* Desembargador do TRT/PI, mestre e doutor em Direito
Nos últimos tempos, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, vem defendendo a ideia de que supremas cortes desempenham três grandes papéis em uma democracia: contramajoritário, representativo e iluminista. O primeiro quando declara a inconstitucionalidade de uma lei. O segundo quando atende demandas sociais que não foram satisfeitas a tempo pelos poderes públicos. O terceiro quando, em momentos cruciais do processo civilizatório, a razão humanista precisa impor-se sobre o senso comum majoritário. Este é o papel que o ministro Barroso, reiteradamente, reivindica para a Suprema Corte brasileira, o STF, como deixa claro, dentre outros, em artigo publicado na Ilustríssima, da Folha de São Paulo (25/2/18).
Para a opinião pública, mormente para o cidadão comum, essas ideias podem parecer técnicas e de difícil compreensão, talvez porque distantes da vida real das pessoas. Mas no momento complexo e convulsionado em que vive o Brasil, representam ideias-força que podem contribuir para a superação das crises e dificuldades que impedem o avanço social. Como ressalta o ministro Luís Roberto Barroso, na contemporaneidade dá-se a confluência entre a democracia representativa e a democracia deliberativa. Mais do que votos, o exercício legítimo do poder pressupõe bons argumentos, expostos em debate público amplo e aberto, ao fim do qual podem ser avaliadas as razões das opções feitas.
Essa discussão assume especial relevância na atualidade, sobretudo diante da crescente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade das instituições políticas. Os Poderes Legislativo e Executivo têm sérias limitações para o atendimento da multiplicidade de demandas da sociedade e para realização dos princípios e valores constitucionais, que correspondem ao mínimo ético e à reserva de justiça de uma sociedade. Em outras palavras, aqui se fala dos compromissos constitucionais ainda não cumpridos e para os quais, em certa medida, pesa o fato de essas instituições estarem sujeitas à captura por certos interesses políticos ou econômicos, sobrepondo-os aos interesses sociais e coletivos.
Nesse contexto, ao lado das funções contramajoritária e representativa, por meio das quais invalidam leis e atendem demandas da sociedade, supremas cortes desempenham papel iluminista. De acordo com o ministro, essa função deve ser exercida em conjunturas nas quais é preciso empurrar a história, fazendo do direito um espaço para promover o avanço social. Para Barroso, no Brasil, embora não isento de críticas por parte de alguns estudiosos do assunto, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem exercendo bem esse papel. Neste sentido, destacam-se algumas decisões como o fornecimento gratuito de medicamentos para doentes sem recursos financeiros e a validação de ações afirmativas para setores vulneráveis da sociedade.
Essas decisões justificam-se porque, como defende o ministro Luís Roberto Barroso, em certas circunstâncias, cortes constitucionais devem exercer o papel de vanguarda iluminista, encarregada de empurrar a história quando ela emperra, promovendo, em nome de valores racionais, avanços civilizatórios. Mas para além de assegurar certos avanços, superando preconceitos e discriminações, no Brasil de hoje o principal papel a ser desempenhado pelo STF é o de evitar a consumação de graves retrocessos sociais, em que o Direito retoma o antigo papel histórico de exclusão e segregação de pessoas e coletividades.
Os trabalhadores brasileiros, vencidos num processo político relâmpago que levou à aprovação de uma reforma trabalhista que produziu mais de duzentas alterações na legislação social (CLT), estão sendo deixados para trás. Com a eliminação ou a redução de conquistas sociais históricas, estão sendo condenados ao desamparo e entregues à própria sorte. Com trabalho mais precário, jornadas maiores, menos direitos e menores salários, isso tende a produzir o empobrecimento dos trabalhadores e desigualdade social, privando a grande maioria da população dos meios adequados para garantia de sua sobrevivência com dignidade.
O Supremo Tribunal Federal, como guardião das promessas constitucionais, tem a grave responsabilidade de assegurar o respeito aos valores humanistas e sociais que envolvem o trabalho humano. Atualmente, há pelo menos dezoito ações diretas de inconstitucionalidade em face da lei da reforma trabalhista que aguardam a palavra final da Suprema Corte. A sorte da dignidade de milhões de trabalhadores depende do julgamento destas ações. O STF, ao almejar ser a vanguarda iluminista, precisa ao menos cumprir seu dever básico de guardião do patamar civilizatório mínimo já alcançado pelos trabalhadores brasileiros. Para isso, nem precisa ser iluminista. Basta que exerça bem sua função contramajoritária, expurgando as muitas inconstitucionalidades contidas na lei da reforma trabalhista.