O número de empregados sem carteira assinada, ou seja, sem direitos, bateu recorde na série histórica do IBGE e chegou a 11,9 milhões de pessoas no trimestre que terminou em outubro, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada nesta sexta (29). No trimestre imediatamente anterior, o número foi de 11,7 milhões. Ao mesmo tempo, os trabalhadores por conta própria (que incluem entregadores de comida, motoristas por aplicativos e vendedores ambulantes) também bateram novo recorde, chegando a 24,4 milhões de pessoas - em comparação aos 24,2 milhões do período anterior.
O desemprego caiu de 11,8% (entre maior e junho) para 11,6% (entre agosto e setembro), com 12,4 milhões de pessoas desocupadas.
"Estamos falhando como sociedade democrática e como economia de mercado. Não há rede social de proteção social possível para essa situação no longo prazo", alerta Marcus Barberino, juiz do Trabalho da 15ª Região e um dos diretores da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
"O capitalismo brasileiro não tem incorporado os trabalhadores de forma civilizada. Estamos empurrando-os para serem entregadores de comida e vendedores ambulantes, o que significa menos produtividade e menos crescimento econômico", afirma. "O trabalho por conta própria e a informalidade são uma característica estrutural do nosso subdesenvolvimento."
Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador do estudo que fundamentou a proposta de Reforma Tributária da oposição na Câmara dos Deputados, tem avaliação semelhante: "O governo fala que está estimulando o empreendedorismo. Mas o que ele entende por empreendedorismo não é o desenvolvimento de pequenos negócios sustentáveis, mas gente vendendo ou entregando comida na rua".
"Advertimos que era necessário fazer uma Reforma da Previdência que levasse em conta a realidade do mercado de trabalho. E a realidade é essa: 11,9 milhões de empregados sem carteira assinada e 24,4 milhões de pessoas por conta própria, ou seja, se virando para sobreviver", explica. O IBGE já havia detectado o movimento na queda da arrecadação para o INSS em pesquisas anteriores.
Para Fagnani, a situação atual vai causar tanto um impacto no caixa da Previdência quanto na vida das pessoas, pois essa massa não vai conseguir recolher o mínimo de 15 anos (180 contribuições mensais) para se aposentar, caindo na assistência paga a idosos em situação de miséria, o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do governo federal, vem mostrando que as vagas formais estão crescendo, mas em um ritmo muito lento. Dessa forma, a geração de postos vem sendo feita através de trabalho precarizado, que não garante férias remuneradas, 13o salário, descanso semanal, licença maternidade, limite de jornada.
Pobres bancando pobres
No dia 11 de novembro, o governo apresentou o programa "Emprego Verde Amarelo" - na verdade, uma nova Reforma Trabalhista revestida de Medida Provisória. Entre as medidas propostas, está a redução nos custos de contratação de jovens entre 18 e 29 anos para vagas que paguem até 1,5 salário mínimo durante dois anos. Para tanto, prevê-se a desoneração da folha de pagamento, com a retirada da contribuição patronal de 20% ao INSS. O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer que isso seja bancado com uma taxa de 7,5% a ser cobrada das parcelas de quem recebe seguro-desemprego.
Representantes de partidos da oposição e do centrão no Congresso Nacional criticaram a medida. Acreditam que ela sofrerá resistência por ser socialmente insensível, uma vez que é baseada na redução de um benefício a um grupo já vulnerável. Circulou uma ironia nos corredores do Congresso: "ao invés de criar um Imposto sobre Grandes Fortunas, Bolsonaro preferiu uma Taxação sobre Grandes Pobrezas".
Partidos de oposição reclamam que o governo federal ainda não apresentou proposta sólida para fomentar a assinatura de carteiras de trabalho. Afirmam que, pelo contrário, a nova Reforma Trabalhista do governo deve estimular ainda mais a precarização.
A avaliação entre parlamentares é que se empregos formais estiverem sendo gerados em grande quantidade e a renda média cresça significativamente no ano que vem, boa arte das classes média e baixa apoiará o governo, votando em seus candidatos nas eleições municipais. Mesmo aqueles que discordam da agenda ultraconservadora de Bolsonaro podem tapar o nariz e seguir em frente. Contudo, caso isso se mostre distante, a classe trabalhadora - como foi visto na reeleição de Lula, em 2006, sob o impacto da crise do Mensalão - pode, cansada, procurar outras alternativas que não as promessas do capitão.
Empreender vs "se virar"
É excelente que as pessoas abram seu próprio negócio. O problema é quando isso não ocorre por opção, resultado de um movimento empreendedor voluntário, mas por falta dela, de forma não planejada, por necessidade. Ou, melhor, desespero. E é isso o que está acontecendo em muitos casos: pessoas sendo obrigadas a empreender de forma precária, inclusive com abertura formal de pessoa jurídica, que se parecem mais com trabalhadores informais e autônomos remendados do que com empreendedores independentes. Lembrando que esses casos raramente garantem o pacote básico de proteção para eles e suas famílias, mantendo-os em um grau preocupante de vulnerabilidade social e econômica.
Para sobreviver à crise, uma parte dos trabalhadores expulsos do mercado formal tornaram-se vendedores de comida na rua, como já identificou o IBGE. Aumentou a procura por comida mais barata do que a servida em lanchonetes e restaurantes. Daí, percebendo isso, a população desempregada tratou de se arrumar e correu para garantir oferta de alimentos mais baratos aonde havia demanda para tanto. Ou seja, gente desempregada vendendo alimento na rua para pessoas que não têm mais dinheiro para comer em restaurantes.
Como já disse aqui, para alguns, quanto mais liberdade se dê ao empreendedor mais nos aproximamos do fim de uma suposta tutela do Estado sobre os trabalhadores. Para outros, contudo, o atual ambiente não é de estímulo ao empreendedorismo, mas de cristalização da precarização do trabalho. No meio, um problema: nem todos desejam ou podem empreender, preferindo ser assalariados, trabalhando naquilo que aprenderam e sabem fazer bem. Neste caso, o que fazer? Esperar um próximo governo com um plano eficazes de geração de emprego e renda?