(*) Juiz do trabalho, titular da 3ª. Vara do Trabalho de Jundiaí/SP.
Do ponto de vista da abstração jurídica pode-se dizer que a proporcionalidade, conforme dito por Raquel Denise Stumm (STUMM, Raquel Denise. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora: 1995, p. 81), representa a realização de um “juízo de ponderação entre os pesos dos direitos e bens contrapostos deve ter uma medida que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins. (...) Decorre da natureza dos princípios válidos a otimização das possibilidades fáticas e jurídicas de uma determinada situação."
Filosoficamente, o tema nos remete, de forma necessária, à lembrança de que a razão humana foi uma das conquistas do iluminismo. O raciocínio lógico, a partir de regras matemáticas, favoreceu ao avanço da humanidade. A proporcionalidade é um desses métodos de raciocínio, que permitem comparar coisas de grandezas distintas, sem a perda da razão. A proporcionalidade trata-se, portanto, de uma conquista da racionalidade humana.
Falando na perspectiva exclusiva da matemática, a proporcionalidade, que atinge os conhecimentos da química e da física, é a mais simples relação entre grandezas, amplamente difundida e utilizada por meio da conhecida “regra de três”.
Vistas as coisas por esses ângulos e lembrando-se que a Constituição Federal assegurou a proporcionalidade como um princípio, é possível dizer que o aviso prévio proporcional, recentemente criado, trata-se, em verdade, de um aviso prévio desproporcional. Senão vejamos.
Diz o artigo 7º., da Constituição Federal que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (....) XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei”.
O texto, em questão, como se sabe, é de 1988, e até a poucos dias atrás não havia sido regulado por lei. De fato, tramitavam no Supremo Tribunal Federal quatro Mandados de Injunção, com o objetivo de suprir a lacuna deixada pelo legislador ordinário, até que, em junho de 2011, no julgamento do Mandado de Injunção n. 943, o Ministro Relator do processo reconheceu a omissão legislativa e pediu a suspensão do julgamento a fim de que possibilidades de regramento da matéria fossem estudadas.
O Congresso Nacional, então, se mobilizou para elaborar, ele próprio, o regramento a respeito do assunto.
Assim, em tempo recorde aprovou um projeto de lei que lá tramitava desde 1989, sendo seguido, também, muito rapidamente, pela sanção da Presidente da República.
Como se vê, não há qualquer grau de proporcionalidade na ação do Congresso Nacional. Aprovou em poucos dias, projeto que tramitava há 12 anos. Além disso, não foi impulsionado pela razão, mas pelo capricho de não ser superado pela iniciativa do Supremo.
Além disso, criou uma regra fora de qualquer parâmetro de proporcionalidade matemática. A Constituição é clara ao estipular que é direito dos trabalhadores o recebimento de um aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias. Ora, se um vínculo de emprego, como se sabe, já se forma com um dia trabalhado, e o aviso prévio é, segundo prevê a Constituição, de, no mínimo, trinta dias, como dizer que o aumento desse prazo em três dias a cada novo ano trabalhado seja um critério proporcional? E, mais ainda, como pode ser proporcional ao tempo de serviço um aviso prévio que resta limitado a noventa dias, desconsiderando, a partir daí, o próprio critério da vinculação ao tempo de serviço?
Até se poderia considerar válido o critério anual para o acréscimo do número de dias do aviso prévio, mas esse aumento deveria ser, segundo prevê a Constituição, proporcional. Assim, se por um ano trabalhado o período do aviso é de trinta dias, para mais um ano, o aviso deveria ser, atendendo a proporcionalidade, de sessenta dias e assim por diante.
Mas, o mais desproporcional mesmo é a importância que se tem dado ao tema em termos de publicações doutrinárias, jornalísticas e de mobilização dos trabalhadores, gerando complicadores irracionais.
Proporcionais, ou não, os termos da Lei n. 12.506/11 são muito simples:
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de serviço na mesma empresa.
Parágrafo único. Ao aviso prévio previsto neste artigo serão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias. – grifou-se
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 11 de outubro de 2011; 190o da Independência e 123o da República.
Mas, como dito, o que se viu na seqüência foi a instituição de um intenso debate, sobre os mais variados aspectos de interpretação e aplicação da lei.
No aspecto doutrinário, impressionou-me, de pronto, a forma como se inventou de contar o aviso prévio proporcional. Segundo alguns iluminados, não propriamente ligados ao iluminismo, só teria direito a mais três dias de aviso prévio o empregado que trabalhasse pelo menos 02 (dois) anos na empresa. Ora, o que diz a lei é que até um ano, o aviso é de trinta dias, sendo acrescido de 03 dias por ano de serviço. Assim, superado o primeiro ano de serviço o aviso prévio passa a ser de trinta e três dias.
