Ministro levou caso ao Plenário da Corte de Contas e chegou a sugerir o retorno da magistrada à sua vara Ministro Walton Alencar, autor do pedido de investigação - Crédito: Flickr TCU
O ministro Walton Alencar Rodrigues, do Tribunal de Contas da União (TCU), apresentou um comunicado no dia 17 de julho solicitando que a Corte de Contas investigue a licença remunerada da juíza Valdete Souto Severo, da 4ª Vara do Trabalho em Porto Alegre, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (TRT4), para presidir a Associação Juízes para a Democracia (AJD).
A magistrada foi autorizada pelo órgão especial do TRT a se afastar de suas funções pelo prazo de dois anos. Segundo o Tribunal, a decisão foi devidamente fundamentada, na presença, inclusive, de representante do Ministério Público do Trabalho.
O ministro Walton Alencar, do TCU, entendeu, porém, que a licença da juíza desfalca os quadros da magistratura do trabalho, integralmente custeada pela União Federal, com prejuízos aos cofres públicos, a partir da prática de ato administrativo nitidamente irregular.
A solicitação foi no sentido de o órgão administrativo investigar todos os fatos, identificação dos responsáveis pela prática do ato no caso todos os juízes do TRT-RS que votaram pelo deferimento da cessão com aferição de todos os danos, consistentes nos subsídios pagos à magistrada, ao longo dos anos, em todo o período da cessão irregular, para responsabilização dos magistrados.
O comunicado do ministro chega a sugerir que, durante a fase de investigação, a área técnica da Corte, se caso for, proponha ao relator do processo a imediata concessão de medida cautelar para cessar a irregularidade e o dano ao Erário, determinando o retorno da magistrada à sua Vara de competência.
Esse pedido de investigação, aprovado pelos ministros do TCU, rendeu questionamentos de algumas associações que representam magistrados e membros do Ministério Público do Trabalho.
A atuação do TCU é lesiva à independência e à separação dos Poderes republicanos, uma vez que não compete ao referido órgão definir e/ou adjetivar as atividades das associações privadas formadas por magistrados e magistradas, reagiu a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Na mesma linha foi a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). Preocupa sobremaneira a atuação revisional do TCU sobre o mérito administrativo do ato emanado do TRT no exercício de sua autonomia administrativa.
Em sua manifestação ao Tribunal, Walton Alencar destacou que a AJD é uma entidade privada, com fins políticos, que refoge ao conceito de associação de classe.
O que permite, a priori, vislumbrar a possibilidade concreta da prática de ato ilegal, por parte de todos os membros do órgão especial do tribunal, que autorizaram a cessão irregular da magistrada, causa de nítidos prejuízos à magistratura e ao Erário, entendeu o ministro.
Cunho político
Em entrevista exclusiva ao JOTA, Valdete Souto Severo afirmou que recebeu com surpresa a manifestação do ministro, ao afirmar que seu comunicado teve cunho político.
A AJD é a única entidade de classe que vem denunciando coisas como a entrega de medalhas por parte do TST a pessoas que querem que a Justiça do Trabalho seja extinta; a AJD é a única que vem se posicionando firmemente contra a prisão política do ex-presidente Lula; a AJD é a única que denuncia o pacote do ministro Sérgio Moro, defendeu a juíza.
O ministro Walton Alencar Rodrigues é irmão do ministro Douglas Alencar Rodrigues, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), órgão alvo de críticas da AJD devido à postura de alguns ministros.
É muito curioso que apenas a AJD desperte o interesse do ministro do TCU, que é irmão de um ministro do TST, órgão contra o qual nós emitimos uma carta aberta, na mesma semana da manifestação do TCU, repudiando a entrega de medalhas a Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia e Onyx Lorenzoni, pessoas que falam abertamente contra a Justiça do Trabalho e querem sua extinção. Não sei a motivação, seria leviano dizer que essa é a motivação, mas que é curioso, é, disse a juíza.
