Por Carlos Alberto Pereira de Castro*
PARTE II
INFORMALIDADE, CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL E A SONEGAÇÃO FISCAL PRATICADA PELO “EMPREGADOR INFORMAL”
Dando seqüência à análise do PL 3451/2008, que se encontra na Câmara dos Deputados e pretende regular o reconhecimento, pela Previdência Social, das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, quando declarem a existência de vínculo de emprego, convém adentrar em aspectos relacionados ao custeio do sistema de seguridade social, sequer mencionados no referido projeto e sua Exposição de Motivos, ambas disponíveis no site www.camara.gov.br, bastando digitar o número do projeto (3451) e o ano (2008).
Pois bem, como já anotado ontem, na Parte I deste trabalho, o projeto pretende vincular a possibilidade de reconhecimento pelo INSS de decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, quando não baseadas em prova documental contemporânea aos fatos alegados, ao recolhimento das contribuições “no curso da relação de emprego”.
À primeira vista, parece ter-se olvidado o mentor do projeto que a responsabilidade pelos recolhimentos de contribuições, em se tratando de relação de emprego (urbana, rural ou doméstica) é sempre do empregador, por força dos artigos 30 e 33, `PAR` 5º, da Lei 8.212/91 – a Lei de Custeio da Seguridade Social, não podendo ser imputada ao trabalhador.
Em síntese, pretender atrelar a contagem do tempo de atividade prestada pelo empregado na informalidade a tais recolhimentos é fazer recair a responsabilidade sobre o lesado – o trabalhador – e não sobre o infrator – seu empregador, que o manteve na informalidade.
Nunca é demais lembrar que todo e qualquer empregador que mantém pessoa trabalhando em condições típicas de empregado, além de cometer ilícito trabalhista (violação à legislação do trabalho), comete o delito de sonegação de contribuições previdenciárias, previsto no art. 337-A do Código Penal – fato que deve ser comunicado, pelo Juiz prolator da decisão, ao Ministério Público Federal, na forma do art. 40 do Cód. de Proc. Penal.
Soa de forma estranha a redação do projeto, porque colide frontalmente com outro dispositivo da mesma Lei 8.213/91, o art. 34 e seu inciso I, o qual determina que no cálculo dos benefícios dos segurados empregados sejam considerados os salários de contribuição devidos no curso do contrato de trabalho, independentemente do recolhimento das contribuições terem sido feitas ou não, “sem prejuízo da respectiva cobrança e da aplicação das penalidades cabíveis” – evidentemente, aplicável esta última parte ao empregador.
Perde o Poder Executivo, por ora, a ímpar oportunidade de dar tratamento adequado e definitivo ao problema da decadência do direito de exigir contribuições em atraso em prazo mais elástico que os cinco anos previstos no Código Tributário Nacional, já que a jurisprudência do STJ e dos TRFs tem reconhecido como inconstitucional a instituição do prazo decenal por lei ordinária. Bastaria a inclusão de tal prazo por lei complementar.
Além disso, seria de todo conveniente acabar com a grave contradição existente na Lei de Custeio, a qual exige do contribuinte individual (que deseje computar o tempo de atividade) todo o período contributivo, sem que ocorra decadência (ainda que seja questionável tal regra), enquanto libera o sonegador fiscal da cobrança uma vez ultrapassado o prazo de 10 anos (se admitida a validade da fixação do prazo por lei ordinária) ou pior, 5 anos (na forma do CTN).
Mas, infelizmente, o Poder Executivo, ao elaborar a proposta, em nada se preocupou em atacar o problema de frente, combatendo a informalidade e a sonegação fiscal, como foi decidido como diretriz mestra nas conclusões do Fórum Nacional da Previdência Social; prefere, no texto do projeto, limitar o alcance da proteção social, impedindo um maciço segmento de trabalhadores de ver reconhecido seu direito fundamental à proteção previdenciária, sob o incrível argumento do risco de fraude aos cofres previdenciários.
Não se precisa conhecer muito sobre a realidade brasileira para se chegar à conclusão de que, quando alguém visa fraudar os cofres públicos, “vai direto ao assunto”: em vez de simular uma ação trabalhista, forja documentos, como por exemplo, registrando contratos falsos na Carteira de Trabalho - documentos estes que, por si, valeriam como prova da relação de trabalho, sem qualquer questionamento em Juízo.
Dizer, por sua vez, que a permissão legal de que qualquer decisão da Justiça do Trabalho seja reconhecida para fins de cômputo de tempo junto à Previdência é abrir margem à fraude, significa atribuir a este ramo do Judiciário uma pecha de conivência com situações simuladas, ou pior, de conluio. Evidentemente, há lides simuladas; mas os Juízes do Trabalho, tanto quanto os demais Magistrados que atuam em outros ramos do Judiciário, são ciosos de suas responsabilidades para com a sociedade, e estão atentos às fraudes tanto ou mais que os servidores do INSS – e bem menos sujeitos à corrupção, ao menos pelo que se nota das notícias veiculadas pela mídia.
Por fim, cumpre comentar a restrição imposta pelo projeto, a se computar somente o período de trabalho “não abrangido pela prescrição trabalhista”. Outro grave equívoco: a declaração de existência de relação de emprego não está sujeita a prazo prescricional algum, como dispõe a CLT em seu art. 11. E, ainda que fosse sujeita a algum lapso temporal, o prazo de prescrição trabalhista não se confunde com o prazo de decadência do direito para que o Fisco possa exigir as contribuições previdenciárias correspondentes aos fatos geradores ocorridos durante a relação de emprego. Ademais, como já frisado, não sendo o trabalhador responsável tributário, não há que se penalizar a este pelo inadimplemento de contribuições – o que o projeto, nas entrelinhas, está sugerindo.
Amanhã, na terceira parte deste estudo, passa-se a outro questionamento: a exigência de prova documental pela Previdência Social é razoável? Estaria a Justiça do Trabalho, desde seus primórdios, agindo de forma incorreta ao reconhecer relações de emprego sem a produção de tais provas “materiais”? Talvez a jurisprudência da Justiça Federal – desde o STJ até os Juizados Especiais Federais – tenham a resposta.
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*Carlos Alberto Pereira de Castro é Juiz do Trabalho titular da 4ª Vara de Blumenau (SC), Mestre