1. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho priorizou a tese defendida por seu presidente como bandeira de luta, questionando a participação dos advogados e membros do Ministério Público na composição dos tribunais. Equiparando o chamado "quinto constitucional" à representação classista, aparelha-se para dar-lhe o mesmo destino.
A justificação situa-se no ranço corporativista que animou os técnicos que assessoraram Getúlio Vargas para conter o comunismo e a luta de classes, substituindo-a por uma política de colaboração. Por isto mesmo, "o ingresso de integrantes das carreiras da advocacia e do Ministério Público destinava-se a amortecer o embate tradicional, na órbita jurisdicional, entre advogados e membros do Parquet". Enfim, o modelo permitiu ao Estado, a quem cabe o reconhecimento das corporações e sua inserção na estrutura estatal, controlar a escolha de seus membros, dando causa aos mecanismos de cooptação e tutela .
2. Ainda não foi concluída a reforma do Poder Judiciário, que teve como destaques a súmula vinculante, transformando os juizes em instrumentos de repetição do pensamento de seus superiores, o controle externo e a extinção da Justiça do Trabalho, transportada para compartimento inferior da Justiça Federal. Do substitutivo do Deputado Aloysio Nunes Ferreira, para quem não se justificava a manutenção de uma "estrutura de desperdícios, com tribunais pelos quais se arrastam durante anos demandas que poderiam ser resolvidas em semanas nos juizados especiais..." ao voto da Deputada Zulaiê Cobra, mantendo-a, chegou-se ao relator Bernardo Cabral, atropelado pelo processo eleitoral que implicou na projeção da reforma para uma nova legislatura.
Segue-se, portanto, uma indagação preliminar: em curso a reforma global do Poder Judiciário, justifica-se, tardiamente, pensar n`outra e tão somente para extirpar o corporativismo que macula os tribunais e afastar o poder arbitrário do Estado?
Ou merece apoio o projeto da Deputada Telma de Souza (PT-SP), que mantém o quinto, mas integrado na carreira profissional, através de concurso público ?
E mais, serviria ele de inspiração, para exigir como condição para ingresso na carreira, dez anos de efetivo exercício da advocacia e notório saber jurídico?
Mas, também, indispensável repensar o papel reservado à Justiça do Trabalho para, ao fim, saber se a medida alvitrada bastará para que desempenhe o papel que dela se espera, tornando-a de fato acessível ao povo.
4. A primeira indagação, fora de qualquer dúvida interliga-se com a persistência do modelo que se funda na figura do juiz profissional.
O Poder Judiciário, com o Legislativo e o Executivo dão força e grandeza à União (CF. art. 2°), mas apenas o primeiro compõe-se de membros vitalícios, organizados em carreira e por conseguinte, profissionalizados.
O ingresso na magistratura vincula-se à aprovação em concurso de provas e títulos (CF. art. 93, I, Lomam, art. 17). Com a profissionalização, o juiz aposenta-se, ordinariamente, com trinta anos de serviços, após cinco de exercício efetivo na judicatura, ou aos setenta anos de idade, compulsoriamente (CF. art. 93, VI). Após isto, principalmente quando a jubilação é precoce, está liberado para advogar e nem mesmo a chamada "quarentena", prevista no projeto de reforma, o impede, desde que se ative em localidade diversa daquela onde atuou.
Repensar a profissionalização do juiz tem a ver com o propósito de privatizar o Poder Judiciário, com os juízos arbitrais e os escritórios de mediação, particulares inclusive, e que, assim, livremente cobrarão honorários, tendo objetivo de lucro .
