Meio ambiente e o trabalho em pauta no terceiro dia do XIV Conamat

Painelistas discutem realidade brasileira e sugerem alternativas para a melhoria das medidas protetivas à saúde e segurança do trabalhador

No 1º de maio, em que se comemora o Dia do Trabalho, o primeiro painel do XIV Conamat trouxe a discussão sobre o "Meio Ambiente e o Trabalho". Coordenado pelo diretor administrativo da Anamatra, João Bosco de Barcelos Coura, a discussão contou com a participação do doutor em saúde e médico pneumologista, Hermano Albuquerque de Castro; do procurador do trabalho Raimundo Simão de Melo; e do desembargador do TRT da 3ª região, Sebastião Geraldo de Oliveira.

 

"Quando o Executivo e o Legislativo não conseguem deferir um modelo saudável para a sociedade, a Justiça precisa vir à frente e assumir para si a responsabilidade"

 

 

Primeiro painelista, Hermano Albuquerque reconheceu que a Constituição de 1988 representou um avanço para os trabalhadores no que tange a proteção à saúde. Mas, segundo ele, o país ainda convive com problemas antigos, a exemplo do trabalho escravo e degradante. "Ao mesmo tempo, estamos vivendo o processo do trabalho altamente tecnológico", comparou.

 

Segundo Hermano Albuquerque, o processo do trabalho deve ser visto com uma cadeia produtiva, que pode gerar doença em cada fase dele. "O ambiente de trabalho pode gerar um risco que pode atingir não só o empregado, mas a circunvizinhança, a comunidade, e até mesmo o ambiente ampliado", explicou, exemplificando o caso de Chernobyl, que acarretou problemas durante vários anos para a população da região. "Há uma passagem difusa do risco pela sociedade e, de um modo geral, as comunidades mais frágeis acabam recebendo esse impacto", alertou.

 

Albuquerque também mencionou a existência de um modelo difuso do risco que é gerado no processo do trabalho, desde a matéria-prima até o consumo; a exemplo das hidrelétricas e dos grandes investimentos tecnológicos, que afetam diretamente por exemplo o meio ambiente. "O Brasil tem mesmo, como mencionou o presidente Lula, se tornado um grande canteiro de obras. Isso é importante para o desenvolvimento, mas precisamos pensar nas conseqüências que isso vai trazer para o futuro", alertou. Segundo o médico, as regiões brasileiras não estão preparadas para receber as populações geradas pela industrialização. "O empreendedor também tem de arcar com as conseqüências", determinou.

 

"Quando uma atividade representa uma ameaça de dano ao ser humano e ao meio ambiente, algumas medidas devem ser tomadas", afirmou, exemplificando o "princípio da precaução", teoria formulada em 1988 nos EUA. Segundo Albuquerque, o princípio pressupõe a precaução diante da incerteza, a exploração das alternativas às ações potencialmente prejudiciais e a transferência do ônus da prova para a empresa. "As novas tecnologias poderão causar efeitos nocivos à raça humana e não teremos como dimensionar o futuro", alertou. Hermano Albuquerque exemplificou o princípio com o fato de os telefones celulares serem proibidos durante vôos. "Os usuários atendem ao inconveniente de não poder usar o telefone, frente ao mínimo risco de um acidente aéreo. Este é o primeiro componente do princípio da precaução ? atuar diante da incerteza", exemplificou.  

 

Na sua intervenção, Hermano Albuquerque elogiou a posição da Anamatra, que juntamente com a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), ingressou no Supremo Tribunal Federal com ADI contra o uso do amianto no Brasil. "Quando o Executivo e o Legislativo não conseguem deferir um modelo saudável para a sociedade, a Justiça precisa vir à frente e assumir para si a responsabilidade", afirmou, lembrando que o amianto tem substituto em qualquer um dos processos onde é utilizado. Segundo Albuquerque, a exposição não é preocupante apenas para os trabalhadores expostos ao amianto. "Pesquisa do CNPQ mostra o crescimento da mortalidade no Brasil pelo amianto, e metade dos doentes vem da exposição difusa", alertou.

