GUILHERME FELICIANO
Presidente da Anamatra
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, critica o governo federal por não ter trabalhado para esclarecer parte das mudanças da reforma trabalhista e cobra do Supremo Tribunal Federal (STF) um posicionamento em relação a ações que contestam a constitucionalidade de artigos da nova lei. Abaixo, confira trechos da entrevista.
Como o senhor avalia a perda de validade da MP 808?
Há dois significados. Aquele acordo feito pelo governo com o Senado (o Planalto editou a MP com sugestões dadas por senadores para que eles aprovassem o texto sem modificações) tinha apenas uma função formal, um verniz para aprovar a reforma trabalhista. E o governo mostra que não tem interesse algum, do ponto de vista político, em melhorar o texto quanto ao que é inconstitucional. Fora isso, MP que caduca traz ainda mais insegurança jurídica ao cenário.
Em seis meses, temos a vigência de quatro variações da lei trabalhista. Com isso, os juízes estão julgando os processos com segurança?
Ouço de colegas que há muitas dúvidas. A confusão é tamanha porque as possibilidades jurídicas são muitas. Se a intenção com a reforma era entregar segurança jurídica, não deu certo. Muita coisa terá de ser discutida, especialmente em relação à MP. Pela Constituição, uma vez que ela caduque, perde efeitos e, portanto, voltam a valer os textos anteriores.
Quais são as principais dúvidas que os magistrados levam à Anamatra?
Isso será medido em maio, no 19º Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho. As principais dúvidas até o momento são referentes à questão do direito intertemporal, se a jornada de 12 horas por 36 é constitucional por acordo individual, a questão do trabalhador hipersuficiente econômico (que tem negociação diferenciada com o empregador), entre outras.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) adiou por 30 dias a definição se a reforma trabalhista vale também para contratos e processos antigos. A Corte está demorando em se posicionar?
O TST está tendo uma cautela saudável. Ele é um órgão de cúpula na Justiça do Trabalho com a função de unificar jurisprudência colidente. Jurisprudência significa o seguinte: preciso ter um TRT (Tribunal Regional do Trabalho) falando uma coisa e um TRT falando outra coisa para poder unificar o entendimento. Mas boa parte dessas questões nem chegaram a alguns TRTs, que ainda não têm posições firmadas.
Como está o fluxo de processos cinco meses após a entrada em vigor da reforma?
Caiu. De acordo com o TST, no primeiro trimestre deste ano, tivemos 355 mil ações. No mesmo período do ano passado tivemos 643 mil ações. É importante observar o que isso sinaliza. É um bom sinal? É perene? Acho que não é perene. Os escritórios de advocacia estão em compasso de espera, aguardando pacificação dos aspectos polêmicos. A segunda razão, que me preocupa mais, é o medo. Os trabalhadores estão com medo (de perder a causa e arcar com as custas do processo) mesmo tendo convicção do seu direito. Como eles não sabem se vão conseguir provar ou não, estão se restringindo, muitas vezes, às verbas rescisórias. Isso é preocupante.
Vários pontos da reforma trabalhista têm a constitucionalidade questionada. O Supremo está demorando para se posicionar?
Acho que sim. Acho que seria importante que o STF se pronunciasse o quanto antes. Neste caso, não vale o que falei do TST, que é um tribunal de uniformização de jurisprudência. O STF é uma corte constitucional que não precisa esperar ninguém. Se a Corte decidir, vincula todos os outros juízes e aí pacifica. Poderia haver uma preocupação estratégica da própria presidente Cármen Lúcia em relação a isso. Poderia fazer uma pauta mais breve, conforme os relatores entreguem seus votos, para que as questões se resolvam logo e tornem o horizonte um pouco mais claro de segurança jurídica diante de tantos pontos duvidosos.