O ensaio da privatização pela via arbitral na Justiça do Trabalho revelou nitidamente o intento de superação dos litígios pela "meia-conciliação", pela "conciliação indesejada, imposta, fraudulenta" (CLT. art. 9°). Com efeito, logo percebeu-se que o modernismo reclamado pelo pensamento neoliberal, representado pelos teorizadores do "Novo Direito do Trabalho", não significou mais do que um artifício articulado pelas comissões de conciliação prévia e tribunais de arbitragem que usurparam consentida e ilegalmente dos sindicatos a assistência ao pagamento das verbas rescisórias (CLT. art. 477, `PAR` 1°), passando pela simulada tentativa conciliatória - nada mais do que simples transação - para ser concluída com o pagamento pela metade do devido e quitação de todo o "passivo trabalhista". No entanto, o Tribunal Arbitral do Comércio é ignorado e seu presidente admite que não refletirá significativamente na atuação do judiciário .
No âmbito trabalhista, o Tribunal de Arbitragem do Estado de São Paulo assumiu com o Ministério Público do Trabalho termo de ajuste de conduta, obrigando-se a não mais assistir as rescisões contratuais, "homologá-las", como se diz, nem a parcelar verbas rescisórias ou exigir a presença em suas dependências de trabalhadores ou empregadores para submeterem-se à "arbitragem" . A mediação vem sendo discutida pela Ordem dos Advogados do Brasil, com dispensável e inútil assessoria de instituição americana, como forma capaz de salvar a Justiça Comum da crise que também assola a Justiça do Trabalho.
A propósito, o substitutivo da Deputada Zulaiê Cobra seguiu a linha pensada pelo projeto que resultou na Lei n° 9.958, de 12 de janeiro de 2000, pela qual foram instituídas as comissões de conciliação prévia. Esta, no artigo 625-E, parágrafo único, retomou a idéia da quitação ampla, geral e irrestrita, diante do batismo-qualificação de efeito liberatório : "O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas".
Na proposta da deputada paulista, próxima da original, dispõe-se sobre a criação instância de conciliação extrajudicial e submissão do trabalhador - somente ele - ao procedimento preliminar como condição de acesso ao Judiciári "Art. 116. A lei criará órgãos de conciliação, mediação e arbitragem, sem caráter jurisdicional e sem ônus para os cofres públicos, com representação de trabalhadores e empregadores, que terão competência para conhecer de conflitos individuais de trabalho, no prazo legal".
Pouco antes, para atender o FMI o Poder Executivo atropelou seus aliados da área sindical e encaminhou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional n° 623, que não se limitava a instituir a pluralidade sindical e reduzir o poder normativo da Justiça do Trabalho - como resquícios do corporativismo - pois de cambulhada restringia a garantia de procura do amparo judicial para a defesa de lesão de direit "o exercício do direito de ação individual perante a Justiça do Trabalho será obrigatoriamente precedido de tentativa extrajudicial de conciliação, utilizando-se, inclusive, a mediação, conforme dispuser a lei".
A privatização da Justiça do Trabalho vem sendo pensada para conter seu "inchaço", seu gigantismo, ou o crescimento incontido, a "indústria da reclamação trabalhista", "a odiosa litigiosidade nas relações de trabalho", que assusta o investidor de dentro e de fora, comprometendo o processo de globalização, tudo segundo a cartilha neoliberal.
Pois então, como admitir e justificar que uma "reclamação" trabalhista tramite vagarosamente, sujeita a seguidos recursos, atropelada pelas armadilhas e tropeços da execução?
A propósito, o Ministro João Orestes Dalazen escreveu que dentre os fatores responsáveis pela intolerável lentidão do processo trabalhista pode-se contar: a) uma cultura social e jurídica arraigada de submeter todos os conflitos individuais trabalhistas exclusivamente à solução jurisdicional do Estado (...); b) à globalização e à política econômica neoliberal que promove o desemprego; c) à legislação intervencionista, muitas vezes inconstitucional que promove a proliferação de litígios; d) à volúpia legisferante do Poder Executivo e até a produção de normas propositadamente lacunosas, obscuras, imprecisas e ambíguas; e) a multiplicação de ações que envolvem o Poder Público ; f) a insuficiência de Juntas de Conciliação e Julgamento; g) o valor de alçada baixo e recursos em profusão; h) a injustificada resistência em responsabilizar as partes pela litigância de má fé; e) a desfiguração dos princípios de oralidade, de concentração dos atos processuais e da identidade física do juiz .
