções disciplinares. Em 2015, de um total de 8 mil juízes e procuradores, houve apenas quatro sanções para magistrados e duas para membros do Ministério Público.
Segundo Alain LACABARATS, as sanções podem ser feitas de duas formas: o Ministério da Justiça inicia o processo após a instauração de inquérito pelo corpo de inspetores ou pode ser aberto pelo chefe do Tribunal de Apelação ou o procurador-geral do Tribunal no caso de procuradores, ou seja, os chefes das jurisdições. Desde 2007, a lei francesa também prevê que as pessoas possam apelar diretamente ao Conselho Superior da Magistratura quando está sendo julgada e sente que há algum problema com o procurador ou o juiz.
No caso dos juízes, ação disciplinar é feita pelo Conselho, seguindo um processo com direito ao contraditório e a presença de um advogado. “É um procedimento público. O Conselho é quem toma as decisões relativas à sanção ao não, cabendo recurso, por parte do juiz, apenas ao Conselho de Estado”, explicou. Já no caso dos procuradores, o Conselho dá apenas um parecer endereçado ao Ministério da Justiça, a quem cabe a decisão final. O recurso, nesse caso, é avaliado no próprio Conselho Superior da Magistratura.
Justiça do Trabalho – Alain LACABARATS explicou que na França não há uma jurisdição especializada na lide trabalhista, apenas na primeira instância (Conseils du Prud'Hommes), integrado por juízes não profissionais designados, de forma paritária, pelas associações de empregadores e trabalhadores, e que não passam pela Escola Nacional da Magistratura. Na Corte de Apelação, as causas trabalhistas são avaliadas pela Câmaras Sociais e, na Corte de Cassação, pela Câmara Especializada para os casos trabalhistas.
Segundo o palestrante, as previsões do Estatuto da Magistratura não se aplicam aos juízes do Conseils du Prud'Hommes. “No entanto, eles têm as mesmas obrigações deontológicas dos juízes judiciários: devem ser independentes e imparciais no exercício de suas funções e agir com dignidade e probidade”. Em 2015, a lei francesa passou a prever uma Comissão Nacional de Disciplina específica para esses juízes.
Outros aspectos – Ao responder algumas dúvidas dos conferencistas, Alain LACABARATS falou de algumas curiosidades da carreira, a exemplo da falta e juízes na França, o que tem levado à convocação de magistrados mais velhos para as jurisdições (reserva). Em média, os juízes se aposentam entre 67 e 66 anos, podendo chegar a 75, caso optem pela reserva.
Assim como no Brasil, os magistrados franceses não podem acumular outras atividades, a exemplo das comerciais, tampouco serem membros de tribunal de arbitragem privado (o que era possível até 1993). A única exceção se aplica à atividade acadêmica, podendo o juiz francês exercer cargo de professor associados (não efetivo) em universidades.
A avaliação do trabalho dos juízes também existe na França e é feita, a cada dois anos, pelos presidentes das Cortes e, no caso dos procuradores, pelos chefes do Ministério Público. Ela leva em consideração o número de processos julgados, mas também a relação com os colegas, por exemplo. “O número de processos é só um entre todos os outros critérios. Não se pode avaliar um magistrado apenas por esse parâmetro. Essa é a nossa visão aqui na França”, finalizou.
* Texto produzido com a colaboração do juiz Ricardo Lourenço Filho (Amatra 10 DF/TO). Confira abaixo comentário do magistrado sobre a palestra:
“A exposição sobre a independência e a disciplina da Magistratura francesa evidencia importantes pontos de contato com o regime adotado no Brasil. Fica clara a preocupação de que o (a) magistrado(a) deve saber separar suas convicções pessoais daquilo que, em determinados casos, é previsto pelo ordenamento jurídico. Importante também o saber se portar do juiz ou da juíza, sobretudo perante a imprensa, evitando comentar casos que possam vir a ser julgados por ele ou por ela."
Foto: Alexandre Alves