Introdução:
No contexto das ações coletivas previstas no ordenamento jurídico pátrio, a ação civil pública surge como instrumento fundamental de solução de conflitos sociais e a busca de sua efetividade foi traduzida pelo legislador com o arcabouço inserto nas Leis 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública - LACP) e 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), cujas disposições escapam da concepção individualista do processo civil para resolver demandas de interesse coletivo, difuso ou individual homogêneo.
Não é à toa que o ajuizamento das ações civis públicas de ordem trabalhista, via de regra, visa a defender direitos sociais indisponíveis referentes às relações de trabalho (meio ambiente do trabalho, trabalho infantil, trabalho escravo, terceirização fraudulenta, anulação de instrumentos coletivos extrajudiciais prejudiciais aos interesses dos trabalhadores, greves em atividades essenciais, etc.).
Muitas vezes a ação civil pública é precedida de um inquérito civil público por meio do qual são colhidos documentos e informações necessários ao esclarecimento das irregularidades denunciadas, rendendo ensejo ao ajuizamento da ação.
O alcance conferido pelo magistrado aos elementos colhidos no inquérito variará conforme o seu livre convencimento. Não necessariamente o convencimento do procurador do trabalho, alavancado inquisitorialmente no inquérito, corresponderá a igual reação do julgador. Não é porque o inquérito civil público - seja ele instaurado de ofício, seja ele resultado de denúncia de qualquer cidadão ou servidor público (artigo 6º da LACP) - redundou conclusivo para o representante do Ministério Público do Trabalho no que tange ao imperativo ajuizamento da ação civil pública, que os motivos expostos na petição inicial desta ação, munidos dos elementos colhidos via inquérito, lograrão convencer o magistrado prima facie quanto à concessão de uma tutela de urgência ou no que respeita à procedência da demanda.
Após breve análise dos elementos de delimitação da lide na ação civil pública e os efeitos e restrições de sua coisa julgada, este artigo examinará o cabimento da intervenção de terceiros no pólo passivo da ação civil pública, com ênfase nas espécies do chamamento ao processo e da denunciação da lide, vez que pacífica na doutrina a possibilidade de assistência no pólo ativo e do litisconsórcio ativo e passivo.
O Inquérito Civil Público e a Delimitação da Lide na Ação Civil Pública Trabalhista
Raimundo Simão de Melo, uma das referências doutrinárias no tema da ação civil pública trabalhista, ao asseverar que o inquérito civil público não é condição sine qua non para o ajuizamento da ação civil pública, o faz sustentando que os legitimados para tanto - legitimidade esta que não se confunde com a vinculada à instauração do inquérito, que é de exclusividade do Parquet do Trabalho - podem fazê-lo "até mesmo sem prova, baseados somente em indícios porque no bojo da ação poderão ser produzidas todas as provas necessárias ao esclarecimento da lide".
Malgrado ressalve o preclaro autor as tantas ocasiões em que o inquérito fornece as provas necessárias ao convencimento do juiz, parece-nos evidente a possibilidade de dilação probatória, pena de cerceio de defesa e violação do devido processo.
Por outro lado, não se deve efetivar a fase instrutória da ação civil pública sem que o pedido possua certeza e determinação em face de quem deva responder pelos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos que se pretende assegurar, repor ou remediar por intermédio da ação, independentemente dos efeitos ultra partes da decisão a ser proferida.
No sentido de verificar a correta formação do pólo passivo da ação civil pública, sopesada com o alcance da coisa julgada erga omnes típica da espécie, ganha importância aanálise do cabimento da intervenção de terceiros, nas modalidades do chamamento ao processo e da denunciação da lide.
Tal análise somente se torna viável mediante a imperiosa contraposição de dois fortes argumentos em contrário, quais sejam: (i) os efeitos da coisa julgada na ação civil pública; e (ii) o descabimento da denunciação da lide no processo do trabalho.
Os Efeitos da Coisa Julgada na Ação Civil Pública
Quanto aos efeitos da coisa julgada na ação civil pública, não se pode negar a sua transcendência, quanto aos limites subjetivos, em relação às partes do processo, tendo em vista que quem promove a ação não é o titular dos interesses em litígio, mas age por legitimação extraordinária, na qualidade de representante.