 

Albuquerque afirmou que os fatores de risco - químico, biológico, físico, ergonômico e psicosocial -  são agravados pelo fato de apenas 10% dos produtos que entram no mercado terem avaliação completa quanto aos riscos ambientais e ocupacionais. Estima-se por exemplo que 80.000 substâncias são utilizadas no mercado de trabalho, mas apenas 3.000 delas são estudadas.

 

O painelista finalizou sua intervenção reconhecendo que o ser humano é o grande causador dos problemas relacionados à saúde dos trabalhadores. Um exemplo apresentado por Albuquerque foi o fato de 70% das emissões de carbono serem advindas da queimada, enquanto apenas 30%, da queima de combustível. "Temos projeções pessimistas para o Brasil até o final do XXI, que poderão agravar doenças como malária, dengue, febre amarela, e esquitossomose; que possuem uma relação direta com o nosso processo antrópico", afirmou, finalizando:  "Precisamos de ações ambientais que reduzam e a poluição nas grandes cidades", afirmou.

 

"Não podemos comparar o ser humano com objeto" 

O procurador do trabalho, Raimundo Simão de Melo, fez um apanhado da Constituição de 88 sobre a evolução do tema da proteção à saúde do trabalhador e destacou a Emenda nª 45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações provenientes das doenças ocupacionais. "Tinha de ser mesmo com o juiz do trabalho, que é vocacionado para isso, vive o dia-a-dia do trabalhador, e conhece o local do trabalho", afirmou.

 

Ainda sobre o texto constitucional, Simão de Melo acredita que a obrigação das empresas quanto às reparações dos danos não é suficiente. "Não há reparação, o que há é uma mera compensação a problemas que não têm retorno", alertou. Para o procurador, o problema da saúde do trabalhador transcende a discussão sobre a natureza das normas - se trata de Direito do Trabalho ou Direito Civil. "Quando há um dano, ele não é trabalhista ou civil; mas sim um dano à pessoa do homem, ao ser humano. Nós não podemos comparar o ser humano com objeto", afirmou, lembrando que o fundamento constitucional da dignidade humana é um valor supremo, e vem anterior àquele da ordem econômica. "Dignidade humana não é apenas tratar igualmente o nosso semelhante, é não fazer com ele o que não queremos que faça conosco. O homem não é a mercadoria, tampouco o trabalho é mercadoria", afirmou.

 

O procurador finalizou sua exposição falando da importância da atuação conjunta dos sindicatos, Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho. Aqui, mostrou exemplos de casos concretos da atuação preventiva desses órgãos. "O que fazemos ainda é pouco, mas é muito em razão do que não existia", afirmou. "Precisamos avançar. Afinal, qual é o preço de uma vida", finalizou, deixando um alerta e pedindo uma reflexão sobre as conseqüências humanas, econômicas e sociais dos ambientes inadequados e insalubres de trabalho.

 

"Preocupa-se com a fauna e a flora e esquece-se do bicho homem"

 

Na última intervenção do painel, o desembargador do TRT da 3ª região, Sebastião Geraldo de Oliveira, afirmou que a nova realidade, onde 50 trabalhadores por dia dão adeus ao trabalho, tem inquietado o juiz do trabalho. "Uma reflexão importante é que o direito à saúde e à segurança do trabalhador não acompanhou o direito ambiental. Se todos os tratados internacionais declaram o direito à vida, parece que esqueceram o direito de viver. No trabalho é que o trabalhador tem comprometido seu direito de viver", afirmou.

