O Tribunal Superior do Trabalho (TST) se posicionou ontem sobre um dos pontos mais polêmicos da reforma trabalhista: a aplicação das novas regras a processos ajuizados antes de 11 de novembro do ano passado, quando a legislação entrou em vigor. Por meio de uma instrução normativa, a Corte decidiu que as mudanças trazidas pela lei em relação ao procedimento das ações judiciais só valem para os casos que chegaram à justiça depois da vigência da reforma. Entre os itens que não valerão para processos antigos está, por exemplo, a obrigação de que a parte perdedora pague os honorários dos advogados da parte ganhadora.
A instrução normativa não obriga juizes e desembargadores em instâncias inferiores a decidirem conforme o entendimento do TST. O documento apenas indica como o Tribunal vai se portar em relação aos processos que estão na Corte.
O Tribunal preferiu se limitar às questões processuais. Processos relacionados à essência das mudanças feitas na legislação, como alteração nas normas para férias e indenização por dano moral, além da criação do contrato intermitente (pago por hora trabalhada) e de teletrabalho, ainda serão estudados caso a caso. A orientação é que instâncias regionais e o TST analisem as ações e construam uma jurisprudência para cada um desses aspectos.
- Em relação a esses temas, deverá haver uma construção jurisprudencial a partir do julgamento de casos concretos explica o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, que presidiu os trabalhos da comissão que analisou a reforma.
MAIS PREVISIBILIDADE
A decisão do TST também inclui a chamada prescrição intercorrente. Por ela, o processo prescreve se ficar parado por mais de dois anos, por não ter sido movido pela parte interessada. O trabalhador também passa a ser responsável, apenas nos novos processos, por eventuais danos processuais em caso de agir com má-fé. Por exemplo, quando mente no Tribunal. Essas duas exigências não existiam antes da atualização da lei e não valerão para ações antigas.
Para advogados trabalhistas, a decisão ajuda a dar previsibilidade aos processos na Justiça.
- A gente tem agora uma situação mais confortável - resume Domingos Fortunato, sócio do escritório Mattos Filho.
Andréa Rossi, sócia da área trabalhista do escritório Machado Meyer, também vê aumento da segurança jurídica:
- Aquele que litigar agora sabe exatamente qual o ônus que lhe cabe quando litigar. Isso é importante.
Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados (Anamatra), acredita que os juízes seguirão a orientação da Corte, embora sejam livres para decidir conforme acharem melhor:
- Apesar de os juízes não serem obrigados a seguir a instrução do TST, acredito que a maioria deve aderir, visto que gera maior segurança no julgamento de ações. É importante para deixar mais clara a nova lei.
O entendimento do TST sobre a aplicação dos novos procedimentos é considerado uma inovação jurídica. Até então, a tendência dos tribunais era considerar, para as questões processuais, as normas vigentes no momento da sentença. Maurício Tanabe, sócio do escritório Campos Mello, observa, no entanto, que a adaptação faz sentido para processos trabalhistas: - Existe um princípio da Justiça do Trabalho que é justamente tratar os desiguais de maneira desigual para fazer justiça. É uma proteção maior para a parte hipossuficiente (mais fraca). É indiscutível que o pagamento da sucumbência por parte do reclamante (trabalhador) gera um impacto financeiro muito maior. Essa decisão visa, de alguma forma, a zerar o jogo e dizer que, agora, todo mundo sabe qual é a regra.
trabalhadores que ingressaram na Justiça antes de novembro de 2017 a recorrerem, caso tenham sido obrigados a pagar honorários de sucumbência, avaliam os advogados.
- Os processos de revisão vão aumentar e demandar muito o Judiciário. A Justiça do Trabalho deve ter uma demanda muito grande de trabalhadores que perderam processos a partir de julgamentos equivocados de alguns juizes - diz Garcia.