Concordamos com Marcelo Ribeiro Silva quando justifica os efeitos erga omnes da coisa julgada secundum eventum litis (aquela na qual o substituído não terá prejuízos com uma sentença de improcedência por insuficiência de provas, mas será beneficiado pela sentença de procedência, preconizada no artigo 18 da Lei 4.717/65 - Ação Popular) "pela magnitude dos interesses defendidos através da lide coletiva, que em alguns casos se confunde com o próprio interesse público, como ocorre, v.g., com o meio ambiente". Nesse sentido, prioriza-se o interesse público, não havendo que se falar em afronta ao princípio da igualdade das partes.
Ora, se na ação civil pública os efeitos da coisa julgada se dão contra todos (se julgada procedente em matéria de interesses difusos ou individuais homogêneos), ultra partes (se julgada procedente em matéria de interesses coletivos) - com as ressalvas do artigo 103 do CDC - , calharia indagar: intervenção de terceiros na ação civil pública para quê? Dependendo da natureza do interesse (difuso, coletivo ou individual homogêneo) e do resultado da demanda (procedente ou improcedente, salvo se por insuficiência de provas), o terceiro interveniente já não seria destinatário da coisa julgada, obrigando-se aos efeitos daí decorrentes, sem que houvesse necessidade de intervir no pólo passivo e constar do título executivo?
Ao nosso sentir, as respostas passam necessariamente pela idéia chamada por Rodolfo Camargo Mancuso de "extensão dos efeitos do julgado aos casos futuros e análogos", a qual - levada a termo - evitaria a reiteração de ações com a mesma finalidade e com a mesma causa de pedir.
Citando o exemplo da decisão que condena um laboratório X a indenizar, pelo valor Y, as vítimas que ingeriram medicamento nocivo à saúde, o insigne autor assevera que "nesses casos essas ações se identificam mutuamente por um núcleo comum: no exemplo dado, o medicamento é nocivo aos seres humanos; logo, não há razão para que esse fato venha a ser deduzido e aferido em reiteradas ações individuais".
Na ação civil pública trabalhista, porém, a nocividade aos seres humanos encontra-se incrustada nos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho, insculpidos constitucionalmente em nosso ordenamento na categoria de fundamentos da República. As peculiaridades de cada caso concreto, esmiuçados os pormenores fáticos que o permeiam, é que definirão a extensão dos efeitos do julgado aos casos futuros e análogos. Não basta a existência do núcleo comum.
Imagine-se o caso do fazendeiro latifundiário do sul do Estado do Pará que logra submeter trabalhadores à condição análoga à de escravo, impingindo-lhes maus tratos em trabalhos forçados e em condições deletérias (falta de garantias mínimas de saúde e segurança e falta de condições de moradia, higiene e alimentação) desprovidas da paga de qualquer direito trabalhista normatizado. É certo que a situação a ser descortinada na fase instrutória da ação civil pública, ou já dissecada em inquérito que a precedeu, revestir-se-á de peculiaridades que poderão diferenciá-la, ainda que em parte, da conduta análoga de outro proprietário de terras paraenses, mais ao centro do Estado. Digamos que este segundo fazendeiro não propicie idênticas condições degradantes, fornecendo equipamentos, alguma alimentação, embora também tolhendo a liberdade e dignidade do trabalhador, deixando de resguardar e adimplir os direitos trabalhistas celetizados.
Sendo distintos os contornos fáticos de ambos os agentes fraudadores da lei e dos direitos humanos e trabalhistas envolvidos, a despeito da similaridade da conduta típica e do núcleo comum (trabalho escravo), não há falar-se em extensão dos efeitos do julgado pretérito.Foge da razoabilidade sancioná-los de forma idêntica, sob os auspícios da coisa julgada erga omnes. A decisão proferida no primeiro caso poderá fornecer parâmetros ao deslinde do segundo caso, mas não estender-lhe-á idênticos efeitos. Até porque, obviamente, os substituídos beneficiados ou não prejudicados pela coisa julgada secundum eventum litis só podem figurar no pólo ativo da ação coletiva.
Para que se perceba com maior clareza a diferença entre um caso e outro, basta que se cogite da assinatura do instrumento típico de composição prévia com vistas a evitar o ajuizamento da ação civil pública: o termo de ajustamento de conduta proposto pelo Ministério Público do Trabalho.