Licença
Na entrevista, a reportagem questionou a juíza sobre a necessidade de seu afastamento para presidir a associação e, também, sobre a remuneração integral no período ausente.
Segundo ela, não é possível presidir a associação e, ao mesmo tempo, dar andamento normal à sua atividade de juíza.
Na Justiça do Trabalho, é quase impossível continuar com as atividades diárias, devido à quantidade de audiências, falou a magistrada
Em relação aos recursos, ela defendeu que, sem a remuneração, não seria possível exercer a atividade de presidente da AJD, já que a lei proíbe que juízes tenham outra fonte de remuneração.
Seria abrir mão de uma garantia constitucional que só existe para viabilizar a sobrevivência, defendeu Valdete Souto.
Processo
Ao JOTA, a juíza afirmou que, ao contrário da manifestação da Corregedoria e do ministro do TCU, ela se propôs a continuar exercendo parte de suas atividades.
A reportagem teve acesso à íntegra do processo administrativo no qual a magistrada pediu licença e confirmou a informação.
Nos autos, consta que Valdete Souto Severo, em um primeiro momento, pediu ao TRT4 o afastamento somente das audiências, já que estaria em locomoção frequente a outros estados. Ainda assim, ela solicitou continuar normalmente com a atividade judiciária.
Uma sugestão apresentada pela magistrada foi o deslocamento da juíza Flávia Cristina Padilha, da Vara do Trabalho de Rosário do Sul, para realizar suas audiências em Porto Alegre.
A proposta foi negada pelo corregedor-geral do tribunal. Entendo ser inviável. Eventual deslocamento da magistrada [Flávia Padilha] implicaria a necessidade de designação de outro juiz substituto para responder à sua vara, o que não geraria o almejado efeito de amenizar a crônica insuficiência de juízes para atender à demanda jurisdicional, assinalou Marçal Henri Figueiredo.
Com a negativa, Valdete Souto solicitou, então, continuar proferindo 30 sentenças mensais, número maior do que o sugerido pelo corregedor na primeira decisão (20). Mesmo assim, seu pedido também foi negado pela Corregedoria do TRT4, dessa vez por outro membro.
Diante da negativa à proposta apresentada por esta Corregedoria para viabilizar a prestação de auxílio no combate ao resíduo de sentenças do 1º grau de jurisdição durante o período de afastamento, determino que seja o assistente vinculado à magistrada que seja colocado à disposição do gabinete da Corregedoria, assinalou o juiz de segundo grau Marcelo Gonçalves de Oliveira, vice-corregedor do TRT4, no dia 9 de julho.
A segunda recusa gerou uma resposta por parte da magistrada. Ao contrário do que consta na decisão, esta magistrada não se recusou a trabalhar durante o período de licença, escreveu Valdete Souto. Me coloquei à disposição para seguir respondendo por todas as sentenças e decisões da 4ª Vara.
A proposta de 20 sentenças por mês, em processos que serão escolhidos pela Corregedoria, constitui auxílio menor do que aquele a que estou me dispondo, razão da minha incompreensão também quanto a essa segunda negativa, disse a juíza ao TRT4.
Dúvidas
Após uma primeira negativa por parte do TCU de entrevistar o ministro, o JOTA enviou questionamentos a Walton Alencar na manhã da sexta-feira (26/7), que não deu retorno até a publicação desta reportagem.
A reportagem perguntou ao ministro:
1) Qual foi a motivação para que a magistrada fosse investigada?
2) Não era o caso de investigar licenças concedidas a magistrados de outras associações compostas por juízes federais, nas quais os presidentes também solicitam afastamento e continuam recebendo seus vencimentos dos cofres da União, como no caso da AJD?
3) Em caso de resposta negativa à segunda pergunta, por quê?
4) O pedido de investigação teve cunho político, como afirma a magistrada?
Guilherme Pimenta