Por Carlos Alberto Pereira de Castro (*)
A edição, pelo Supremo Tribunal Federal, da súmula vinculante nº 4, buscou solucionar as controvérsias existentes sobre a matéria “salário mínimo” e sua utilização como indexador de outros direitos.
O texto da súmula foi publicado com o seguinte teor:
“Salvo os casos previstos na Constituição Federal, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.”
A matéria foi sumulada após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 565.714-SP, no qual policiais militares paulistas pretendiam que o Estado de São Paulo passasse a aplicar, como base de cálculo do adicional de insalubridade, o total dos vencimentos recebido por eles, e não o salário mínimo, como determina a Lei Complementar 432/85, de São Paulo, até hoje não revogada.
Naquele julgamento, seguindo o voto da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, a Corte concluiu que a referida lei, anterior à Constituição de 1988, não teria sido recepcionada pela nova ordem jurídica inaugurada por esta Carta Magna. Todavia, também concluíram os Ministros pela impossibilidade de, por decisão judicial, se alterar a base de cálculo de vantagem pecuniária auferida por servidor público.
A solução para o caso, sem causar prejuízo aos autores, que poderiam deixar de receber o benefício por falta de uma base de cálculo, argumentou a relatora, seria calcular o valor do salário mínimo na data do trânsito em julgado do recurso. A partir daí, esse valor ficaria desindexado do salário mínimo e passaria a ser atualizado de acordo com lei que venha a regular o tema, o que foi acolhido pelos demais Ministros.
A decisão foi considerada como sendo de “repercussão geral”, na forma da Lei 11.418/2006, constituindo precedente vinculativo para a rejeição de recursos sobre a mesma matéria, contrários ao entendimento fixado pelo STF.
No acórdão em questão, fica claro que a intenção do Pretório é gerar repercussão também no regime de pagamento do adicional de insalubridade previsto na Consolidação das Leis do Trabalho – ou seja, a repercussão geral também atinge processos em curso na Justiça do Trabalho sobre a matéria “base de cálculo do adicional de insalubridade devido a empregados regidos pela CLT”.
A decisão termina com uma controvérsia interna na Corte Suprema, pois, como salientado no acórdão do leading case, havia dois entendimentos opostos entre as 1ª e 2ª Turmas do STF, uma acolhendo a possibilidade de indexação do adicional de insalubridade ao salário mínimo e outra pela impossibilidade de se manter tal base de cálculo após a Constituição de 1988.
A certidão de julgamento do RE 565.714 registra o entendimento vencedor:
“O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da relatora, negou provimento ao recurso extraordinário, declarando a não-recepção, pela Constituição Federal, do `PAR` 1º e da expressão “salário mínimo”, contida no caput do artigo 3º da Lei Complementar nº 432/1985, do Estado de São Paulo, fixando a impossibilidade de que haja alteração da base de cálculo em razão dessa inconstitucionalidade.”
Nota-se, portanto, que o STF se posicionou no sentido de que nenhuma lei – anterior ou posterior à promulgação da Constituição de 1988 – pode ser considerada “conforme a Constituição” ao estabelecer o salário mínimo como base de cálculo de vantagens pecuniárias, seja a servidores públicos, seja a empregados. Entretanto, também deixou claro que não seria função do Poder Judiciário, mediante sentença, alterar a base de cálculo prevista legalmente.
Este entendimento, portanto, se diferencia daquele esposado em alguns acórdãos anteriores, como o RE 439.035-ES, que ordenava, em julgado de dezembro de 2007:
“Recurso extraordinário. 2. Adicional de insalubridade. Base de cálculo. 3. Vedação de vinculação ao salário mínimo. Posicionamento da 1a Turma. Adesão. 4. Restabelecimento do critério estabelecido pelo Tribunal de origem para fixação da base de cálculo. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido”.
O Tribunal Superior do Trabalho, atento ao posicionamento externado pelo STF, em decisão proferida por sua 7ª Turma em 27.05.2008, manteve a aplicação do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, salvo quando a hipótese dê ensejo à aplicação da súmula 17 daquele Tribunal Superior; ou seja, quando o trabalhador tenha piso profissional, convencional ou normativo, hipóteses em que a base de cálculo é substituída por algum destes.
Como bem explica o Ministro Ives Gandra Filho, “o STF, ao analisar a questão constitucional sobre a base de cálculo do adicional de insalubridade e editar a Súmula Vinculante nº 4, adotou técnica decisória conhecida no direito constitucional alemão como “declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade“: a norma, embora declarada inconstitucional, continua a reger as relações obrigacionais, em face da impossibilidade de o Poder Judiciário se sobrepor ao Legislativo para definir critério diverso para a regulação da matéria” (informativo do TST do dia 27.5.2008).
Assim, prevalece a regra da CLT até que outra venha a substitui-la, mantendo-se, até lá, o salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade para aqueles empregados que não tenham piso profissional, convencional ou normativo estabelecidos.
Um último aspecto a ser lembrado é que a súmula vinculante nº 4 não veda que se estabeleçam condenações (por exemplo, indenizações por danos ou fixação de valores de pensão alimentícia) em número de salários mínimos. O entendimento do STF sobre este tema, desde antes da edição da súmula, já era pacífico:
“A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de condenação em salários-mínimos, desde que a atualização seja feita de acordo com índices oficiais de correção monetária” (AI-AgR 603843-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Levandowski, 29.4.2008).
Aguarda-se, portanto, que o legislador ordinário providencie a alteração necessária no texto da CLT, para que esta seja finalmente adequada ao texto constitucional vigente, estabelecendo-se como base de cálculo do adicional de insalubridade o salário contratual do empregado, por questão de tratamento isonômico, pois a súmula nº 17 do TST acaba por diferenciar empregados que tenham piso salarial daqueles que não o possuem.
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*Carlos Alberto Pereira de Castro é Juiz do Trabalho titular da 4ª Vara de Blumenau (SC), Mestre