 

O desembargador criticou o movimento ecológico que para ele parou nos portões da fábrica. "Preocupa-se com a fauna e a flora e esquece-se do bicho homem", afirmou. Para o painelista, a sociedade de consumo aprecia o produto acabado, mas não se dá conta dos trabalhadores envolvidos naquela produção. "Há certa preocupação com o direito do ambiente e não com o direito ao ambiente", afirmou, alertando que a saúde e segurança do trabalhador são uma preocupação tardia do direito ambiental.

 

Sebastião Geraldo afirmou também que o direito ambiental avançou muito nos últimos 20 anos, mas não se volta para as questões relacionadas ao trabalho. "A Eco 92 na Agenda 21 inclui sanções para condutas lesivas ao meio ambiente, já no direito do trabalho nada aconteceu", criticou o painelista.

 

Para o desembargador, essa realidade apresenta ao mundo do trabalho diversos problemas jurídicos: conjunto normativo de segurança ao trabalho ultrapassado, deficiente e desordenado; o assunto é responsabilidade de muitos, mas atenção de poucos; princípios avançados, mas carentes de atenção; o risco é monetizado, o dano reparável, mas o direito à saúde do trabalhador praticamente ignorado; e o fato de nas empresas a qualidade total ter sido voltada para os clientes, depois às políticas ambientais, sem ter chegado ao direito do trabalhador.

 

Sebastião Geraldo finalizou o painel fazendo propostas para mudar essa realidade, que deve passar primeiramente pelo Código Brasileiro de Segurança e Saúde do Trabalhador, com uma melhor atribuição de responsabilidades (Estado, trabalhador e empresário), a definição do ônus da prova, tutelas preventivas, sanções penais, entre outros.

 

Outra sugestão do painelista foi a criação de um código para a saúde do trabalhador, a exemplo do que já existe com o consumidor, a criança e o adolescente, e o idoso. "Isso daria um status legal diferenciado, unificaria normas dispersas, sistematizaria, criando densidade doutrinária", afirmou. Ele acredita que, com um esforço de todos, o código não teria a mesma resistência do Código do Trabalho e avançaria em relação ao tema.

 

"Precisamos trabalhar mais para dar visibilidade ao direito ao meio ambiente de trabalho saudável. O trabalho é para ganhar a vida e não a morte ou adoecimentos", afirmou, criticando o fato de serem muito usuais os pedidos de indenizações, mas pouco vigiado o meio ambiente de trabalho saudável. "Focalizamos demais sanção, mas ignoramos o preceito", afirmou.  "Precisamos superar a cultura da indenização e partir para a prevenção".

 

A maior efetividade dos princípios constitucionais como regra à releitura dos princípios trabalhistas também está entre as propostas sugeridas por Sebastião Geraldo, assim como uma educação ocupacional, onde se atue pedagogicamente na conscientização quanto às normas de segurança e saúde do trabalho. O painelista também sugeriu a implementação da exigência do artigo 14 da Convenção 155 da OIT. "Precisamos incluir essas questões em todos os níveis de ensino e de treinamento", afirmou.

 

Por último, Sebastião Geraldo sugere uma tramitação processual mais célere nos casos de morte. "Além de amparar com rapidez os dependentes da vítima, a conduta demonstra para a sociedade os efeitos da negligência patronal e a efetividade das normas de proteção". Outra sugestão é a realização de uma campanha para ratificar a Convenção 187 da OIT, aprovada em 2006, que propõe uma política nacional, e um sistema e programa para saúde e segurança do trabalho com uma série de preceitos.

 

"Hoje o juiz é muito mais humano, tem uma seqüência mais ordenada. Conhece o trabalho que glorifica, mas também o que causa dano, acidente e morte. Esse novo juiz assumiu a nova competência e tenho notado por meio e teses e livros, como o assunto densificou. Já temos volume importante de informações a respeito do tema; temos que seguir adiante, discutir e apresentar propostas", finalizou, mencionando a frase de Enrique Marin Quijada: "A força do direito está na convicção que os cidadões têm de sua necessidade".


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Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra