Mesmo previsto na CLT após a reforma trabalhista, os acordos extrajudiciais enfrentam resistência de alguns magistrados
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou ontem um ato normativo para uniformizar os requisitos para acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho, que nem sempre vem sendo aceitos pelos magistrados trabalhistas.
Mesmo previsto desde 2017 na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a edição da Reforma Trabalhista (Lei 13.467), os acordos extrajudiciais, para resolver pendências do contrato sem a necessidade de abertura de um processo judicial, enfrentam resistência de alguns magistrados.
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O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), por exemplo, chegou a publicar recomendações para que os acordos não tratassem da liberação do vínculo de emprego e para que a quitação de verbas limitasse aos direitos especificados na petição - o que, na prática, representava a proibição de quitação geral do contrato de trabalho.
A ideia, contudo, do CNJ, é que ao seguir os procedimentos padronizados no documento, esses acordos assegurem a quitação ampla, geral e irrevogável
Segundo o texto, o objetivo é construir uma via segura para que as partes possam solucionar eventuais disputas sobre direitos trabalhistas, de forma rápida, amigável e definitiva e reduzir a litigiosidade na Justiça trabalhista.
Em 2023, eram cerca de 5,4 milhões de processos pendentes na Justiça do Trabalho, segundo o último relatório divulgado "Justiça em Números", do CNJ. Mesmo patamar enfrentado antes da edição da Reforma Trabalhista (Lei 13.467 de 2017), quando havia 5,5 milhões de processos. Após a edição da norma, esses números caíram emÂ
2018 (4,9 milhões) e 2019 (4,5 milhões), mas voltaram a subir em 2020 (5,7 milhões) e se mantiveram relativamente estáveis em 2021 (5,6 milhões), 2022 (5,4 milhões) e no ano passado.
Segundo o CNJ, construção dessa essa minuta veio após amplo diálogo com representantes do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da academia, de centrais sindicais e de confederações patronais.
O ato normativo torna claros os requisitos para que acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho tenham efeito de quitação ampla, geral e irrevogável, incluindo a representação das partes por advogado ou sindicato, vedada a constituição de advogado comum, nos termos da legislação em vigor, como dispõe o artigo 1º. Do contrário, a eficácia liberatória será restrita aos títulos e valores expressamente consignados no instrumento, ressalvados os casos de nulidade, conforme artigo 2º.
Prevê-se, ainda, a impossibilidade de homologação apenas parcial de acordos celebrados. Por fim, institui um prazo de seis meses durante os quais as normas propostas só se aplicarão aos acordos superiores ao valor total equivalente a 40 salários mínimos na data da sua celebração (Hoje R$ 56.480). Esse montante consiste no valor médio aproximado dos acordos homologados pela Justiça do Trabalho em 2023. Decorridos os primeiros seis meses e avaliado o impacto, a norma poderá ser revista.
De acordo com o ato do CNJ, "espera-se que a litigiosidade trabalhista possa ser reduzida com a instituição de uma via segura para que as partes formalizem o consenso alcançado, com efeito de quitação ampla, geral e irrevogável, prevenindo o ajuizamento de reclamações." O ato foi assinado pelo presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, e pelo corregedor Nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques.
Opinião de especialistas
De acordo com o ministro aposentado do TST, Vantuil Abdala, a resolução parte da preocupação quanto ao volume enorme de ações na Justiça do Trabalho e procura regular a solução do conflito numa fase anterior ao ajuizamento da ação. Com esta resolução, Abdala afirma que as partes sabem, ou devem saber quais são os requisitos de validade para o acordo e igualmente o juiz já sabe em que hipóteses é cabível ou não.
"É uma orientação importante e válida tanto para as partes como para o poder judiciário a fim de evitar esse grande número de ações que podem chegar ao Judiciário tenham a uma solução satisfatória para ambas as partes, antes mesmo de que o litígio seja instaurado", diz.
Para a advogada Clarissa Lehmen, sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, de cordo com o texto, acordos celebrados entre empregador e empregado não permitirão o ajuizamento de ações trabalhistas futuras, desde que a avença seja devidamente homologada pela Justiça, garantidos direitos como assistência jurídica e sindical ao trabalhador e salvo algumas exceções (como no caso de sequelas ou doenças ocupacionais ignoradas no momento da homologação).
A Reforma Trabalhista, afirma, já trazia dispositivo nesse sentido, nos artigos 855-B a 855-E. "Porém, sabe-se que, na prática, muitos juízes do trabalho, inclusive de São Paulo, indeferem o pedido de homologação de tais acordos, mesmo com o atendimento dos requisitos legais" diz.Â
Para Clarissa, considerando os embates recentes entre Supremo Tribunal Federal (STF ) e Justiça do Trabalho, incluindo as discussões acerca da existência ou não de vínculo de emprego de trabalhadores de plataformas e pejotização, por exemplo, é possível que o recente ato normativo tenha a intenção de deixar clara à Justiça do Trabalho a posição do CNJ quanto ao tema.
O principal ponto, segundo a advogada, é justamente o artigo 3º, parágrafo 3º, que expressamente veda a homologação apenas parcial de acordos celebrados. "Esse é um ponto comum de dor para advogados, que ainda se veem obrigados a recorrer de decisões de homologação parcial de acordos - o que deixa em segundo plano justamente a segurança jurídica buscada por meio dessa espécie de composição", diz
De acordo com o advogado Henrique Melo, do NHM Advogados "toda aquela efetividade da homologação dos acordos, prevista na Reforma Trabalhista, foi retirada pelo Judiciário", diz. A grande pergunta, segundo Melo, é se esse ato normativo será acatado pelos Cejuscs. "Acaba sendo um puxão de orelha, principalmente em primeira instância, que não está homologando os acordos".
Já segundo a juíza do trabalho Luciana Paula Conforti, presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a Justiça do Trabalho possui uma estrutura bastante adequada para atender à litigiosidade trabalhista e aos litígios que se referem às relações de trabalho, primando pela resolução adequada dos conflitos. "A Justiça do Trabalho é o ramo do Poder Judiciário que possui abrangência em todo o território nacional, sendo a mais célere do País e que apresenta os melhores números em termos de conciliação", diz.
Ela afirma que a Justiça do Trabalho já conta com mecanismos extrajudiciais que são colocados à disposição dos interessados, para a solução conciliatória dos conflitos, como, por exemplo, a mediação pré-processual, conforme a resolução 377/2024 do CSJT, e a homologação de transações extrajudiciais, prevista no artigo 855-B a 855-E da CLT. "Tais institutos autorizam que as partes, antes mesmo de qualquer ação judicial, busquem a solução de um conflito por meio da conciliação, levando para a análise do Poder Judiciário os termos daquele acordo que, inexistindo vícios e respeitando os parâmetros legais, poderá ou não ser homologado pelo Juiz do Trabalho"
Para ela, é importante frisar, que a norma do CNJ traz exceções às quitações e que também estabelece o limite de valor em discussão, relativo aos conflitos que estarão sujeitos à respectiva aplicação. "Assim, a resolução do CNJ trata de institutos jurídicos já existentes no âmbito do sistema processual trabalhista e, ao final, reforça o papel conferido à Justiça do Trabalho de sempre analisar, com cautela, os termos do acordo, inclusive, a sua abrangência e quitação", diz.
Procurados pelo JOTA, o TST e MPT ainda não retornaram.