O Poder Judiciário tem uma configuração bastante arcaica e com pouca permeabilidade com a sociedade civil. Seu perfil é muito pouco democrático, tanto da perspectiva interna, como do ponto de vista social. A sua gestão se ressente de uma política estratégica e mais moderna. Essa estrutura, numa sociedade abrangente e complexa, implica uma série de problemas. Excessivamente hierarquizado, o sistema atual concentra o aparelhamento dos serviços judiciários nas cúpulas, cujo acesso, na prática, se dá apenas pelas elites hegemônicas. O modelo vigente, além disso, torna opaca a gestão dos recursos públicos postos à disposição da administração dos Tribunais.
Diante desse quadro, urge a criação de um mecanismo constitucional de interação social e estabelecimento de políticas públicas harmônicas e transparentes, enfim de um verdadeiro órgão de governo, mais racional, contemporâneo e democrático, do Poder Judiciário.
Nesse passo, projeta-se a criação do Conselho Nacional do Poder Judiciário, cujo primado é a independência do exercício da função jurisdicional. Sua função precípua é estabelecer as políticas gerais e estratégicas da Administração Judiciária, e proceder à avaliação social de sua atuação, sem qualquer interferência na atividade jurisdicional.
Por se tratar de um órgão de governo do Poder Judiciário, é imprescindível a participação majoritária de juízes no Conselho. Os preceitos de democratização, por outro lado, impõem a inclusão de magistrados de todos os graus de jurisdição no processo, não só com direito a votar, como também de ser votado.
Por outro lado, fundada no princípio da transversalidade, a composição do Conselho deverá contar com os mais diversos segmentos da sociedade civil. Contudo, por se constituir como órgão de governo e mecanismo de avaliação social do Poder Judiciário, e não como ente de controle corporativista, o Conselho deve ser refratário à participação de membros de outros Poderes de Estado, ou da existência de vagas privativas para representantes de órgãos ou entidades que tenham interesse corporativo no Judiciário, tais como representantes da OAB e do Ministério Público. No Direito Comparado, os paradigmas europeus de Conselho do Poder Judiciário, nessa linha, não permitem a ingerência de tais organismos.
De toda sorte, a sociedade civil organizada deverá ter ampla participação no Conselho, seja através de membros representantes de entidades de classe e de organizações não-governamentais, seja pela inclusão de membros oriundos da comunidade técnico-científica, em ambos os casos através de indicação do Parlamento Federal.
Por fim, há que se estabelecer, no âmbito da Reforma do Judiciário, um formato de Conselho que estabeleça, também, a criação do Ouvidor-Geral do Poder Judiciário, órgão que cuidará de receber e fazer a triagem das reclamações sociais dirigidas contra os serviços judiciários.
Queremos o Conselho para funcionar como órgão máximo de governo do Poder Judiciário, velando pela independência, interna e externa, do juiz no exercício da função jurisdicional, nela não interferindo de modo algum. Dentre outras funções, caberá ao CNJ a definição da política judiciária, o planejamento estratégico e a avaliação do Poder Judiciário, com poderes de coordenação, supervisão, fiscalização e disciplina sobre as atividades administrativas e orçamentárias de seus órgãos e serviços auxiliares, o exercício do poder disciplinar, o provimento de cargos de magistrado dos tribunais, inclusive das cortes superiores e a regulamentação de procedimentos de acesso à carreira e de promoção.
Agora é hora de lutar pela criação do CNJ nos moldes descritos. A Anamatra não fará do seu discurso antigo de democracia interna e transparência mera retórica exibida em dias de confraternização, estando definitivamente inserida no rol das forças que buscam transformar o Judiciário brasileiro. Fortalecendo-o, não tenho qualquer dúvida, teremos chances reais de eliminar vícios de todos os poderes e instituições, assim como se procedeu na famosa “Operação Mãos Limpas” na Itália, quando a independência jurisdicional dos magistrados italianos foi assegurada pela existência de um Conselho Nacional da Magistratura bem estruturado, composto por juízes eleitos pelos próprios magistrados e por representantes da sociedade civil.
Devo registrar, no entanto, que o modelo de CNJ aprovado pela Câmara, em discussão no Senado, corresponde ao inverso do reivindicado pela Anamatra, considerando que apenas as cúpulas dos tribunais participam do processo de escolha dos juízes do Conselho, além da representação da sociedade civil também não observar parâmetros de legitimidade real. A competência ali definida faz opção clara pelo regime disciplinar e não compreende a necessidade da instituição de um órgão para mudar profundamente o Poder Judiciário, em suas causas e efeitos.