Chegou à reta final no âmbito da Câmara dos Deputados em Brasília, sob a regência do seu Presidente, Dep. Eduardo Cunha, o Projeto de Lei n. 4330, substitutivo de autoria do Dep.Arthur Maia (SD/BA), cuja ideia central permite o desenvolvimento empresarial sem necessidade de manutenção de postos de trabalho próprios. Em outras palavras, o empresário brasileiro não precisará de empregados, doravante basta apenas a contratação de outro empresário. Este não comercializará bens ou serviços. A oferta será apenas de mão-de-obra.
É algo mágico! Promete impulsionar o Brasil aos píncaros dos países de economia competitiva, um berço esplendido de desenvolvimento, calcado na ideia de que não há por que exigir gastos com empregados próprios para explorar qualquer atividade econômica.
A promessa legislativa encontraria espaço nas obras literárias do chamado Realismo Fantástico. Gabriel Garcia Marques e Jorge Luís Borges, expoentes da referida escola, poderiam com maestria construir e desconstruir o tema. Na pintura, as tintas surreais de Salvador Dali cairiam bem no retrato do PL da Terceirização.
O primeiro dia de abril convida anualmente a um redobrado estado de alerta, a fim de não sairmos vitimados do exercício da "boa mentira", jocosamente praticada em casa, no trabalho, e nas ruas do bem-humorado Brasil.
Contam que a data a ganhou nossas praças com o lançamento em Minas Gerais do periódico 'A Mentira' em 1º de abril de 1829, cuja primeira falsa notícia versou sobre o falecimento de D. Pedro, por sinal, desmentida no dia seguinte. Noutra versão, claramente, mentirosa, os portugueses teriam instituído o dia da mentira em 1º de abril de 1.501, cansados das peças pregadas pelos indígenas com falsas notícias da existência de pedras preciosas em lugares inacessíveis.
Procede, entretanto, a informação de que a celebração dos valores da cultura indígena no dia 19 de abril restou incorporada ao nosso país pelo Decreto-Lei n. 5.540 de 1943, sancionado por Getúlio Vargas, aderindo ao deliberado no 1º Congresso Indigenista Interamericano de 1940, realizado na cidade do México. No mesmo ano, Getúlio Vargas sancionou a Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei n. 5.452 de 43. Nada parece ser por acaso neste mundo tropical.
Abril adentro e chegamos no dia 22, quando em 1.500, "descobriu-se um Brasil". Território até então povoado apenas pela natureza e suas leis, período melodicamente resumido nas doces palavras da Baby Consuelo: "antes que os homens pisassem nas ricas e férteis terras Brasilis, todo dia era dia de índio".
Rezada a primeira missa, os colonizadores decretaram logo que: todo dia era dia de trabalho do índio na exploração da descomunal e rica reserva do ouro vermelho! Os escravos da terra assumiram o corte do pau-brasil e o seu transporte para os navios portugueses, recebendo em troca roupas coloridas, espelhos, canivetes, facas, etc.
Os defensores do PL da Terceirização ampla do trabalho anunciam que sua aprovação desbravará uma mina de ouro de direitos trabalhistas. Pouco dizem sobre quais direitos serão acrescentados aos terceirizados; e muito omitem sobre a proteção legal já existente no Brasil para todos os trabalhadores, inclusive, os chamados terceirizados.
No site da Confederação Nacional das Indústrias, uma das apoiadoras do PL da terceirização, encontramos interessante entrevista. Nesta, o conhecido professor da USP, José Pastore, anuncia como uma grandiosa vantagem trazida pelo PL n. 4330: "o direito do terceirizado de utilizar as facilidades oferecidas pela contratante a seus próprios empregados, como refeitórios, serviço médico interno e transporte."
