Sociólogos, empresários, políticos, mas também aqueles filósofos que olham a Terra antes que as estrelas, parecem ter alcançado um certo acordo ao definir as características da sociedade produtiva "pós-fordista" Todos insistem sobre três elementos.
1. Na sociedade produtiva pós-fordista (mas também, neste caso, "pós-taylorista") a natureza do trabalho transformou-se completamente. A força de trabalho que, criando mais-valia, hoje se coloca, hegemonicamente, no centro do sistema produtivo, já é essencialmente imaterial: vale dizer, trabalha de modo intelectual, com empreendimento autônomo e com fortes e independentes capacidades de cooperação.
Simplificando ao máxim o trabalhador que, ao determinar excedente de produtividade, toma o lugar que ontem era do "metalúrgico", é o técnico da informação e dos serviços, é o produtor de saber e de linguagens: eles trabalham entre "redes" cooperativas, mas, ao mesmo tempo, são autônomos na variação de valor.
2. Por conseguinte, o lugar onde se produz o excedente de produtividade já não é a fábrica, nem o sistema da grande indústria, mas o conjunto de "redes" sociais por meio das quais essa massa de trabalhadores imateriais aprende, coloca-se em contato, comunica, inventa, produz mercadorias - e faz tudo isso reproduzindo subjetividades. Porque somente a alma e o cérebro produzem hoje excedente. A produção, portanto, atinge a vida; melhor, a relação produtiva instaura-se na relação social, e ambas se apresentam como facetas de um único conjunto, "biopolítico" (era assim que Foucault o chamava), subjetivo e coletivo, institucional e singular.
Simplificando ao máxim hoje, não são os "donos das usinas" a gerar produção e excedente, mas o conjunto dos poderes sociais da produção. A escola, a ciência e as instituições científicas, o sistema de comunicação e informação, as instituições sociais, todos os que investem subjetividade nessas "redes", estes são os atores produtivos hoje - e, ainda, todos aqueles sujeitos que, pagos ou não para produzirem, de fato reproduzem subjetividade (primeiras entre todos, as mulheres, esta estranha força de trabalho social, que faz filhos, os educa, gerencia as famílias...).
3. Em terceiro lugar, o novo sistema produtivo apresenta-se como global. Ou seja, como um sistema produtivo que se alarga nas dimensões do orbe terrestre. Nada é excluído. A mobilidade da força de trabalho, a circulação das mercadorias, a onipresença da informação o caraterizam. A produção desterritorializou-se e, com ela, a estrutura "biopolítica" da produção imaterial mundializou-se.
Velha classe operária
Sobre estas três constatações parece haver, então, um amplo consenso. O que significa distinguir-se, como "direita" e "esquerda", como defensores da "liberdade do comércio" ou intransigentes operadores da "igualdade dos cidadãos", como intérpretes dos interesses do capital privado ou defensores dos explorados, depois que a definição deste novo campo tenha sido estabelecida?
No primeiro dos temas que lembramos, é preciso ir logo dizendo que as coisa são bastante complicadas. O conjunto das forças imateriais do novo trabalho produtivo não mostra, de fato, tendências espontâneas de unificação política. Em geral, estas forças não conseguem expressar a unificação de seus interesses específicos. Nada então que possa remeter aos comportamentos da velha classe operária e renovar os faustos de seu solidarismo sindical e político.
É possível, no entanto, identificar novos movimentos, germinais e potentes. Particularmente, mas não só, na Europa, estas novas camadas do trabalho produtivo têm, de fato, produzido algumas situações excepcionais de luta social e, na fase atual, com os seus comportamentos eleitorais, provavelmente estão na base da crise de hegemonia do liberalismo. Isto é o que nos dizem as análises mais afinadas das reviravoltas eleitorais nos EUA, Inglaterra e, agora, na França.
Saudosa e preguiçosa
Estas observações são suficientes para marcar uma tendência de "esquerda" nos comportamentos políticos do conjunto do trabalho imaterial? Certamente, não. Por outro lado, o que a suposta "esquerda" faz para representar com eficácia estas novas camadas da força de trabalho? Nada, nada e mais nada. Saudosa de uma força operária que o processo produtivo marginalizou, e preguiçosa na análise, a esquerda dorme. Quando, ao contrário, ser de esquerda, hoje, significaria tornar-se organizadores coletivos desta nova classe social - uma classe social virtualmente disponível a reconstruir uma perspectiva de libertação, para as forças do cérebro e do trabalho.
Nova virtualidade produtiva
É mais fácil, por outro lado, falarmos de "direita" ou de "esquerda" nos outros dois terrenos de transformação que identificarmos. Com efeito, está claro que a "direita" - mesmo obrigada a levar em conta as dimensões sociais da produção, em termos "biopolíticos" (na falta dos quais não haveria produção de riqueza) - não quer pagar os custos disso, nem as condições, mas só quer apossar-se novamente do produto do trabalho social.
A "direita" pratica, em nível mundial, uma feroz política "desinflacionista" dos custos da produção da subjetividade, com conseqüências terroristas e destrutivas contra a nova virtualidade produtiva.
A "esquerda", ao contrário, deveria se tornar capaz de impor o máximo investimento social, em garantia das melhores condições de produção da subjetividade da força de trabalho. Mas, para fazer isto, ela tem de superar todo o resíduo de corporativismo, toda concepção arcaica, setorial e/ou previdencialista, da despesa pública; e desenvolver, então, o ponto de vista da igualdade como motor de produtividade global do sistema.
Mesmo no que se refere ao tema da globalização dos mercados, a divisão é nítida. Esta passa entre os que, da "direita", limitam o direito de ir-e-vir e de cidadania; e os que, ao contrário, fazem do nomadismo da força de trabalho, da procura de novos espaços de expressão e vida, uma condição irremissível da liberdade e da riqueza.
É paradoxal notar que, só neste terreno, as direitas se trancafiam naquelas estreitíssimas barreiras do Estado-nação, que renegaram ao aderir à globalização dos mercados. A "esquerda", se quiser ser digna de sua aspiração à libertação dos povos, tem de mandar pelos ares esta que é a última aldrava fascista contra o cosmopolitismo e a mestiçagem da força de trabalho intelectual, imaterial, "biopolítica". Como dizia Deleuze, "nós temos de criar o povo por-vir". Logo, não é impossível começarmos a traçar, na condição pós-fordista, a divisão entre "direita" e "esquerda".
*Publicado na Folha de São Paulo em 29 de junho de 1998