Thiago de Mello recorreu a poemas e histórias pessoais para tratar do tema Direitos Humanos e o Trabalho, nesta quinta-feira (1/5) no XIV Conamat. O poeta amazonense, de 82 anos, autor do célebre "Os Estatutos do Homem", começou apresentando um de seus poemas, "Chego Armado". Em seguida, advertiu que não faria uma palestra tradicional. "Não sou um conferencista, sou um conversador", disse. E foi no tom coloquial que falou durante uma hora à platéia do evento. "Somente sou quando em verso, e é falando que me sei e aprendo o que os outros são", declamou.
Para Thiago de Mello, "o trabalho de cada um deve ter uma finalidade artística, ter como fim a beleza; seja a decisão de um juiz, a obra de um carpinteiro ou de um poeta". Para ilustrar, lembrou a história de seu encontro com o advogado Sobral Pinto, que conheceu ao voltar do exílio e ser preso no aeroporto "porque resolvi voltar antes da hora". "Sobral Pinto foi me visitar e alguém perguntou: `Você é o advogado dos presos políticos`? Ele respondeu: `Não. Sou o advogado da dignidade humana, da ética".
Sobre a função do magistrado do trabalho, em particular, comentou: "O que importa nessa profissão tão importante para a vida de qualquer país é que cada um sirva à vida do homem, guiado pelas qualidades morais, como a honestidade, a solidariedade humana ameaçada de extinção, como o pássaro da floresta, e o respeito comovido à beleza da condição humana".
O poeta disse que tem consagrado sua vida às causas em que acredita e que, nessa luta, a cada dia perde um pouco mais. "Fiz uma opção pela utopia. E se insisto é porque creio, sim, na possibilidade de construirmos uma humanidade solidária", afirmou. As causas a que se refere são o trabalho a favor da dignidade humana, tema maior de seus versos, textos em prosa e palestras (ou conversas), e a preservação da floresta amazônica, onde nasceu.
Segundo ele, já não se pode falar em preservação e, sim, em salvação, porque "a floresta está sendo impiedosamente destruída pelo descaso, pela indiferença e pelas posições equivocadas de nossos governantes. Faço uma ressalva à Marina", disse, referindo-se à ministra Marina Silva, do Meio Ambiente. Ele finalizou a apresentação com um segundo poema, "É uma Questão de Amor".
Nascido na cidade de Barreirinha (AM), Thiago de Mello é um dos intelectuais mais influentes e respeitados da Amazônia. Preso durante a ditadura, exilou-se no Chile, onde fez amizade com Pablo Neruda. Nesse período, morou também na Argentina, Portugal, França e Alemanha. Com o fim do regime militar, voltou a sua pequena cidade natal, Barreirinha, onde vive até hoje.
OS ESTATUTOS DO HOMEM
Thiago de Mello
Art. 1: Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida e que de mãos dadas trabalharemos todos pela vida verdadeira.
Art. 2: Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Art. 3: Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.
Art. 4: Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único: o homem confiar no homem como um menino confia em outro menino.
Art. 5: Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silencio nem a armadura das palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.
Art. 6: Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Art. 7: Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.
Art. 8: Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar amor a quem se ama sabendo que é a água que dá a planta o milagre da flor.
Art. 9: Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal do seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o que da a planta o milagre da flor.
Art. 10: Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida, o uso do traje branco.
Art. 11: Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama o belo e por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.
Art. 12: Decreta-se que nada será obrigado nem permitido. Tudo será permitido, sobretudo brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.
Art. 13: Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.
Art. 14: Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio e sua morada será sempre o coração do homem.