A novidade dos presentes ofertados aos índios nos primórdios da nação certamente despertou muito mais interesse. A séria verdade é que trabalhador terceirizado tem direito garantido o recebimento de férias, FGTS, salário mínimo, 13º, adicional noturno, salário-família, horas extras, aviso prévio, licenças gestante e paternidade, ambiente de trabalho seguro, adicionais de insalubridade e periculosidade, etc.
É o que garante o art. 7º da Constituição Cidadã, promulgada na primavera de 1988 como expressão do desejo de respirar o melhor da Dignidade, da Cidadania e da Democracia. A terceirização no Brasil encontra seus limites e efeitos bem definidos nas Leis n. 6.019/74 e 7.102/83, e na Jurisprudência pacificada da Justiça do Trabalho (Súmula n. 331 do TST).
Temos Leis em vigor destinadas a evitar a transformação do trabalhador em mercadoria posta na prateleira para uso e reuso de diversos tomadores. Aqui se cumpridas as promessas constitucionais jamais deveria vingar ou passar impunemente qualquer modelo de exploração do trabalhador capaz de despersonalizá-lo, retirar-lhe a identidade profissional, vilipendiar sua condição humana.
Condição humana quase sempre esquecida quando imposta sem peias a ideia da terceirização de atividade-fim das empresas, foco de proliferação de trabalho degradante, fértil em atentado aos direitos trabalhistas mínimos.
Duvida?
Pegue seu Smartphone, fabricado por felizes trabalhadores terceirizados de países distantes milhares de quilômetros e direitos do nosso, acione o Google ou a ferramenta de sua preferência, e pesquise os termos: "terceirização, bolivianos, trabalho".
Se tiver mais um tempinho, antes de calçar o seu tênis de marca, produzido naquela moderna fábrica terceirizada, localizada em países sem o "custo Brasil", pesquise: "acidentes de trabalho, óbito, trabalhadores terceirizados, ausência de treinamento".
A transformação em Lei do PL n. 4330, semeará a proliferação de empresas constituídas apenas de capital, sem quadro de trabalhadores treinados e sujeitos diretamente as suas próprias diretrizes.
Empresas de aviação sem pilotos para chamar de seus, transportadoras sem motoristas próprias, restaurantes sem cozinheiros vinculados aos seus cardápios. Empregos não serão criados, mas transformados em postos de trabalho terceirizados com salários cada vez mais baixos!
É preciso referir o 21 de abril. Lembramos a simbologia do grito de liberdade da Inconfidência Mineira, sufocado com a morte de Tiradentes no ano de 1972. Festejamos no mesmo 21 o aniversário de Brasília, "Capital da Esperança", fundada em 1960 onde se decide descobrir um Brasil novo a cada dia.
O PL 4330 tem salvação na própria Câmara dos Deputados, bastando vingar o acolhimento de alguns destaques, apresentados por partidos contrários ao texto do Deputado Arthur Maia.
Tais alterações restringem a terceirização para as atividades-meio, e impõem aos tomadores e fornecedores de mão-de-obra a responsabilidade direta pelos créditos devidos aos trabalhadores (responsabilidade solidária).
Se nada mudar no PL 4330 por obra dos Deputados da Câmara Federal na "Casa do Povo", vamos olhar e esperar a atuação dos nossos Senadores. Lembramos que ainda existe a caneta do veto republicano nas mãos da Presidente do Brasil para riscar um Projeto de Terceirização contrário ao interesse público e inconstitucionalidade.
E vingando o PL 4330 com mera oferta de espelhos e roupas coloridas, vamos ao menos cantar, quem sabe no próximo 1º de Maio: "Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos, Só pode exaltar." (Canção do Tamoio, Gonçalves Dias)
Temos Leis em vigor destinadas a evitar a transformação do trabalhador em mercadoria posta na prateleira para uso e reuso de diversos tomadores. Aqui se cumpridas as promessas constitucionais jamais deveria vingar ou passar impunimente qualquer modelo de exploração do trabalhador capaz de despersonalizá-lo, retirar-lhe a identidade profissional, vilipendiar sua condição humana