No Tribunal Superior do Trabalho a preocupação maior tem sido a imagem do Judiciário trabalhista, afetado pelo extraordinário volume de recursos que aguardam julgamento .
O Ministério do Trabalho, por sua vez, nunca escondeu o temor de a litigiosidade das relações de trabalho afugentar o capital externo ("devido à incerteza jurídica das relações de trabalho, proclamava seu titular, as empresas sentem-se inibidas de contratar trabalhadores formais. É portanto fundamental conferir maior estabilidade jurídica às rescisões contratuais" ). Para o titular da pasta "a origem do problema é a inexistência de um sistema robusto de conciliação extrajudicial dos conflitos individuais (...) isto certamente irá conferir maior segurança às relações trabalhistas, bem como reduzir o elevado número de ações trabalhistas". Mais: "a conciliação extrajudicial não apenas reduzirá o número de ações judiciais, como criará aos poucos um ambiente de conciliação interno às empresas (?), reforçando a credibilidade entre trabalhadores e empregadores, com a redução da insegurança quanto ao cumprimento da lei e dos contratos, as empresas se sentirão mais estimuladas a contratar com carteira assinado, diminunindo a informalidade".
Indispensável, porém, considerar o seguinte: a) nem 60% dos litígios chegam à Justiça do Trabalho. Guimarães Falcão, que presidiu o Tribunal Superior do Trabalho, em 1992, observava que apesar da quantidade de processos recebidos pela Justiça do Trabalho "ainda há uma demanda retida porque temos um universo de aproximadamente quatro a cinco milhões de ações que deveriam ser propostas e que não foram porque os trabalhadores sentem que há uma morosidade muito grande na máquina do Judiciário. Em outros aspectos há um receio de ajuizar ações trabalhistas porque ou os trabalhadores perdem o emprego se estão litigando contra o seu empregador atual, ou então, em algum caso, ainda existe receio de indexação em lista de empregados que reclamaram na Justiça do Trabalho" ; b) mas, também, o trabalhador não reclama simplesmente por desconhecer que possui direitos. Afinal, o Brasil não é apenas algumas capitais desenvolvidas e poucas cidades industrializadas, mas, também o sertão do nordeste, o interior do Mato Grosso, os povoados ribeirinhos do Amazonas, os cortiços, as favelas, os mocambos, os trabalhadores ditos informais, as mulheres com dupla função, os menores catadores de laranjas; c) a fiscalização do trabalho é sabidamente ineficaz e cartorária, não tendo meios nem mesmo para executar as multas que aplica.
4. A crise da Justiça do Trabalho sem dúvida nenhuma tem a mesma dimensão da que atinge a Justiça Comum e a Justiça como um todo .
Inadmissível, porém, que para manter a imagem do Poder Judiciário (no caso da Justiça do Trabalho) sejam criados obstáculos para o acesso do trabalhador, obrigado a submeter-se, antes, à uma comissão de conciliação. Neste ponto, valiosa a lição de Kazuo Watanabe: "O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inciso XXXV do artigo 5° da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o efetivo acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa" .
5. A priorização das reclamações individuais, a adoção de medidas artificiais, como a solução extrajudicial a cargo de comissões de conciliação prévia, rito sumaríssimo não esvaziarão a Justiça do Trabalho nem pacificarão a litigiosidade das relações trabalhistas.
Mandar para o quinto dos infernos o quinto reservado nos tribunais para juizes que saltaram o quadro de carreira resolverá a crise?
E será mesmo o quinto, o poder normativo da Justiça do Trabalho, a unicidade sindical expressões corporativas num regime democrático?
