O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, maior acidente de trabalho da história nacional, expôs mundialmente outra de nossas mazelas: a precariedade das condições laborais no país. O Brasil ocupa a preocupante quarta posição no ranking mundial de acidentes de trabalho. Perde apenas para a China, índia e Indonésia, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A reforma trabalhista inseriu na CLT novos dispositivos para regular o dano extrapatrimonial. A maior controvérsia da nova lei está na previsão de limitar a indenização por danos morais a 50 vezes o salário contratual, podendo ser elevado ao dobro em caso de reincidência. Discute-se que essa fixação de valores máximos para indenizações estaria violando o que estabelece o artigo 5º da Constituição, que garante a igualdade perante a lei e o direito à reparação proporcional. Assim, mensurar o valor da indenização a ser paga aos trabalhadores por seus salários constituiria uma afronta ao princípio da isonomia e ao princípio da dignidade humana.
Constata-se, nessa linha, que o teto estabelecido pela reforma gera situação de extrema injustiça, principalmente em casos de acidentes graves, como o de Brumadinho, nos quais as famílias dos empregados terão que reclamar evidentes danos morais. Esta limitação é enfaticamente criticada por procuradores e juízes, tanto que já existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho no STF. O relator é Gilmar Mendes.
Tabelar o dano à moral das famílias pelo valor do último salário do empregado é dar tratamento desigual para iguais. Isso porque a indenização decorrente da perda de um operário tenderá a ser muitas vezes inferior àquela concedida à família de um gerente ou diretor. Como mensurar de modos diferentes os impactos causados pela ausência desses trabalhadores em suas famílias?
Esclareça-se, entretanto, que o último salário serve de base para o cálculo de pensões vitalícias, concedidas a título de indenização por danos materiais a um trabalhador acidentado ou à família de um trabalhador morto, como valor correspondente à expectativa de receita da família proveniente do empregado.
Na contramão do movimento de austeridade é relevante mencionar o impacto que tais desastres ocasionam à Previdência Social. O elevado número de mortes obriga o INSS a antecipar despesas previdenciárias referentes aos gastos com pensões por morte, para, posteriormente, tentar obter em juízo a devolução dos recursos, o que demora anos para acontecer. A ação regressiva coletiva ajuizada pelo INSS contra a Samarco pelo desastre de Mariana (MG), em 2015, ainda não foi julgada e encontra-se em fase de instrução na Justiça Federal. Acontecimentos como o rompimento da barreira da Vale são considerados cisnes negros no conceito do megainvestidor e analista de riscos Nassim Taleb.
As empresas sob liderança de bons gestores certamente enxergam os custos alocados em proteção e segurança como investimentos. Acidente grave no ambiente empresarial, além de gerar custo elevado com o pagamento de indenizações, prejudica a imagem e a credibilidade da empresa. A tragédia de Brumadinho torna imperiosa a necessidade de declarações mais equilibradas das autoridades, pois a intenção de flexibilizar normas relacionadas à saúde e segurança do trabalhador em nada ajuda o empregador que cumpre a lei e é diligente com as regras que garantem um ambiente de trabalho benigno. Pelo contrário, a apregoada economia que o empresário poderia ter inicialmente para estimular a geração de empregos pode, na verdade, criar passivos imensuráveis.
* Advogado trabalhista