A procura por recursos, no entanto, deve ser limitada a sentenças recentes. Isso porque o prazo para recorrer de uma decisão é de oito dias corridos, seja em primeira instância (varas do Trabalho) ou segunda instância (tribunais regionais). Assim, quem foi condenado a pagar honorários de sucumbência na segunda instância, por exemplo, e não recorreu ao TST tem pouco a fazer. Mesmo com a instrução normativa, casos encerrados (que já transitaram em julgado) não podem ser retomados, a não ser ações rescisórias. Nesses casos, o advogado pede a desconstituição da sentença, em até dois anos após a decisão final, mas o recurso é usado apenas para casos específicos, como sentenças com fraudes e erros.
Centrais sindicais comemoraram a decisão e afirmaram que é um primeiro passo para dar mais clareza a uma lei que deixou tantos pontos obscuros. Para Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), a decisão é importante e dá mais equilíbrio para os julgamentos de ações trabalhistas:
- Muitos juizes tomaram decisões precipitadas e aplicaram a reforma a processos antigos. Agora, o TST tenta diminuir casos como esses, e o papel das centrais e sindicatos será o de auxiliar os trabalhadores que precisarem recorrer à Justiça, em casos de revisão
QUATRO MESES DE DISCUSSÕES
O secretário de Assuntos Jurídicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Valeir Ertle, também aposta na revisão de decisões:
- Não é que ela (a instrução) vai corrigir os problemas da reforma trabalhista, mas vai deixar clara a aplicação da lei. Nós já vínhamos orientando para que os sindicatos entrassem com recursos e vamos continuar.
João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, também comemorou:
- Limitar sua aplicação é positivo.
A decisão tomada pelo TST é resultado de uma discussão que durou quatro meses. Em fevereiro, o então presidente do Tribunal, Ives Gandra Filho, criou duas subcomissões dentro da Casa para decidir se processos e contratos antigos seriam atingidos pela reforma. Em abril, a comissão foi prorrogada por mais 30 dias.
Pressionado pelo Congresso, o governo tentou resolver a questão e enviou, em novembro de 2017, uma medida provisória (MP) que determinava que a reforma valia integralmente a todos os contratos de trabalho. No entanto, a medida caducou sem ser aprovada e sem nenhum esforço do governo para levá-la adiante. Apesar de ter ficado meses na Câmara dos Deputados até perder validade, a MP nunca teve sequer relator oficialmente nomeado.
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PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.
O que é: Quando o processo prescreve após ficar parado por algum tempo
Processos antigos: não se aplica Novos processos: a prescrição ocorre após dois anos e começa a contara partir do momento em que a parte deixa de cumprir determinação judicial
HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. 0 que é: Valores pagos pela parte perdedora à parte vencedora Processos antigos: não se aplicam
Novos processos: a parte perdedora tem de pagar os honorários da parte vencedora do processo. 0 mesmo se aplica à realização de perícia
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
O que é: Multa cobrada quando uma das partes usa de má-fé, alterando a verdade ou usando do processo para conseguir objetivo ilegal, por exemplo Processos antigos: não se aplica
PROCURA POR RECURSOS
Além de esclarecer o que acontecerá com processos antigos daqui para frente, o posicionamento do TST deve incentivar
Novos processos: o chamado "litigante de má-fé" terá de pagar multa entre l%e 10% do valor corrigido da causa, além de indenizara parte contrária pelos prejuízos sofridos
PREPOSTO.
Representante da empresa
Processos antigos: a lei não exigia, mas uma súmula do TST obrigava que o preposto fosse vinculado à empresa Novos processos: o representante não precisa mais ser empregado da empresa
NÃO COMPARECIMENTO.
O que é: Regra quando uma das partes falta à audiência Processos antigos: não se aplica Novos processos: se não comparecer, a parte será condenada a pagar 2% do valor da causa. A condenação ocorre mesmo em caso de beneficiário da justiça gratuita, a menos se comprovar, no prazo de 10 dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável
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"Essa decisão visa de alguma forma a zerar o jogo e dizer que agora todo mundo sabe qual é a regra"
Maurício Tanabe
Sócio do escritório Campos Mello Advogados