Cabe aos juizes, advogados, procuradores, teorizadores, enfim, a todos que operam com o direito do trabalho, repensar a Justiça do Trabalho com a mente aberta, sem o temor de romper com idéias arraigadas em longa tradição, como ensinaram Kazuo Watanabe e Barbosa Moreira .
Inevitável, para tanto, socorrer-se da história e saber que a idéia de pacificação da luta de classes teve início com as Juntas de Conciliação e Julgamento, através do Decreto n° 22.132, de 25 de novembro de 1932. O controle do Estado já se revelara com a Lei Sindical de 1931, editada para domesticar os sindicatos, colocando-os sob a tutela do Estado, para deste modo administrar a questão social . Tanto que o acesso para a defesa de litígios ficou reservada, inicialmente, aos empregados sindicalizados.
A Justiça do Trabalho na Constituição de 1934, criada para "dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social", ficou a margem do Poder Judiciário . A Carta outorgada, de 1937, escrita por Francisco Campos, que repetiria seu exercício autoritário em 1964, com a redação do AI 1, registrou no artigo 139 que era instituída a Justiça do Trabalho, para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, mantendo-a, ainda, distante do Poder Judiciário. Seguiu-se a polêmica travada pelo professor paulista, Waldemar Ferreira, neoliberal, relator do projeto que disciplinava a Justiça do Trabalho e o ideólogo do corporativismo getulista, Oliveira Vianna . "O que se pretendia era a instituição de uma Justiça rápida e barata, norteada pela oralidade processual e avessa ao formalismo jurídico, contrabalançando a desigualdade social e econômica das partes litigantes", segundo Evaristo de Moraes Filho .
Bem, a Justiça do Trabalho não passava de uma instância do Ministério do Trabalho, diretamente vinculada ao Conselho Nacional do Trabalho, onde se fez presente o chefe de polícia de Getúlio, depois senador e líder do partido governista criado pela ditadura militar, Filinto Muller .
O Decreto-lei n° 9.797, de 1946, inspirado por Geraldo Bezerra de Menezes, que presidia o Conselho, deu-lhe estruturação judicial, contemplando, inclusive, a formação da carreira dentro da judicatura togada, com provimento mediante concurso público, e foi assim que finalmente integrou-se no Poder Judiciário, com as bênçãos do artigo 94 da Constituição Federal.
Para o pensamento neoliberal pós-globalização, o "Novo Direito do Trabalho" exige a extirpação das máculas corporativistas: a unicidade sindical, de modo a permitir a divisão da classe trabalhadora, sobrepondo a liberdade individual à autonomia coletiva privada, o poder normativo, substituído pela arbitragem a cargo de particulares e a Justiça do Trabalho, é claro.
Arion Sayão Romita na análise da Carta del Lavoro, destaca sua Declaração V:
"A Justiça do Trabalho é o órgão por meio do qual o Estado intervém para solucionar as controvérsias do trabalho, seja as que concernem ao cumprimento das convenções e outras normas existentes seja as destinadas à criação de novas condições de trabalho". Como precisa, estas "idéias fascistas (afastamento da luta de classes com a proibição da greve e do lock-out) ecoaram no Brasil, onde encontraram campo propício para medrarem e inspiraram a criação da Justiça do Trabalho, principalmente a partir do golpe de Estado que implantou o Estado Novo em 1937.(...) A Justiça do Trabalho foi instituída no Brasil com a finalidade de anular o conflito entre as classes" .
Só que na proposta do Partido Operário Social-Democrata da Rússia de 1902, que teve a participação de Lenin, já se continha a "criação de tribunais do trabalho em todos os setores da economia nacional, à base de uma representação paritária de operários e patrões" .
6. A composição dos tribunais, segundo determinação do artigo 94 da Constituição vigente, tem reserva de um quinto dos lugares para membros do Ministério Público "com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada. com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes". O tribunal, por sua vez, reduzirá a lista com três nomes, cabendo ao Poder Executivo a escolha de um para nomeação.
A regra figura em nosso direito desde a Constituição de 1934: "Na composição dos tribunais superiores serão reservados lugares correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de listra tríplice, organizada na forma do `PAR` 3°".
Se representou o corporativismo getulista, não pode passar despercebido que teve legitimação popular e democrática, referendada que foi pelos Constituintes de 1934 . Mantido o princípio na Carta de 1937 , e se esta foi uma Carta outorgada pelo ditador, inspirada no corporativismo fascista, a Constituição de 1946 restaurou sua feição anterior, já que discutida e votada por representantes do povo, eleitos livre e democraticamente para compor a Assembléia Constituinte . E assim ficou na Constituição, nem tanto democrática, de 1967 e na emenda, ainda menos, de 1969 .
O tema passou ao largo na Constituinte de 1988, mas empolgou quando se cuidou do Supremo Tribunal Federal. A emenda de Nelson Jobim (PMDB-RS) alterava sua composição para dezesseis membros, sendo cinco deles indicados pelo Presidente da República, seis pela Câmara Federal, por voto secreto da maioria absoluta de seus membros e cinco pelo próprio Tribunal, entre magistrados de carreira, todos com um mandato de oito anos. As indicações, por sua vez, passariam pelo Senado da República em audiência pública. A proposta, contudo, foi rejeitada, merecendo o apoio de 31 constituintes e rejeição por parte de 60 .
Deste modo, outra vez foi democratizado o princípio, com o texto do artigo 94.
6. Celso Bastos em seus Comentários à Constituição, apoiado em Moacyr Amaral dos Santos, elenca alguns sistemas de "recrutamento da magistratura": a) sistema de eleição pelo voto popular, já conhecido em Roma "onde os magistrados eram eleitos pelo voto de seus concidadãos", prática adotada no Brasil-Colônia (juizes da vintena e ordinários) e no Império (juizes de paz). Vigorou na França e se mantém nos Estados Unidos; b) sistema de livre nomeação pelo Poder Executivo, existente na Inglaterra; c) sistema de livre nomeação pelo Poder Executivo, por proposta de outros poderes, tal como vivenciamos hoje em nossa estrutura, que temos no Tribunal Eleitoral, d) sistema de nomeação pelo Poder Executivo, dependente de aprovação pelo Legislativo, como ocorre com o Supremo Tribunal Federal; e) sistema de livre nomeação pelo Poder Judiciário; f) sistema de escolha por órgão especializado".
O sistema de nomeação pelo Poder Executivo mediante proposta de outros poderes, seria o preferencial, "seguido pelas legislações dos mais diversos povos" .
A história recente polemizou o tema diante do forte conteúdo político revelado no processo de nomeação.
6. Só que recente é a polêmica, não o sistema. Até 1968 para o ingresso na magistratura do trabalho não bastava a aprovação em concurso de prova e títulos, mas, também, da vontade do Tribunal que elegia uma lista tríplice e do Poder Executivo, liberado para a nomeação de um deles a seu gosto. Conheci de perto o sistema repressivo, contando sempre com o apoio do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, que jamais deixou de seguir a ordem de classificação no concurso. Aprovado dentre os primeiros colocados, figurei na cabeça das listas cerca de quinze vezes, sendo preterido invariavelmente, até que ousei enfrentar o autoritarismo do Poder Executivo. Impetrei mandado de segurança provido pela unanimidade dos Ministros da Suprema Corte. E daí? Veio o AI-5, uma semana depois e a ditadura, apesar de ter no Ministério da Justiça um professor de direito da escola mais festejada do país, simplesmente desconheceu a decisão. E exigir seu cumprimento, naqueles dias de chumbo já não significava ousadia, mas risco assumido.
Bom, assim, retomar a proposta de Nelson Jobim e melhorá-la: indicação por um colégio integrado por representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em sessão conjunta, pública e publicizada, submetidos todos, previamente, a inquirição sobre temas jurídicos e sociais da atualidade.
A profissionalização do juiz não pode ser afastada do debate. Mesmo mantendo-se o sistema de carreira, o ingresso na magistratura não deve restringir-se à seleção por concurso, sendo indispensável a prática da advocacia por tempo razoável e a aferição dos trabalhos forenses e doutrinários realizados e publicados.
Somente assim o bacharel adquire formação para atuar como juiz. Não é na judicatura que o juiz de carreira obtém conhecimentos e ciência do que se contém no realidade social, distante do latim, das definições e classificações doutrinárias, para depois da aposentadoria, muitas vezes precoce, dedicar-se à advocacia. E neste passo, insuperável defender a ampliação da idade para o jubilamento compulsório. De fato, se nem o chefe do Poder Executivo e seus Ministros de Estado, nem deputados e senadores tornam-se suspeitos de incapacidade intelectual em razão da idade, não se justifica de forma alguma a restrição feita aos membros do Poder Judiciário.
7. Para concluir volto ao início da elitização dos tribunais do trabalho com o afastamento da participação dos advogados e procuradores terá resultados significativos, acelerando a tramitação dos processos e a pronta satisfação das decisões proferidas? Ou, com inversão do enunciad esta participação pesa para a configuração da crise que atinge o Poder Judiciário como um todo?
Peca pela incongruência admitir que tudo que foi adotado pelo corporativismo getulista, mesmo quando, antes, teve a marca do socialismo (unicidade sindical, por exemplo), não adquira legitimidade democrática, ainda que acolhido por um sistema que tem na democracia seu fundamento.
Pinto Ferreira, enfrentando o tema, com razão, afirma: "não existe vinculação corporativa, pois os membros da classe dos advogados e os membros do Ministério Público, quando nomeados, tornam-se magistrados, e não mais representam as corporações a que pertenciam anteriormente".
Repensar o Poder Judiciário em meio ao projeto de reforma inacabado não pode, é claro, situar-se apenas na composição dos tribunais. Mas tratando-se da Justiça do Trabalho, forçoso concluir, antes de mais nada, que sua origem corporativista, inclusive a reserva de espaço nos tribunais para advogados e procuradores, foi democratizada, pelas Constituições de 1946 e 1988 ou então não vivemos numa democracia.
Repensar a Justiça do Trabalho exige que se reconheça o artificialismo dos litígios trabalhistas restritos a um trabalhador que perdeu o emprego e reclama o recebimento de seu "passivo", ou seja, o que lhe foi sonegado ao longo da execução do contrato, quando a ação coletiva sindical, bem poderia, na vigência dos empregos, resolver o conflito para toda a coletividade que representa.
O Poder Judiciário, como um todo e a Justiça do Trabalho em especial carecem de reforma substancial, a ser discutida amplamente pela sociedade civil, a quem deve servir, a última, com participação especial de seus atores principais: empregados e empregadores, através de suas representações de classe.
Não sei dizer se a instância revisional constituída apenas por juizes de carreira será melhor ou pior para o povo e nem isto é o que importa, antes de se identificar e resolver a litigiosidade individualizada, sem a presença do sindicato.
A discussão não pode distanciar-se da organização dos trabalhadores nos locais de trabalho através de comissões, não de conciliação prévia, mas de empresa, dirigidas para a defesa de direitos e interesses, individuais e coletivos.
Enquanto a conciliação extra judicial e judicial também, tiverem natureza de transação, os litígios persistirão artificialmente, multiplicando-se ano após ano e exigindo a criação de mais e mais varas e tribunais.
Enfim, sem determinar o mal causado pelo "quinto" e o bem que trará sua supressão, proposta neste sentido assume significado simplesmente corporativo.