Sumári
01. Introdução. 02. Conceito e denominação. 03. Importância do Tema. 04. Distinção do Assédio Moral para o Assédio Sexual e o Dano Moral. 05. Classificação. 06. Elementos caracterizadores. 06.01. Conduta abusiva. 06.02. Natureza Psicológica do Atentado à Dignidade Psíquica do Indivíduo. 06.03. Reiteração da Conduta. 06.04. Finalidade de Exclusão. 06.05. Algumas palavras sobre a Necessidade ou não de Dano Psíquico-Emocional. 07. Casuística. 08. Conseqüências do Assédio Moral. 08.01. Do ponto de vista da vítima. 08.01.01. Seqüelas Físicas e Psicológicas. 08.01.02. Caracterização da despedida indireta. 08.01.03. O dano moral e sua reparação. 08.02. Do ponto de vista do assediante. 08.02.01. Justa causa. 08.02.02. Responsabilidade patrimonial. 08.02.03. Conseqüências criminais. 08.03. Do ponto de vista do empregador. 08.03.01. Conseqüências pecuniárias diretas. a) Custo do absenteísmo. b) Queda de produtividade. c) Rotatividade da mão-de-obra. 08.03.02. Responsabilidade civil. a) Responsabilidade Civil do Empregado em Face do Empregador. b) O Litisconsórcio Facultativo e a Denunciação da Lide. c) Responsabilidade Civil do Empregador por Dano ao Empregado. 09. Combate. 10. Considerações Finais. 11. Referências.
01. Introdução.
Falar sobre assédio moral é, em verdade, dissertar sobre um tema que remonta a tempos imemoriais e que, há bem pouco tempo, poderia ser encarado como um exagero ou uma suscetibilidade exacerbada.
De fato, encarar seriamente o assédio moral como um problema da modernidade é assumir que os valores de hoje não podem ser colocados na mesma barema de outrora, uma vez que a sociedade mudou muito a visão da tutela dos direitos da personalidade.
E é disso mesmo que se trata o assédio moral: uma violação ao um interesse juridicamente tutelado, sem conteúdo pecuniário, mas que deve ser preservado como um dos direitos mais importantes da humanidade: o direito à dignidade.
02. Conceito e denominação.
O assédio moral pode ser conceituado como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social.
Este nosso conceito busca um sentido de generalidade, pois o assédio moral não é um "privilégio" da relação de emprego, podendo ser praticado em qualquer ambiente onde haja uma coletividade, como, por exemplo, em escolas, comunidades eclesiásticas, corporações militares, entre outros.
Na relação de trabalho subordinado, porém, este "cerco" recebe tons mais dramáticos, por força da própria hipossuficiência de um dos seus sujeitos, em que a possibilidade de perda do posto de trabalho que lhe dá a subsistência faz com que o empregado acabe se submetendo aos mais terríveis caprichos e desvarios, não somente de seu empregador, mas até mesmo de seus próprios colegas de trabalho.
Por isso mesmo, os autores que têm se debruçado sobre a questão acabam sempre conceituando o fenômeno dentro do campo das relações de trabalho.
Neste sentido, Marie-France
Hirigoyen entende o assédio moral como sendo "toda e
qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por
comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que
possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à
integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em
perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho"
.
No mesmo diapasão, é o conceito elaborado por Sônia
Aparecida Costa Mascaro Nascimento, que afirma que o
"assédio moral se caracteriza por ser uma conduta
abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a
dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e
que expõe o trabalhador a situações humilhantes e
constrangedoras, capazes de causar ofensa à
personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e
que tenha por efeito excluir a posição do empregado no
emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante
a jornada de trabalho e no exercício de suas funções"
.
Por fim, vale registrar que a expressão "assédio moral" é, sem sombra de dúvida, a mais conhecida. Todavia, a título de informação, saliente-se que tal fenômeno é também denominado como mobbing (Itália, Alemanha e países escandinavos), bullying (Inglaterra), harassment (Estados Unidos), harcèlement moral (França), ijime (Japão), psicoterror laboral ou acoso moral (em países de língua espanhola), terror psicológico, tortura psicológica ou humilhações no trabalho (em países de língua portuguesa).
