* Artigo publicado, originalmente, no jornal O Dia (RJ), em 12/10/2016
Os tempos de crise não parecem ser os melhores para profundas mudanças estruturais, mesmo que desejáveis. Por outro lado, os tempos de bonança, geralmente não são atraentes para propostas de transformação significativas, afinal, tudo parece em sintonia. Esse dilema tem nos acompanhado faz muito tempo e novamente nos deparamos com a discussão sobre a reforma trabalhista, agenda que não encontrou ressonância política desde a restauração da democracia nos anos 1980.
Dentro desse contexto foi publicamente levantada à hipótese de que a atuação da Justiça do Trabalho pode estar afetando a competitividade das empresas, o que seria um obstáculo para a criação e a preservação de empregos.
Antes de tudo, vale observarmos que a intervenção dessa Justiça Especializada nas relações de trabalho esteve longe de ser disfuncional ao mercado, bastando lembrar que vivemos impulsos de euforia e crescimento econômico em diversos momentos, sem qualquer alteração significativa desse modelo. Vale o registro de que a sua atuação nos permitiu manter um nível de civilidade nessa relação entre patrões e empregados, garantindo direitos mínimos para esses últimos.
Por outro lado, segundo os diagnósticos públicos existentes, a Justiça do Trabalho lida com um volume significativo de demandas nas quais figuram os chamados grandes litigantes, categoria onde estão incluídos o próprio Estado e empresas líderes de certos setores da economia. Para esse grupo, a administração dos passivos trabalhistas é vantajosa, especialmente em cenários de crise, quando os trabalhadores tendem a aceitar acordos em patamares menores. Assim, ao contrário da hipótese levantada, o congestionamento do sistema judicial laboral parece funcional justamente para esse grupo de grandes litigantes.
Em verdade, o peso que se pretende dar ao papel do sistema de justiça trabalhista dentro desse debate mais uma vez nos leva a desviar nossa atenção dos dramas cotidianos da população excluída do mercado de trabalho.
Sem uma estratégia clara e uma visão de futuro, novamente corremos o risco de deixarmos de enfrentar o problema central que, por certo, não passa pelos nossos tribunais trabalhistas.
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