Julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes; ministros concordaram em três temas
Plenário do Supremo Tribunal Federal / Créditos: Gustavo Moreno/STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quarta-feira (19/6), para considerar alguns trechos da reforma da Previdência de 2019 inconstitucionais. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, que seria o último a votar.
A maioria foi formada no julgamento conjunto de 13 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que discutem algumas modificações trazidas pela Emenda Constitucional 103/2019, que instituiu a reforma previdenciária. São as ADIs 6.254, 6.256, 6.279, 6.289, 6.367, 6.384, 6.385, 6.916, 6.255, 6.258, 6.271, 6.361 e 6.731, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.
Até agora, os ministros formaram maioria em três temas: pela inconstitucionalidade da contribuição previdenciária extraordinária de servidores e aposentados para suprir eventual déficit da Previdência; pela inconstitucionalidade do dispositivo que anula aposentadorias concedidas por tempo de serviço para contribuintes que não recolheram a respectiva contribuição; para que o acréscimo sobre o cálculo de benefícios concedido às trabalhadoras mulheres do regime geral seja também aplicado às servidoras vinculadas ao regime próprio.
O voto inicial para derrubar esses três pontos foi dado pelo ministro Edson Fachin, que divergiu do relator. Ele foi acompanhado integralmente por Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Rosa Weber e André Mendonça. Já os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux acompanharam Fachin nesses três pontos, mas fizeram outras ressalvas.
Impacto
De acordo com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, o impacto dessas ações e de outras duas que não foram levadas a julgamento para os cofres públicos é estimado em R$ 497,9 bilhões em caso de derrota da União. Embora este seja o maior risco fiscal da União no Judiciário, ainda não é possível dizer exatamente qual seria o impacto dos pontos em que o STF formou maioria para considerá-los inconstitucionais.
Contribuição extraordinária
O texto da emenda constitucional sobre a contribuição previdenciária extraordinária estabelece que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios podem instituir outras contribuições para custeio da Previdência cobradas de servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas. No cenário de déficit, o texto prevê que “a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo”. Caso essa medida não seja suficiente, pode ser instituída a contribuição extraordinária, no âmbito da União, para servidores públicos ativos, aposentados e pensionistas.
Para Fachin, essas regras constitucionais vulneram a segurança jurídica ao criar tratamento “injustificadamente” diferenciado aos servidores públicos. “Não subsiste razão para que a cobrança de contribuição aos inativos do RPPS dê-se em bases majoradas em relação aos trabalhadores em geral e para a instituição aberta e difusa de contribuições extraordinárias, sob mera alegação de haver déficit”, escreveu o ministro, que foi seguido pela maioria dos outros colegas.
Nulidade de aposentadorias
A Reforma da Previdência também estipulou que será considerada nula a aposentadoria que tenha sido concedida ou venha a ser concedida por regime próprio de previdência social sem o recolhimento da contribuição previdenciária por parte do segurado.
Na sessão desta quarta-feira, Barroso lembrou que esse mecanismo de aposentadoria permite, por exemplo, que magistrados que atuaram antes como advogados possam utilizar o tempo de serviço fora da magistratura no cálculo da sua aposentadoria. Para ele, contanto que o individuo tenha contribuído para a previdência por conta própria, não há problema.
Já a visão defendida por Fachin, que foi acompanhada pela maioria dos ministros, é a de que a anulação das aposentadorias nesses casos permite a desconstituição de atos jurídicos acabados e estabilizados no tempo, o que não pode acontecer. Por isso, ele votou para que esse trecho da reforma não tenha alcance retroativo sobre aposentados e servidores com direito adquirido na época de aprovação da emenda constitucional.
Benefícios a mulheres
Algumas das ADIs em julgamento questionam um trecho da reforma que prevê um critério mais favorável de cálculo da aposentadoria apenas para as mulheres vinculadas ao regime geral. Segundo o texto, elas têm o direito de acrescer 2%, a cada ano, aos proventos a partir de 15 anos de contribuição. Para os requerentes, isso viola o princípio da isonomia e tais benefícios teriam que ser concedidos também às mulheres do regime próprio.
O relator, ministro Barroso, não vê problema em oferecer benefícios somente às mulheres do regime geral da previdência já que, na sua visão, “o regime jurídico de direito público minimiza os impactos da desigualdade de gênero existente no mercado de trabalho”.
A posição que conquistou a maioria, no entanto, foi a de Fachin, que defendeu que os benefícios fossem aplicados de igual maneira às servidoras vinculadas ao regime próprio da previdência social. “Episodicamente, mulheres servidoras públicas possam estar em alguma posição de vantagem ou desvantagem em relação às trabalhadoras da iniciativa privada, esta não é uma condição estrutural e não autoriza, por si só, o discrímen inconstitucional e injusto aplicado pela reforma constitucional”, afirmou o ministro.
Barroso, que votou para que todas as ações fossem consideradas improcedentes, salvo a contribuição extraordinária, foi acompanhado por Cristiano Zanin e Kassio Nunes Marques. Os dois ministros só fizeram uma ressalva quanto à nulidade das aposentadorias sem contribuição.
As ações foram apresentadas pelos seguintes requerentes: Associação dos Juízes Federais do Brasil, Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Partido dos Trabalhadores, Associação dos Magistrados Brasileiros, Associação Nacional dos Procuradores da República, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Associação Nacional dos Defensores Públicos, Associação Nacional dos Agentes de Polícia do Poder Judiciário da União, Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, União Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle, Associação dos Delegados de Polícia do Brasil.
Ainda não há data prevista para a retomada do julgamento.
Carolina Ingizza - Repórter em São Paulo, cobre Justiça e política. Formada em Jornalismo pela Universidade de São Paulo. Antes do JOTA, cobriu política, economia e negócios para o Financial Times e a revista Exame. Email: [email protected]