03. Importância do Tema.
O tema do assédio moral se encontra na "crista da onda".
De fato, o enorme interesse despertado sobre o tema, na contemporaneidade, se revela na imensa quantidade de publicações destinadas ao esclarecimento e estudo da matéria.
A própria Organização Internacional do Trabalho, em seus periódicos mais recentes, tem reservado grande espaço para a análise deste complexo fenômeno que pulula em diversos países.
Independentemente disso, vale salientar que a própria preocupação mundial com o problema é, por si só, um grande sinal de sua importância, uma vez que mostra que a atenção dos juslaboralistas modernos não se resume ao conteúdo patrimonializado da relação trabalhista, mas sim a uma efetiva tutela dos interesses das pessoas envolvidas nesta "elétrica" relação jurídica.
04. Distinção do Assédio Moral para o Assédio Sexual e o Dano Moral.
Um ponto extremamente relevante, na visão introdutória sobre o assédio moral, é a sua distinção para o assédio sexual e para o dano moral.
De fato, qualquer uma das formas de assédio (tanto sexual, quanto moral) traz, em seu conteúdo, a idéia de cerco.
Todavia, a diferença essencial entre as duas modalidades reside na esfera de interesses tutelados, uma vez que o assédio sexual atenta contra a liberdade sexual do indivíduo, enquanto o assédio moral fere a dignidade psíquica do ser humano.
Embora ambos os interesses violados sejam direitos da personalidade, não há que se confundir as duas condutas lesivas, embora seja possível visualizar, na conduta reiterada do assédio sexual, a prática de atos que também atentam contra a integridade psicológica da vítima.
Já a noção de dano moral, definitivamente, não pode ser confundida com o assédio.
De fato, o assédio, seja sexual ou moral, é uma conduta humana, como elemento caracterizador indispensável da responsabilidade civil, que gera potencialmente danos, que podem ser tanto materializados, quanto extrapatrimoniais.
O dano moral é justamente este dano extrapatrimonial que pode ser gerado pelo assédio, ou seja, a violação de um direito da personalidade, causada pela conduta reprovável ora analisada.
05. Classificação.
Toda classificação varia de acordo com a visão metodológica de cada autor.
Todavia, no campo do assédio moral, é possível se visualizar três modalidades básicas, a saber o assédio moral vertical, horizontal ou misto.
O assédio vertical é aquele praticado entre sujeitos de diferentes níveis hierárquicos, envolvidos em uma relação jurídica de subordinação.
Trata-se da modalidade mais comumemente admitida de assédio moral, dada a desigualdade entre os sujeitos envolvidos.
Quando praticado pelo hierarquicamente superior, com intuito de atingir o seu subordinado, denomina-se vertical descendente, em razão do sentido adotado pela conduta.
Por sua vez, vertical ascendente será, quando o hierarquicamente inferior agir com intuito de assediar o seu superior. Esta violência de "baixo para cima" não é tão rara como se possa imaginar, a primeira vista. Como exemplos, podemos citar situações em que alguém é designado para um cargo de confiança, sem a ciência de seus novos subordinados (que, muitas vezes, esperavam a promoção de um colega para tal posto). No serviço público, em especial, em que os trabalhadores, em muitos casos, gozam de estabilidade no posto de trabalho, esta modalidade se dá com maior freqüência do que na iniciativa privada.
Já o assédio horizontal é aquele praticado entre sujeitos que estejam no mesmo nível hierárquico, sem nenhuma relação de subordinação entre si.
Frise-se que, assim como no vertical, a conduta assediadora pode ser exercida por uma ou mais pessoas contra um trabalhador ou um grupo destes, desde que, seja este grupo determinado ou determinável, não se admitindo a indeterminabilidade subjetiva (exempl toda a coletividade). Afinal, a conduta hostil e excludente do assédio moral, diante de sua característica danosa, será sempre dirigida a um funcionário específico ou a um grupo determinado para atingir sua finalidade.
Já o assédio moral misto exige a presença de pelo menos três sujeitos: o assediador vertical, o assediador horizontal e a vítima. Pode-se dizer que o assediado é atingido por "todos os lados", situação esta que, por certo, em condições normais, se torna insustentável em tempo reduzido.
06. Elementos caracterizadores.
Na falta de uma previsão legal genérica sobre assédio moral no ordenamento jurídico brasileiro, uma adequada visão metodológica da matéria impõe, para a fixação de claros limites para a sua caracterização, o destrinchar do conceito doutrinário propugnado, de forma a permitir uma efetiva compreensão do instituto.
Como conceituamos assédio moral como "uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social", podemos extrair quatro elementos, a saber:
a) Conduta abusiva;
b) Natureza psicológica do atentado à dignidade
psíquica do indivíduo;
c) Reiteração da Conduta;
d) Finalidade de exclusão.
Alguns autores insistem em colocar a necessidade de um dano psíquico-emocional como imprescindível para a caracterização do assédio moral. Embora não concordemos com tal concepção, faremos algumas breves observações sobre a necessidade ou não de tal demonstração.
06.01. Conduta abusiva.
A concepção de conduta abusiva aqui utilizada se refere ao abuso de direito como ato ilícito, na forma propugnada pelo art. 187 do vigente Código Civil brasileiro.
Isto porque o convívio humano enseja o estabelecimento de laços de amizade e camaradagem, em que brincadeiras podem ser feitas de forma livre.
Todavia, quando tais gracejos extrapolam os limites do aceitável, adentra-se ao campo do abuso de direito, que deve ser duramente reprimido, como ato ilícito que efetivamente é.
06.02. Natureza Psicológica do Atentado à Dignidade Psíquica do Indivíduo.
O campo de investigação do assédio moral reside na violação a direitos da personalidade do indivíduo, com prática de atos atentatórios à sua dignidade psíquica.
Quando a conduta afeta também aspectos corpóreos do ser humano, pode-se verificar a ocorrência de algum outro tipo de ato ilícito, qual seja, a agressão física ou o esbulho patrimonial, entre outros.
Este é um elemento bastante relevante, pois poderá delimitar o campo de alcance da eventual reparação que se pretender em juízo.
06.03. Reiteração da Conduta.
O assédio moral se caracteriza, visivelmente, através da prática de condutas repetitivas e prolongadas, de conteúdo ofensivo e/ou humilhante.
Como regra geral, tanto o assédio moral, quanto o sexual depende, para a sua configuração, de que a conduta do assediante seja reiterada.
É sempre importante mencionar que a idéia de assédio lembra "cerco", o que, normalmente, não é algo tópico ou esporádico...
Um ato isolado geralmente não tem o condão de caracterizar, doutrinariamente, tal doença social.
Na situação do assédio sexual, há, de fato, precedentes jurisprudenciais no Direito Comparado que entendem que se a conduta de conotação sexual do assediante se revestir de uma gravidade insuperável (como, por exemplo, em casos de contatos físicos de intensa intimidade não aceitável socialmente), é possível o afastamento deste requisito.
Como nos informa, com sua autoridade peculiar, Alice Monteiro de Barros, "o Tribunal do Reino Unido, no caso Bracebridge Engineering Ltd. x Darby, entendeu que um só incidente é suficientemente grave para se aplicar a lei contra discriminação sexual. A propósito, a legislação da Costa Rica assegura a possibilidade do assédio sexual configurar-se pela prática de uma única conduta, desde que seja grave."
Apesar deste "desprezo jurisprudencial" por este requisito, a sua menção nos parece fundamental, uma vez que, salvo eventual divergência fundamentada em direito positivo (em que valerá o brocardo dura lex, sede lex), é sintomática a observação de que o afastamento deste requisito se dá sempre como exceção.
Isto não implica, por certo, que o dano decorrente de único ato ofensivo não venha a ser reparado. O que se quer dizer é que, em síntese, tal conduta danosa não deve ser tida como assédio moral.
06.04. Finalidade de Exclusão.
O elemento anímico, no assédio moral, não pode ser desprezado.
Com efeito, a conduta abusiva e reiterada, atentatória à dignidade psíquica do indivíduo, deve ter por finalidade a exclusão da vítima do ambiente.
Ressalte-se que essa finalidade pode ser implícita ou explícita, pois, em verdade, se a manifestação é expressa no sentido de afastar a vítima do ambiente social, nenhuma dificuldade se tem na verificação da ocorrência do assédio moral.
Todavia, a questão é muito mais profunda do que se possa imaginar, à primeira vista, uma vez que tal finalidade pode ser extraída dos fatos postos em juízo, mesmo quando a intenção declarada ao público é diametralmente oposta.
É o caso, por exemplo, das campanhas motivacionais tão incensadas no meio empresarial, notadamente nos ramos destinados a vendas.
Se há a intenção de motivar o trabalhador para o alcance de metas, que se estimule ou premie os melhores, de forma a fazer com que aqueles, que não tiveram o mesmo êxito, busquem lograr tal galardão. Contudo, é inaceitável a imposição de "brincadeiras" que exponham a vítima ao ridículo.
Algumas dessas situações serão abordadas no tópico de casuística deste artigo.
06.05. Algumas palavras sobre a Necessidade ou não de Dano Psíquico-Emocional.
Sendo o assédio moral a conduta lesiva; o dano psíquico-emocional deve ser entendido como a conseqüência natural da violação aos direitos da personalidade da vítima.
Note-se, portanto, que a necessidade do dano não é um elemento da caracterização do assédio moral, mas, sim, da responsabilidade civil decorrente de tal conduta.
Neste ponto, discordamos da ilustre e culta colega Sônia A. C. Mascaro Nascimento, ao afirmar que "a configuração do assédio moral depende de prévia constatação da existência do dano, no caso, a doença psíquico-emocional. Para tanto, necessária a perícia feita por psiquiatra ou outro especialista da área para que, por meio de um laudo técnico, informe o magistrado, que não poderia chegar a tal conclusão sem uma opinião profissional, sobre a existência desse dano, inclusive fazendo a aferição do nexo causal"
De fato, a doença psíquico-emocional, como patologia, pode advir do assédio, mas não necessariamente ocorrerá, nem é elemento indispensável, pois o que é relevante, na caracterização do mobbing, é a violação do direito da personalidade, cuja materialização ou prova dependerá do caso concreto.
07. Casuística.
Nossa atuação profissional tem nos permitido conhecer situações de assédio moral nos mais diversos rincões do país.
Embora tenhamos, em nossos arquivos, cópias de sentenças e de outras peças processuais comprovadores dos fatos que a seguir serão relacionados, optamos por omitir as fontes, preservando a intimidade dos envolvidos.
O elemento comum, porém, em todos os processos, que pululam em pontos diversos da jurisdição nacional, é que a finalidade de exclusão era apenas implicitamente reconhecida, pois todas se travestiam de campanhas motivacionais de alcance de metas empresariais.
No estado da Bahia, por exemplo, em diversos processos judiciais, foi constatada a ocorrência de uma campanha motivacional em que os empregados que não alcançavam a meta tinham de ficar, em um auditório, posicionados nas últimas cadeiras, sendo taxados de "morcegões", "vampiros" ou "sanguessugas", pois estariam, supostamente, "tirando o sangue da equipe", ao não alcançar a meta pretendida.
Ainda no mesmo estado, o
Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil
pública em face de uma indústria local de bebidas, pois
a conduta assediadora do seu gerente de vendas, em
relação a seus colegas de trabalho chegou ao cúmulo de
queimar as nádegas de uma funcionária, que foi -
pasmem! - oferecida como "prêmio" aos vendedores que a
atingissem determinada cota mensal de vendas ou a
clientes que adquirissem os produtos da empresa.
No estado de Sergipe, uma conhecida empresa fazia
pequenos quadros do seus vendedores menos produtivos,
segurando um "excremento de brinquedo", para
destacá-los como os funcionários que foram uma "m...",
como consta no depoimento do próprio preposto da
empresa reclamada.
No estado de Santa Catarina, a "brincadeira" era mais "ingênua"... Os vendedores que não alcançassem a meta deveriam dançar a conhecida canção "Na Boquinha da Garrafa" perante todos os seus colegas...
Em São Paulo, a exposição ao ridículo, em determinada empresa, variava entre desfilar de saias (para os vendedores do sexo masculino) até mesmo se submeter à "brincadeira" (brincadeira só tem graça quando todos se divertem...) do "corredor polonês" (todos os vendedores se posicionavam em duas filas e as vítimas passavam correndo entre eles, sob pauladas...)
Definitivamente, não há limites para a criatividade humana quando quer violentar direitos...
08. Conseqüências do Assédio Moral.
O estudo das conseqüências do
assédio moral, assim como do sexual, na relação de
emprego deve ser procedido de forma sistemática, de
acordo com o protagonista envolvido.
Isto porque, sem sombra de dúvida, as conseqüências
serão diferenciadas para a vítima (empregado
assediado), para o assediador (caso este não seja o
empregador pessoa física) e para a empresa envolvida
com o assédio moral.
Neste tópico, esclarecemos que
estamos abordando as conseqüências genéricas da
ocorrência do assédio, tomando como base a idéia de ser
um empregado assediado por um colega de trabalho, o
que acarretará conseqüências também para a empresa
empregadora.
Vale destacar, porém, que é possível uma variação
dessas conseqüências nas hipóteses do assediador ser o
próprio empregador ou, em situação excepcional
extrema, o assédio partir do empregado contra o
empregador.
Vejamos, portanto, estas conseqüências, de acordo com as peculiaridades de cada ator desta tragédia social, que é o assédio moral.
08.01. Do ponto de vista da vítima
As conseqüências mais dramáticas do assédio são reservadas, sem sombra de qualquer dúvida, para a vítima da conduta abusiva reiterada (e rejeitada) de natureza psicológica.
De fato, em primeiro lugar, a própria interferência na relação de trabalho em si gera, quase sempre, um evidente prejuízo no rendimento do(a) trabalhador(a), pois cria um ambiente laboral inadequado, com extrema pressão psicológica.
Além disso, a divulgação do fato, ainda que de forma restrita ao âmbito da empresa, não deixa de afetar a intimidade da vítima, seja pelos comentários dos colegas de trabalho, seja através das próprias investigações internas sobre o caso. Isto sem falar em eventuais represálias (também caracterizadoras de reparação de danos morais e materiais), como, por exemplo, recusa de promoções, transferência de função ou de locais de trabalho ou, até mesmo, a despedida direta.
É preciso ter em mente, portanto, que o assédio é, em qualquer uma de suas espécies, uma ofensa para a vítima, na sua dignidade como pessoa.
08.01.01. Seqüelas Físicas e Psicológicas
O assédio pode ser encarado como um trauma na vida do indivíduo.
Isto porque gera, muitas vezes, seqüelas físicas e psicológicas de tal ordem na vítima, que lembram cicatrizes, pois podem até não doer tanto no futuro, mas ficarão indelevelmente marcadas na história daqueles indivíduos.
Dentre estas seqüelas, tem-se observado que a maioria das pessoas ofendidas passou a padecer das formas mais graves de tensão, ansiedade, cansaço e depressão, com a necessidade médica de tratamentos, particularmente de natureza psicológica.
Uma investigação realizada pela Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOSL) concluiu, em relação ao assédio sexual, que o mesmo produzia um meio de trabalho tenso e hostil, observando-se nas vítimas, por meio dos estudos médicos realizados, dores de cabeça, pescoço, estômago e costas, com uma diminuição considerável da concentração e um manifesto desinteresse pelo trabalho, com o surgimento/aprofundamento de sintomas como insônia, indiferença e depressão , o que demonstra a correlação desta figura com a segurança, saúde, integridade física e moral das pessoas.
08.01.02. Caracterização da despedida indireta
O assédio também caracteriza, do ponto de vista do direito positivo brasileiro, uma hipótese de despedida indireta (ou demissão forçada, como prefere denominá-la José Martins Catharino) do(a) trabalhador(a).
Seu enquadramento se dará, em regra, na alínea "e" ("praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama") do artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho.
A depender, porém, da situação fática correspondente, o enquadramento poderá se dar na alínea "c" ("correr perigo manifesto de mal considerável"), caso seja admitida, pelo direito positivo brasileiro, a hipótese de tentativa de assédio moral.
Ressalte-se, porém, que a despedida indireta é sempre uma situação de extrema delicadeza, pois significa, em última análise, que a situação laboral se deteriorou de tal forma que o trabalhador prefere abrir mão de seu posto de trabalho - fonte normalmente única de sua subsistência - a continuar se submetendo às condutas que lhe são impostas pelo empregador ou seus prepostos.
08.01.03. O dano moral e sua reparação
A esfera extra patrimonial dos
indivíduos é profundamente violentada com a prática do
assédio.
De fato, o cerceamento dos valores da dignidade e da
liberdade fere profundamente um âmbito da
personalidade do ser humano que não pode ser reduzido
pecuniariamente.
A fórmula encontrada pelo ordenamento jurídico para reparar tal dano foi a possibilidade jurídica de estipulação de uma compensação, não necessariamente pecuniária (apesar de ser, frequentemente, a mais adotada), para tentar amenizar a dor sofrida pela vítima. Esta sanção pelo dano moral poderá, inclusive, consistir em uma retratação ou desagravo público, o que, de certa forma, também compensa a dor sentida pela vítima.
Assim sendo, a reparação civil por danos morais é constantemente invocada quando se fala em assédio moral, havendo, inclusive, quem denuncie a existência de uma "indústria" de milionárias indenizações por danos morais.
Vale destacar, porém, que o pleito poderá versar tanto pelo dano moral, quanto o material, com fundamento em violação do direito à intimidade, assegurado no art. 5°, X, da Constituição Federal de 1988 .
Destacamos o sub-tópico do dano moral em relação aos itens anteriores, pelo fato de que o mesmo pode decorrer não somente do assédio moral em si, mas também das eventuais represálias perpetradas pela recusa da vítima (tais como recusa de promoções, transferências de função ou local de trabalho, despedida etc.), o que é ainda mais agravado quando, em que pese ser denunciada a conduta indesejada e reiterada de natureza psicológica, não são adotadas, em troca, quaisquer medidas, durante a vigência da relação de direito material, contra o ofensor.
08.02. Do ponto de vista do assediante
O ordenamento jurídico não pode, nem deve deixar que o assediante, violentador da dignidade da vítima, fique impune pelos atos praticados.
As conseqüencias para o assediante
podem ser analisadas sob três ordens: trabalhista
(caracterização de justa causa para a extinção do
vínculo empregatício), civil (responsabilidade
patrimonial direta pelo dano causado) e criminal
(aplicação de sanções penais, caso os atos praticados
se enquadrem em tipo previamente existente).
Vejamos, pois, estas conseqüências.
08.02.01. Justa causa
No assédio moral praticado por empregado contra colega de trabalho, a hipótese é, visivelmente, de justa causa para a extinção do contrato de trabalho, com fundamento no artigo 482, alínea "j" ("ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em legítima defesa, própria ou de outrem") da Consolidação das Leis do Trabalho.
08.02.02. Responsabilidade patrimonial
Em matéria de assédio (tanto sexual, quanto moral), alguns ordenamentos jurídicos, no Direito Comparado, albergam previsões de responsabilidade patrimonial do empregado assediador, independentemente da responsabilidade patrimonial da empresa .
