No início do mês passado, a comissão mista que analisa a medida provisória 881/2019 aprovou o relatório do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS). O projeto de lei de conversão (aprovado quando uma MP é modificada no Congresso) precisa agora passar pela Câmara e pelo Senado antes de ir para a sanção do presidente da República.
A medida provisória institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. De acordo com o Poder Executivo, o texto tem como objetivos recuperar a economia, garantir investimentos em educação e tecnologia, possibilitar a desestatização e resolver questões concretas de segurança jurídica. Mas o texto encontra resistência entre especialistas em direito do trabalho, por ele alterar dispositivos da legislação trabalhista.
"Em suma, não gera desenvolvimento econômico, mas causa deterioração nas condições de trabalho e, principalmente, degradação da dignidade humana. O que se detém do projeto são perdas irreparáveis na relação laboral. Empregados serão severamente prejudicados. Será criada uma concorrência desleal à empresa que contrata dentro da legislação trabalhista vigente e se incentivará a rescisão dos contratos de trabalho ativos para que os empregados sejam recontratados com seus direitos reduzidos. Todo trabalhador que se sentir ameaçado pela "Minirreforma" deve procurar assessoria jurídica para resguardar o direito adquirido", alerta a advogada Débora Ferrareze, especialista em direito trabalhista e sócia do Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados.
O texto da MP da Liberdade Econômica também autoriza os bancos a abrirem no sábado. Atualmente, o funcionamento de agências bancárias aos sábados é proibido, de acordo com uma lei de 1962, que determina que "estabelecimentos de crédito não funcionarão aos sábados, em expediente externo ou interno".
"Ainda, às categorias especiais, os direitos ali protegidos poderão ser suspensos, definindo a carga horária máxima de trabalho para bancários, músicos, profissionais cinematográficos, jornalistas, entre outros", justifica a advogada.
A meta do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) é fazer o país pular da 109ª posição para o top 50 do ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial até o final do mandato, em 2022.
Por propor 36 mudanças na legislação do trabalho, especialistas classificaram a MP como uma minirreforma trabalhista. Entre as mudanças propostas estão a liberação do trabalho aos domingos e feriados; limites ao poder dos conselhos profissionais na fiscalização dos trabalhadores; extinção do e-social; aplicação da legislação trabalhista apenas em benefício de empregados que recebam até 30 salários mínimos; e o fim obrigatoriedade de criação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipa).
"O plano também coloca em risco a segurança do trabalhador, pois altera a existência obrigatória da Cipa para pequenas e microempresas. Se considerarmos os dados, o Brasil está na 4º posição do ranking mundial de acidentes de trabalho. Como dito, outra desigualdade, pois incidentes ocorrem em qualquer tipo de empresa. Não menos importante, perde-se a garantia da estabilidade do 'cipeiro'", esclarece Débora Ferrareze, sócia do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), emitiram nota técnica em que expressam apreensões acerca do Projeto de Lei. Para as associações, a norma sofre de "irremediável inconstitucionalidade", pois viola o princípio da unidade hermenêutica da Constituição cidadã, que tem como objetivo da República "construir uma sociedade livre, justa e solidária".
"A MP prevê o tratamento desigual ao trabalhador que recebe acima de 30 salários mínimos ao ter seu contrato de trabalho regido pelo Direito Civil. Apenas as garantias constitucionais seriam protegidas, como férias e 13º salário. Especificamente nesse ponto, há inconstitucionalidade, pois a Constituição Federal trata todo trabalhador sem distinção. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho se manifestou contra a medida com o mesmo argumento", justifica a advogada especialista em direito trabalhista Débora Ferrareze.
Segundo cálculo feito pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, a MP tem o potencial de aumentar de 0,4% a 0,7% ao ano no PIB per capita do brasileiro, e gerar 3,7 milhões de empregos num prazo entre dez e quinze anos.
"Conforme as alterações sugeridas, a MP propõe "medidas anticrise" sob o argumento de fomento à atividade econômica no país. Entretanto, desrespeita e infringe direitos e garantias da legislação trabalhista, acordos e convenções coletivas de trabalho. A antinomia do legislativo surpreende qualquer cientista jurídico ao apreciar o artigo 72 do texto", resumiu a advogada Débora Ferrareze, sócia do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados.
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