No primeiro caso, as astreintes por eventual descumprimento da avença devem, para o bem da sociedade, ser quantificadas em importe muitíssimo mais pesado do que no segundo caso. E, se necessário o ajuizamento da ação civil pública, urge - tanto para o bem da sociedade, quanto para fins pedagógicos ao "senhorio" - que a condenação imposta ao primeiro dos fazendeiros seja mais retumbante, desigual na medida de sua desigualdade.
Portanto, para fins de aferição da pertinência da extensão dos efeitos do julgado para casos análogos, mister distinguir a matéria de direito do consumidor - para a qual serão análogas situações como a exemplificada por Rodolfo de Camargo Mancuso (bastando a inserção no mercado de medicamento nocivo à saúde) - da matéria trabalhista. Em seara laboral, os direitos difusos e coletivos defensáveis pela via da ação civil pública podem envolver lesão a direitos humanos e a interesses de toda uma categoria profissional, respectivamente. A solução com vistas a sanar tais lesões não há de estar engessada a um standard, ainda que proferido em caso "análogo". Será imperativo o detalhamento do contexto fático, caso a caso, até que restem claramente justificados os contornos do decisum e da sanção imposta a cada qual, na medida do grau de violação dos interesses e direitos coletivos.
Havendo restrição à idéia da "extensão dos efeitos do julgado aos casos futuros e análogos", restringe-se, por conseguinte, a própria intensidade da coisa julgada erga omnes.
A despeito da controvérsia a respeito dos efeitos territoriais da sentença proferida em ação civil pública, desde que a Lei 9.494/97 incluiu na redação do artigo 16 da LACP a expressão "nos limites da competência territorial do órgão prolator" - o que não é objeto deste estudo - convém trazer a lume o escólio de João Batista de Almeida (citado por Rodolfo Camargo Mancuso), para quem estão imunes à limitação territorial dos efeitos da coisa julgada apenas as ações que versem sobre interesses difusos, cujos titulares sejam indeterminados e sem possibilidade de indicação do respectivo domicílio. Extrai-se dessa lição que, quando for possível a determinação dos beneficiários e a declinação de seus domicílios - o que ocorre nas ações que tratam de interesses coletivos e individuais homogêneos - a coisa julgada sofrerá limitação, ainda que meramente territorial, segundo o mencionado autor.
Sendo os efeitos erga omnes da coisa julgada da ação civil pública trabalhista mitigáveis por força da restrição à extensão dos efeitos do julgado para casos análogos e, se for o caso, em decorrência da limitação territorial, constata-se a extrema importância de que se reveste a composição do pólo passivo da ação civil pública e, via de conseqüência, o cabimento do chamamento ao processo e/ou da denunciação da lide na espécie.
O Chamamento ao Processo e a Denunciação da Lide no Processo do Trabalho
Segundo a lição de Cândido Rangel Dinamarco,"chamamento ao processo é o ato com que o réu pede a integração de terceiro ao processo para que, no caso de ser julgada procedente a demanda inicial do autor, também aquele seja condenado e a sentença valha como título executivo em face dele". No âmbito da ação civil pública, servirá para que o devedor chame outro devedor solidariamente responsável.
Já a denunciação da lide, na definição de Luiz Fux corresponde à "modalidade de intervenção forçada, vinculado à idéia de garantia de negócio translatício de domínio e existência de direito regressivo".
O processo trabalhista sempre foi refratário em admitir quaisquer das modalidades de intervenção de terceiro reguladas pelo Código de Processo Civil, principalmente no pólo passivo e na fase de conhecimento, sopesadas as peculiaridades que cercam a execução trabalhista.
Fosse pela discrepância com o princípio cardeal da celeridade, fosse pela premissa do descabimento da apreciação de questão estranha ao âmbito da relação de trabalho, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, na ordem constitucional vigente antes da Emenda Constitucional 45, estava calcado na Orientação Jurisprudencial 227 da Seção I de Dissídios Individuais, a qual estampava a incompatibilidade da denunciação da lide com o processo do trabalho.