Esta é uma medida das mais louváveis, uma vez que o efetivo violador da moralidade média foi o empregado, e não diretamente a empresa empregadora.
Todavia, tal disciplina muitas vezes impossibilita a efetiva reparação dos danos, por falta de condições financeiras do agente assediante.
No Brasil, a sistemática do direito positivo trouxe previsão de responsabilidade civil objetiva do empregador pelos atos dos seus prepostos, independentemente e sem prejuízo da possibilidade de responsabilização direta do agente causador do dano, conforme verificaremos em tópico posterior, em que esmiuçaremos a matéria.
Todavia, isto não exclui, a possibilidade de uma ação própria, ainda que regressiva, do empregador contra o empregado assediante/assediador, para ressarcimento dos gastos que teve pelo ato imputável a este empregado.
Acreditamos que é possível, inclusive, a denunciação da lide do empregado assediante, na ação ajuizada pelo empregado assediado contra a empresa, de forma a verificar especificamente a delimitação de responsabilidades pelo ato discutido em juízo.
Este nosso posicionamento, inclusive, nos parece respaldado pela previsão do `PAR`1º do art.462 consolidado - que traz a regra geral sobre a possibilidade de descontos no salário do trabalhador ("Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de contrato coletivo.") - que expressamente preceitua: "Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado."
Não se deve erigir a grau absoluto a responsabilidade objetiva do empregador quanto ao assédio praticado nas relações de trabalho por seus agentes ou prepostos, pois isto seria instituir um enorme risco à atividade empresarial, estimulando uma verdadeira febre de indenizações, sem responsabilizar os autores diretos do atos considerados ilícitos, sob a perspectiva da dignidade psíquica.
Estas idéias serão melhor trabalhadas em tópico posterior.
08.02.03. Conseqüências criminais
Além das conseqüências trabalhistas (justa causa) e civil (responsabilidade patrimonial) do empregado assediador, é possível existir, ainda, uma responsabilização criminal, caso a conduta ou os atos praticados se enquadrem em alguma das previsões tipificadas no vigente Código Penal brasileiro.
08.03. Do ponto de vista do empregador
O assédio prejudica também, e de vários modos, a empresa empregadora, ocasionando absenteísmo, queda de produtividade e substituição de pessoal, além da possibilidade concreta de responsabilização patrimonial - em condenações judiciais por danos morais e materiais - por força dos atos de seus empregados (assediadores).
08.03.01. Conseqüências pecuniárias diretas
Em termos de organização empresarial, o assédio gera, normalmente, diversas conseqüências peculiares diretas, a saber, o custo do absenteísmo, a queda de produtividade e a rotatividade da mão-de-obra.
Analisemos, ainda que rapidamente, estas três conseqüências.
a) Custo do absenteísmo
Os empregados assediados tendem a
faltar ao serviço, ainda que muitas vezes formalmente
sem justificação, como uma forma de "escapar" do
comportamento assediador de seus algozes.
De fato, não é raro também o afastamento, com a
suspensão do contrato de trabalho, mediante a
apresentação de atestados médicos,
demonstrando/comprovando situações em que o os
empregados (assediados) necessitam de afastamento do
local de trabalho.
Ressalte-se que não se trata aqui de falsificação de atestados médicos, mas sim a manifestação direta das seqüelas físicas e psicológicas a que os assediados estão sujeitos, levando-os à somatização de suas apreensões, com o surgimento de doenças que justificam o afastamento do trabalho.
Esta ausência dos trabalhadores é bastante grave para a empresa, principalmente se o trabalhador for especializado na sua atividade, não havendo como substituí-lo imediatamente, o que leva a uma conclusão apriorística de que o assédio moral de empregados que exercem funções com conhecimento especializado é muito mais danoso à empresa do que o relativo a outras situações.
b) Queda de produtividade
Ainda que o trabalhador permaneça laborando no seu local