Depois, discutiu-se se o aviso prévio proporcional já seria aplicável aos contratos vigentes, considerando o tempo já decorrido até o início da vigência da lei (13 de outubro de 2011). É claro que a lei, tendo aplicação imediata, atinge as relações de emprego em curso, não havendo qualquer ressalva na lei quando à desconsideração desse tempo das relações de emprego anterior.
E como seria feito o cálculo do aviso prévio nos casos de suspensão da relação de emprego, em que não há prestação de serviço e pagamento de salário, mas a relação jurídica permanece vigente? Muitos disseram que como a lei disse, expressamente, “ano de serviço prestado”, o tempo da suspensão não seria integrado ao cálculo do aviso prévio. Mas, é óbvio, que essa interpretação desnatura, ainda mais, a proporcionalidade do aviso. A proporção está ligada ao tempo de duração da relação de emprego, que é um dado objetivo e que atinge a todos os empregados, indistintamente. A suspensão da relação de emprego se dá como um direito do trabalhador e não como uma pena. A desconsideração do tempo de suspensão, para efeitos legais, só se justifica excepcionalmente, e como tal deve ter previsão expressa, do que não se trata.
Causou espécie, também, a discussão em torno de uma tal “reciprocidade”, pela qual se buscou sustentar que mesmo o empregado teria que se submeter ao aviso prévio proporcional, no caso de pedido de demissão.
Primeiro, cumpre insistir. É preciso de uma vez afastar da linguagem jurídica trabalhista essa história de que a cessação da relação de emprego por iniciativa do empregador chama-se “dispensa”, como se o empregado fosse jogado fora, e de que a cessação da relação jurídica por vontade do empregado denomina-se “pedido de demissão”, como se o empregado tivesse que ser submisso mesmo no momento em que, adotando-se o parâmetro da denominação advinda da iniciativa do empregador, estivesse “jogando fora” o empregador. Nos termos da nomenclatura utilizada, o empregado deve pedir para que, de fato, a relação seja cessada.
Segundo, vale lembrar. O aviso prévio proporcional é um direito do trabalhador, conforme previsto, expressamente, na Constituição Federal. Vale, a propósito, ler, novamente, o artigo 7º., da Constituição: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” – grifou-se.
Foi impressionante, também, a manifestação de resistência, posta midiaticamente, dos empregadores ao advento do aviso prévio proporcional, como se três dias a mais por ano no aviso prévio fosse o fim do capitalismo, embora bem saibamos o capitalismo não esteja lá essas coisas.
Mas, assustador mesmo foi ver a “festa” de alguns segmentos de sindicatos de trabalhadores em torno da “conquista”, ao ponto de ter havido um movimento, patrocinado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, para promoção de reclamações trabalhistas, visando o recebimento da proporcionalidade no que se refere a relações de emprego já cessadas nos últimos dois anos. Foram propostas, nas Varas do Trabalho de São Paulo, mais de 400 reclamações trabalhistas, em evento com visualização midiática.
Os sindicatos, assim, atolaram mais um pouco o Judiciário Trabalhista, dificultando a sua já complexa tarefa da efetiva entrega da prestação jurisdicional, para, em ato de natureza política, dizerem que estavam, de fato, defendendo os interesses dos trabalhadores, assumindo, de certo modo, a paternidade da nova lei.
Mas, primeiro, a tese jurídica é insustentável, pois a lei, bem se sabe, não retroage. Claro poderia ao longo dos tempos esse mesmo sindicato, ou outros, terem defendido a tese da aplicação do aviso prévio proporcional, constitucionalmente assegurado, independentemente do advento da lei infraconstitucional, visualizando a hipótese como uma inconstitucionalidade por omissão, ou defendendo a tese da eficácia plena dos preceitos constitucionais. Mas, não. Não fizeram nada disso e, agora, apresentam a referida tese que, em concreto, tem o objetivo de suprir, de forma retroativa, a própria omissão.
Omissão que, ademais, se mantém, pois que cumpriria ao movimento sindical, efetivamente preocupado com a evolução dos direitos dos trabalhadores, reduzir a importância do aviso prévio proporcional.
Ora, do ponto de vista do atendimento aos valores jurídicos consagrados na Constituição, essa “luta” pelo aviso prévio proporcional é inversamente proporcional, ou seja, desproporcional, ao que de fato se apresenta relevante aos trabalhadores e ao modelo econômico em geral: que é a preservação dos empregos.
A urgência, que vem desde outubro de 1988, e que continua sendo, é a da eficácia plena do inciso I, do art. 7º., da Constituição Federal, que garantiu aos trabalhadores a relação de emprego protegida contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos exatos termos da Convenção 158, da OIT.
Assim, se considerarmos a efetiva importância desse tema, aviso prévio proporcional, já escrevi demais.
São Paulo, 02 de agosto de 2012.