A OJ 227 da SDI-1 do TST foi cancelada na mais recente revisão da iterativa e notória jurisprudência daquela Corte. Com isso, os Ministros daquela Corte expressaram sensibilidade, lançando a pedra fundamental da adequação do normativo trabalhista ao novo sistema que emergiu com a Emenda 45. Caso contrário, como atribuir à Justiça do Trabalho competência para julgar demandas de natureza civil sem aparelhá-la com os instrumentos processuais condizentes?
Por óbvio que ao ampliar a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar demandas antes afetas à jurisdição civil da Justiça Comum, o novel artigo 114 da Lei Maior trouxe a reboque a necessidade de exportar institutos de natureza processual civil inerentes à resolução de tais demandas; institutos estes sem normatização expressa na CLT e, portanto, aplicáveis em sede laboral porquanto autorizado pelos artigos 8º e 769 deste diploma legal.
Não se defende a individualização da concepção avançada da ação coletiva, gênero do qual é espécie a ação civil pública. Cuida-se apenas de adequar os institutos de um feixe do ordenamento (civil), no escopo de encontrarem assento ponderado na qualidade de inovações recepcionadas em feixe diverso (trabalhista), no bojo do qual estão as ações civis públicas, que aplicam a CLT de forma subsidiária às Leis 7.347/85 (LACP) e 8.079/90 (CDC).
A crítica da maioria, até hoje, sempre se ateve à incompatibilidade do chamamento ao processo e da denunciação da lide com o processo do trabalho, calcada na natureza jurídica de ação autônoma dessas modalidades de intervenção de terceiros. Sustentam os críticos: quanto ao chamamento, que o artigo 80 do Código de Processo Civil prevê a constituição de título executivo em favor do que satisfizer a dívida (para que este venha a cobrá-la do devedor principal); quanto à denunciação, do mesmo modo, duas lides (uma principal, outra regressiva) devem ser resolvidas, decorrendo daí a natureza jurídica de ação de ambas as intervenções.
Quer nos parecer que a acolhida desses institutos no processo do trabalho requer e exige sejam resolvidos de forma incidental, desnaturando-lhes o status jurídico de ação. Algo similar ao que o processo civil está fazendo com seu processo de execução. Pela recentíssima Lei 11.232, de 22/12/2005, a execução perde a natureza jurídica de ação autônoma; tornando-se uma fase processual. Com isso, o processo civil deixa-se influenciar pelo rito processual trabalhista - reproduzindo-o nesse aspecto - e absorve um instrumento de efetivação da entrega do bem da vida, em atendimento ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional. É um contra-senso que, frente à necessidade de o processo do trabalho absorver institutos de natureza processual civil (como a denunciação da lide e o chamamento do processo), faça-o na contramão do aludido princípio.
Ações acidentárias sempre foram defendidas pelo patronato mediante a denunciação da lide às seguradoras (com espeque no inciso III do artigo 70 do Código de Processo Civil), garantidoras de apólices firmadas para ressarcir eventos infortunísticos laborais, por vezes abrangendo os danos morais e patrimoniais cuja reparação agora deságuam na Justiça do Trabalho.
É natural que o TST, após o cancelamento da OJ 227 de sua SDI-1, venha em breve externar um novo direcionamento com relação à denunciação da lide em situações como as da ação acidentária. Imagina-se que, após o amadurecimento dos debates e de um profícuo confronto de idéias, seja editada súmula vaticinando se a denunciação da lide trabalhista a ser admitida é aquela envolvendo diferentes réus com vínculo contratual decorrente de terceirização (ou sublocação de serviços) comum ou se admitir-se-á a denunciação da entidade cuja relação com o réu refuja da relação de trabalho preconizada no inciso I do artigo 114 da Constituição Federal. Se a cobertura da seguradora abrange acidente do trabalho, a possibilidade do acidentado ser indenizado por esta garantidora refoge à relação de trabalho a ponto de eliminar uma chance palpável de se tornar efetiva a execução? Prescindir-se-ia da inclusão de um potencial pagador (no caso, a seguradora) de verbas de caráter alimentar no pólo passivo?
Regendo-se a execução trabalhista pelo interesse do credor, parece que a resposta seria negativa. Sem embargo, evidencia-se que a discussão doravante pairará sobre os limites, restrições e natureza jurídica (de incidente ou de ação) da dita modalidade de intervenção de terceiros que, antes vedada, hoje é permitida e amanhã será parametrizada.
