A indignidade do trabalho escravo no Brasil deixa perplexo qualquer ser humano imbuído do mínimo de espírito humanitário, forma de exploração da mão-de-obra presente na dita sociedade capitalista moderna. Somente a ganância insaciável de velhos coronéis rurais e urbanos, muitos desenvolvendo outras atividades de visibilidade atraente perante o grande público, pode explicar a situação paradoxal da revolução tecnológica e da alteração dos modos de produção, onde a força-de-trabalho perde cada vez mais espaço para os incrementos da microeletrônica, com a utilização de trabalhos forçados e sem remuneração. Devemos questionar que civilização é essa, para não dizer que o estado de barbárie.
Além de uma cultura aristocrática que ainda guarda fortes traços escravocratas, bem presente na relação entre empregadores e empregados domésticos, cujo disciplinamento constitucional discriminatório dado pela Carta Política em vigor reforça tal tese, o fato é que se intensificaram nos últimos anos denúncias sobre a existência de trabalho prestado em condições análogas à de escravo. O trabalhador escravizado atual não é chicoteado fisicamente, mas às vezes apanha, morre e a família sequer tem o direito de sepultá-lo. Ele é aliciado para trabalhar em localidade diferente da propriedade que faz uso dos serviços forçados, sem carteira assinada, residindo em alojamentos cujas condições são extremamente precárias, inexistindo instalações sanitárias adequadas, sem água potável e sem nenhum equipamento de proteção para desempenhar as suas funções. Não há qualquer direito trabalhista, nem mesmo salário, pois quando chega à fazenda já esta devendo pelo deslocamento de sua residência à "senzala moderna" e não pode deixá-la por vontade própria.
Não obstante tudo isso, setores da sociedade civil e do governo procuram adotar medidas capazes de alterar o dramático quadro enfrentado por vários trabalhadores. É digna de registro a persistência da Comissão Pastoral da Terra através de frei Henri, de frei Xavier e do padre Ricardo Rezende. A Secretaria Nacional de Direitos Humanos, na pessoa do ministro Nilmário Miranda, com a criação do Conatrae (Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), tem desenvolvido várias atividades voltadas para o combate ao trabalho escravo.Na mesma toada encontra-se a OIT, representada pela dedicada Patrícia Audi. A Anamatra procura dar a sua colaboração participando de todos os fóruns e frentes de luta criados nos últimos anos.
Além da fiscalização constante por parte do Estado, é preciso expropriar a terra que utiliza trabalho forçado em favor dos escravizados, sem qualquer tipo de indenização, aprovando-se a PEC 438/2001, de autoria do então senador Ademir Andrade, ora em trâmite na Câmara dos Deputados. Não basta apertar os escravocratas pela perda da propriedade, mas é necessário puni-los, assim como os intermediários ("gatos"), de maneira mais dura, elevando as penas do crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo, bem com a caracterização da prática como hedionda.
Nada, porém, será suficiente para eliminar o vexatório trabalho escravo se não tivermos a capacidade de romper com a ideologia neoliberal "de que qualquer trabalho é melhor do que nada", pois seguindo a nefasta lógica até mesmo a referida exploração do ser humano estaria justificada em nome de um bem que é considerado maior pelos que só conseguem enxergar o lucro fácil . O trabalho não pode ser visto como insumo banal da produção. Ele tem função social que transcende aos interesses do jogo do insano mercado capitalista. Dá um péssimo exemplo Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, ao declarar que tudo pode ser negociado ou reduzido na futura reforma trabalhista. Incentiva a precarização das relações trabalhistas e fragiliza a luta empreendida pelo seu combatente Ministro Nilmário Miranda. Gol contra difícil de ser revertido no placar da batalha pelo trabalho digno, pelo respeito aos direitos humanos e pela sua função social.