A crise aberta com o processo de quebra da multinacional italiana Parmalat provocou, numa espécie de efeito dominó, enorme repercussão sobre as suas atividades desenvolvidas no Brasil, colocando em xeque o emprego direto de 6 mil trabalhadores o país e tantos outros de forma indireta, bem maior a ser preservado nesse momento, diante dos números alarmantes de desemprego e da exclusão social daí decorrente.
Ademais, o quadro nebuloso, ainda não suficientemente esclarecido, que permitiu a insuficiência de lastro econômico para o cumprimento das obrigações comerciais e trabalhistas, gerenciado exclusivamente pelos donos e controladores da então poderosa Parmalat, justifica a especial atenção de todos os setores na recuperação da empresa para quem merece administrá-la: os seus empregados.
E não é com a utilização de recursos púbicos ou de qualquer outra iniciativa que deixe de observar o potencial da mão-de-obra dos empregados da Parmalat em reerguê-la para que não cessem as atividades produtiva e comercial, mas voltadas para uma economia solidária e social. As alternativas oferecidas pelo interventor da Parmalat Brasil ao juiz da 42ª Vara Cível de São Paulo, responsável pela condução do processo de falência ou de reestruturação,passam pela terceirização da prestação de serviços, pela criação de uma nova companhia e pela otimização dos setores produtivos. Em todas elas, inegavelmente, haverá fechamento de postos de emprego, com a punição da força-de-trabalho, apesar de não ter contribuído para a insolvência empresarial. Os ativos não são suficientes para cobrir os débitos contraídos, segundo dados contábeis até agora exibidos.
Devo dar razão, ainda que por fundamentos diversos, aos defensores da tese de que a atual lei de falências não apresenta solução adequada para casos como o da Parmalat, estando visivelmente ultrapassada.
O paradoxo verificado na legislação vigente encontra-se no fato de que, ao mesmo tempo em que lança ao crédito trabalhista o título de privilegiado, portanto, no ápice da pirâmide do concurso de credores, não consegue materializar essa intenção na prática. São muitos os trabalhadores que não conseguem receber os seus haveres no processo de falência. Ademais, a norma legal precisa acompanhar a evolução dos fatos para tomar conhecimento do maior problema da economia globalizada neoliberalizante: o desemprego e as suas conseqüências catastróficas para boa parte da população do mundo.
O projeto da nova lei de falências, da recuperação judicial e extrajudicial, aprovado na Câmara, ora tramitando no Senado Federal, também não resolve a questão crucial em debate. Ao contrário, chancela jurisprudência oscilante que hoje reconhece preferência do crédito bancário com garantia real em detrimento do trabalhista.
A solução urgente que se requer para o caso Parmalat depende do Congresso Nacional, devendo ser aproveitado o momento de tramitação do projeto da nova lei de falências para incluir emenda aditiva sugerida pela Anamatra, de instituição do regime de autogestão judicial ou extrajudicial, seja na falência, seja na recuperação,através da qual os próprios empregados estariam aptos a administrar a empresa, cumprindo as demais obrigações nos exatos limites das possibilidades encontradas. É importante assinalar que o instituto da autogestão se insere na esfera da chamada economia solidária, também denominada "economia do trabalho", como contraponto à "economia do capital". Esse paradigma visa ao resgate da centralidade do trabalho humano, submetido que se encontra, a partir da lógica do capitalismo pós-industrial, a uma espiral acelerada de alienação e desvalorização. Essa "outra Economia" se apresenta, segundo Paul Singer, como uma das formas mais eficazes de inserção social e combate ao desemprego estrutural.
A par disso, o regime de autogestão compatibiliza-se perfeitamente com o espírito que norteia a reforma da lei de falências, que é tornar mais flexíveis as formas de recuperação da empresa, a fim de estimular o investimento. Não é por outra razão que o atual projeto já consagra, ainda que de maneira tímida, e apenas como meio de recuperação judicial, ou forma de realização do ativo, a transferência ou arrendamento a sociedades formadas pelos empregados da empresa.
Não só os empregados da Parmalat do Brasil estarão melhor protegidos, como também o próprio empreendimento, e até mesmo os credores comuns, se puderem os próprios trabalhadores controlar todos os negócios e ações da empresa, combinando força-de-trabalho com capacidade gerencial, mediante acompanhamento rigoroso do processo pelos demais credores e pelo Poder Judiciário. A sorte deles está nas mãos do nosso Parlamento, que pode, pela primeira vez, inverter o destino do processo falimentar, aprovando o instituto da autogestão, mediante regime de urgência regimental, fazendo justiça aos que sempre perdem nos embates duros pela dignidade social.