Especificamente no campo da ação civil pública, a questão é intrincada e merece detida análise. De um lado, o interesse da sociedade representada pelos entes legitimados no artigo 5º da LACP na celeridade processual necessária a um feito processual que não raro encerra pretensão visando à concessão de tutelas de urgência, ligadas à medicina e segurança do trabalho, meio ambiente laboral, trabalho escravo, trabalho infantil, etc.
Mas é justamente no interesse público que a celeridade não deve se confundir com açodamento. As ações coletivas, como a ação civil pública, reclamam urgência, todavia o exercício dessa urgência não pode ser abusivo a ponto de, obstaculizando o litisconsórcio passivo necessário ou o chamamento/denunciação de quem deva responder solidariamente pelo dano causado, onerar a sociedade ainda mais.
Atendo-se às ações civis públicas em matéria ambiental ou em defesa do consumidor, Hugo Nigro Mazzilli acata, "em tese", o chamamento ao processo dos co-devedores solidários, refutando-o, entretanto - assim como o faz em relação à denunciação da lide - , sempre que a ação se fundar em responsabilidade objetiva, "para não introduzir fundamento novo na demanda (discussão de culpa)", de modo que o direito de regresso seja exercido em ação própria.
Na ação civil pública trabalhista, porém, uma gama de hipóteses de interesses e direitos coletivos tuteláveis pode ser lapidar para se analisar o cabimento do chamamento ao processo ou da denunciação da lide na espécie.
Trabalho escrav um grupo (consórcio) de empregadores rurais submete trabalhadores a condições degradantes de trabalho em regime de rodízio, de comum acordo, no qual os trabalhadores ora prestam serviços na propriedade de um, ora nas terras de outro. Ajuizada a ação civil pública contra o fazendeiro "A" integrante do aludido rol, suponha-se que o escravocrata suscitado denuncie outros do grupo à lide para que respondam solidariamente.
Não está a se defender aqui qualquer ranço de "delação premiada" (fattispecie abstrata), mas nos parece que neste caso o chamamento ao processo seja não somente cabível, assim também recomendável, na forma do artigo 77, III do CPC.
Mutatis mutandis, válida a lição de Nelson Nery Junior ao acrescentar, quanto ao dano ambiental reparável por ação civil pública, que "Ao demandado resta a utilização do instituto do chamamento ao processo, de conformidade com o artigo 77 do CPC, a fim de que o juiz, no mesmo processo onde o Ministério Público busca a reparação do dano ambiental, acerte a parcela de responsabilidade de cada poluidor co-causador do prejuízo". Não restaria violado o princípio da isonomia (réus diferentes tratados de modo diferente), dada a flagrante responsabilidade solidária de todos os réus, na hipótese. Tampouco, existe a inserção de fundamento novo (apud Mazzilli) ou discussão de culpa que justifique a rejeição ao chamamento, na medida em que a solidariedade in casu suplanta a discussão da responsabilidade objetiva/subjetiva.
Cooperativa ou terceirização fraudulenta: na hipótese de uma ação ajuizada contra um tomador de serviços (público ou privado) cooperados que aparentemente tenha violado direitos transindividuais, deve ser admitido o chamamento ao processo da(s) cooperativa(s) contratada(s), na forma do já citado artigo 77, III do CPC. Trata-se de hipótese identificada por Raimundo Simão de Melo como litisconsórcio obrigatório, quando afirma "não sendo indicados os dois réus pelo autor, o juiz, tendo conhecimento da solidariedade quanto à ofensa, deve chamar a parte ausente para responder à demanda". Note-se que, como constatado no exemplo retro, a pedra de toque é a solidariedade.
Meio-ambiente do trabalh uma vez ajuizada ação civil pública em face de determinada empresa cujo ambiente laboral encontra-se incompatível com a norma regulamentadora vigente sobre segurança e medicina do trabalho; incompatibilidade esta que, renitente, dera azo a acidentes do trabalho reiterados. Admissível a denunciação da lide pela ré em face da seguradora com quem firmou apólice garantidora do ressarcimento dos danos acidentários. O artigo 70, III do CPC atribui responsabilidade "àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda". Nessa hipótese, propugna-se que a denunciação seja adequada ao rito próprio da ação civil pública e abrandada pela prática trabalhista. Em outras palavras: que seja a denunciação da lide facultativa, e não obrigatória. De mais a mais, não há o óbice preconizado por Mazzilli, porquanto em que pese objetiva a responsabilidade da empresa em face do corpo de empregados, também objetiva será a responsabilidade da seguradora em face da empresa, tornando desnecessário o custoso exercício direito de regresso em ação própria.
