"Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego; todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho; todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social; todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar, para proteção dos seus interesses".
Este é o artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinadaem 10 de dezembro de 1948, com o intuito de oferecer às Naçõespreceitos básicos para a garantia das liberdades individuais e coletivas, aproteção familiar e a paz social. O artigo 24 também se refere ao trabalho, afirmando que "todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas".
Hoje, 57 anos após a promulgação do mais importante tratado sobre direitos humanos, verificamos um crescente desprestígio dos direitos sociais e trabalhistas. A moderna sociedade tecnológica não reduziu a jornada de trabalho, como era de se esperar. Ao contrário, a fúria da competitividade produzida por um mercado sofisticado e seletivo gerou uma espécie de escravidão consentida, por meio da qual os que conseguem trabalho dedicam mais e mais horas ao serviço, certamente na perspectiva da eliminação do risco de perder o emprego. O trabalho extenuante gera doenças ocupacionais e causa graves problemas sociais e econômicos. A prorrogação da jornada para atender necessidades rotineiras do empreendimento ou a exigência de trabalho além das forças do trabalhador provocam o desemprego e acentuam a exclusão social.
No Brasil, os Juízes do Trabalho têm resistido à flexibilização das leis trabalhistas, que normalmente se insinua através de projetos de lei apresentados no Congresso Nacional, ainda que a jurisprudência dos Tribunais Superiores venha aos poucos, mais que a própria legislação, enfraquecendo as conquistas históricas dos trabalhadores brasileiros. A última tentativa de precarização das relações de trabalho foi a aprovação do art. 129 da chamada MP do Bem, que sugere a "legalidade" da contração de verdadeiros empregados com a roupagem de pessoas jurídicas unipessoais, para a prestação de trabalho intelectual. Como o novo dispositivo não explicita os contornos e limites de tal contratação, deve-se esclarecer que a regra geral para a contratação de qualquer trabalhador é a do contrato de emprego, isto é, da assinatura da carteira de trabalho. A eventual substituição do quadro de empregados por trabalhador que se reveste da nova figura da pessoa jurídica unipessoal certamente será considerada ilegal caso o trabalhador recorra à Justiça do Trabalho.
Este novo modelo de contratação promete a redução das obrigações sociais, mas tal milagre se afigura por meio da transferência dos encargos e das contribuições sociais para o próprio trabalhador, reduzindo seu ganho e concentrando ainda mais a renda, o que acarretará, certamente, a geração de milhares de ações trabalhistas questionando a legalidade e a constitucionalidade dos contratos com pessoa jurídica. Por isso, a Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados daJustiça do Trabalho - deliberou ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade no STF contra o artigo 129, por ferir, dentre outros, o princípio constitucional que veda a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.
O Dia Internacional dos Direitos Humanos parece ser a melhor oportunidade para refletir sobre a vida, a liberdade e o trabalho como valores fundamentais e para entender que a dignidade do ser humano não deve ser o preço pago pelo desenvolvimento econômico.