Em todas as hipóteses propostas para fins de estudo, a intervenção de terceiros no pólo passivo da ação civil pública trabalhista - seja sob a forma de denunciação da lide, seja sob a forma de chamamento ao processo - mostra-se como medida de economia processual (uma ação ao invés de duas ou mais), ensejando a extensão da coisa julgada de molde a atingir o terceiro chamado ou denunciado, independentemente da restrição de ordem territorial contida no artigo 16 da LACP.
Rodolfo de Camargo Mancuso, ao lecionar sobre a possibilidade de o cidadão figurar como réu da ação civil pública, acompanha Hugo Nigro Mazzilli e sacramenta a questão, afiançando "não haver impedimento lógico ou legal para se admitir que ele possa ser co-réu, litisconsorte ou assistente do réu originário, e, bem assim, nomeado à autoria, chamado ao processo, denunciado à lide, conforme a natureza de sua posição jurídica em face das outras partes" (grifo nosso).
Não há falar-se em nomeação à autoria no pólo passivo da ação civil pública trabalhista, visto que não se deve admitir o pedido feito pelo réu no intuito de ser excluído da relação processual por ilegitimidade ad causam, para que seja sucedido por um terceiro. Deverá, sim, permanecer no pólo passivo da ação civil pública, exercer ou não a faculdade de argüir denunciação da lide ou chamamento ao processo - conforme a natureza de sua posição jurídica em face da parte que pretendia nomear à autoria- e convencer o magistrado de sua ilegitimidade passiva.
Incabível à espécie, também, a oposição, na medida em que totalmente fora de propósito que alguém pretenda, numa ação civil pública, avocar a si a responsabilidade (ou a ausência de responsabilidade) sobre o interesse difuso ou coletivo para integrar o pólo passivo voluntariamente. Lembre-se que o pólo ativo somente poderá ser ocupado pelos legitimados pelo artigo 5º da LACP.
O descabimento da intervenção de terceiros quando da antecipação de tutela
Sendo o caso de obrigação de fazer, de não fazer ou de suportar, poderá o juiz conceder antecipação de tutela antes de apreciar o cabimento da intervenção de terceiro, frente a uma situação de grave e iminente risco de dano irreversível e irreparável à saúde dos trabalhadores.
Se o dano iminente afigurar-se irreparável, decerto a tutela de urgência deverá ser liminarmente concedida sem que se atenha prima facie o magistrado à intervenção de terceiros. Deverá apreciá-la no momento oportuno, rechaçando-a ou acolhendo-a, após a concessão da liminar. Aqui, sim, mostra-se razoável o posterior ajuizamento de ação contra quem não integrou o pólo passivo da primeira, quando assim deveria ter ocorrido. A prioridade residirá em não obstaculizar a tutela de urgência.
Conclusão
As modalidades de intervenção de terceiro objeto do presente estudo, quais sejam, o chamamento ao processo e a denunciação da lide, são compatíveis com o processo trabalhista e, em especial, com o rito da ação civil pública trabalhista.
Com vistas a aferir a plausibilidade da apresentação dessa matéria em defesa, o magistrado deverá sopesar a urgência das tutelas pretendidas caso a caso com o princípio da economia processual que inspira as ações coletivas. Se numa primeira análise a intervenção de terceiros atravanca o deslinde inicial da ação, sob enfoque diverso preferir-se-á a aglutinação de vários feitos num só, o que pode ser obtido "chamando" ao processo ou "denunciando" a lide a todos aqueles que estiverem em posição direta, ou indireta, de vilipêndio aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos trabalhadores.
Esse, quiçá, poderá ser o norte a ser seguido pelo Tribunal Superior do Trabalho a respeito da matéria, com embrião no cancelamento da Orientação Jurisprudencial 227 da SDI-1, haja vista que não raramente o cancelamento de uma pré-súmula abre ensanchas à edição de uma súmula em sentido contrário.
Referências Bibliográficas
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