Por Paulo Luiz Schmidt
Aproxima-se a realização de mais um Encontro Nacional do Poder Judiciário. Em sua 7ª edição, a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça ocorrerá em Belém (PA) nos dias 18 e 19 de novembro com a presença dos presidentes dos 91 tribunais brasileiros. A Anamatra, assim como ocorre deste a sua primeira edição, far-se-á presente, com o objetivo de presenciar os debates das ações prioritárias da Justiça para 2014 e o Planejamento Estratégico Nacional para o período 2015/2020.
A Anamatra interessa-se, desde a sua concepção, pela política de metas para o Poder Judiciário Brasileiro, conforme proposto pelo CNJ. Isso porque temos um dever cívico de colaborar com a consolidação da justiça e a democratização e eficiência das instituições judiciárias, fiel ao nosso compromisso estatutário de “atuar na defesa dos interesses da sociedade, em especial pela valorização do trabalho humano, pelo respeito à cidadania e pela implementação da Justiça social”.
O Conselho de Representantes da Anamatra, composto pelas 24 entidades regionais da magistratura trabalhista, apoiou ainda em 2009 a edição da Resolução 70 do Conselho Nacional de Justiça, que constitui o marco inicial para a política de metas; realizou curso para qualificação de líderes associativos em orçamento público; criou assessoria própria para assessorar a entidade; participou e engajou-se nos Encontros Nacionais do Poder Judiciário.
Ainda no ano de 2010, a associação institui Comissão de Planejamento Estratégico e Metas, por considerar “imprescindível para o sucesso da política judiciária brasileira que seja oportunizada a participação do magistrado, a quem compete, primordialmente, exercer a gestão do cumprimento das metas em cada unidade judiciária”.
Neste momento, a Anamatra reafirma sua convicção de que a instituição das metas para o poder Judiciário pode significar importante avanço para o poder Judiciário e partilha da crença que é um passo necessário para o aperfeiçoamento da justiça brasileira, o que não a impede de reconhecer a necessidade de correções a serem realizadas, em cumprimento da finalidade almejada pela Resolução 70 e em conformidade com os princípios da administração pública inscritos na Constituição Federal.
Ainda em 2009, por ocasião do III Encontro Nacional, o então presidente da Anamatra, Luciano Athayde, ao tempo que reafirmou o compromisso com a política de metas, revelou grande preocupação com o ônus imposto aos magistrados: “Quando as metas estiverem comprometendo a qualidade de vida e a saúde ocupacional dos magistrados, será papel das associações trazer essa realidade para o CNJ, para que elas sejam ajustadas de acordo com as assimetrias do Poder Judiciário”.
Em documento elaborado para subsidiar a elaboração das metas 2012-2013, a entidade reforçou a manifestação: “Seja pelo primado do princípio democrático, seja por força da Resolução 70 do Conselho Nacional de Justiça — que exige a participação dos juízes, por suas associações de classe, na formulação e na execução — é necessário que os magistrados sejam ouvidos para a definição de propostas que reflitam as legítimas necessidades da sociedade, sem que haja desequilíbrio que comprometa o resultado final”.
O ponto de equilíbrio na elaboração das metas brasileiras é a sua formulação democrática, garantindo aos magistrados o sentimento de que participação na construção dos postulados aos quais estarão vinculados, permitindo, ainda, que haja o compartilhamento e ampliação dos objetivos estratégicos.
Esse déficit, já constatado, não se encontra resolvido. Apesar da previsão cristalina na Resolução 70, a ausência de regras claras e, em muitos casos, a incompreensão e impermeabilidade das administrações dos tribunais inviabilizam ou dificultam extremamente a atuação das entidades da magistratura.
Logo, o primeiro aprimoramento que impende ser feito é assegurar a participação efetiva dos magistrados e servidores na elaboração e na execução de suas propostas orçamentárias e planejamentos estratégicos. Em outras palavras, garantir o primado democrático como princípio para o planejamento estratégico para o poder Judiciário.
Implantar o planejamento estratégico sem uma matriz democrática é reforçar a estrutura de poder que impera no Judiciário brasileiro; corre-se o risco de agravar a assimetria de tratamento e criar mecanismo que, em desvio de finalidade, aumente a concentração de poder nos tribunais, em detrimento da eficiência da Justiça brasileira. E, sem a mudança na cultura organizacional, as metas — mormente as fixadas no âmbito regional e estadual — se transformam, em vez de objetivo a ser perseguido de forma coletiva, em um instrumento para cobrança individual, quiçá disciplinar, perdendo-se o foco nos resultados institucionais.
Convém, ademais, que o modelo de gestão estratégica adotado agregue elementos mais constantes de diálogo e de autorreferenciamento institucional, incluindo a participação das associações regionais de magistrados. Alguns tribunais regionais têm adotado metas em grande profusão, várias redundantes e outras em franca ou oblíqua colidência com a factibilidade das próprias metas nacionais (como metas de eliminação de processos em arquivo provisório, que terminam ocupando as secretarias, em detrimento das metas nacionais de produtividade).
Por outro lado, ao retirar dos juízes a possibilidade de participação efetiva, abre-se campo para a definição de metas elaboradas pela burocracia dos tribunais e conselhos, que, a par das intenções, ficarão sempre reféns de uma visão contaminada pela tecnocracia, que abstrai as condições de trabalho dos magistrados e servidores, com possível ameaça à independência da magistratura.
A definição de metas puramente quantitativas, sem considerar a estrutura, a condições e o legado processual, acarreta situações profundamente assimétricas na medida em que não considera as peculiaridades do órgão judicial.
O planejamento estratégico dos entes públicos possui determinadas especificidades, que o afastam das concepções mais tradicionais originadas das organizações voltadas à economia de mercado. Por ser orientada à realização dos princípios constitucionais e estar adstrita à realização das necessidades do cidadão, a elaboração do planejamento estratégico dos entes públicos possui particularidades que devem ser levadas em consideração, sob pena de formulação de metas e visão inadequadas, que resultarão em objetivos que, ao invés de realizarem os princípios constitucionais, terminam por negá-los.
É sintomático que a grande maioria das metas estabelecidas vise exclusivamente o primeiro grau de jurisdição e sua aplicação e interpretação foca unicamente os juízes, considerados individualmente, abstraindo a responsabilidade institucional pelo aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.
Ultrapassada a fase de introdução das metas, a Anamatra entende que é chegada a hora de sedimentar uma política estratégica para o Poder Judiciário, com o primado democrático e participativo, que resultará na formulação de metas estruturantes que deem condições para a efetiva melhoria da prestação jurisdicional; metas que combatam os conflitos que aportam no Judiciário, especialmente os coletivos ao invés de fixar-se na atomização das demandas individuais; metas predominantemente institucionais, tendo como destinatário o tribunal, substituindo aquelas que enfocam apenas o magistrado; metas de saúde e qualidade de vida, que assegurem que a política de metas garanta condições de trabalho adequadas para juízes e servidores.
A Anamatra não crê que qualquer política de metas possa alcançar os resultados sem assegurar a participação democrática, ampla e efetiva dos magistrados e de suas entidades de classe, assegurando-lhe a possibilidade de influir, decisivamente, na elaboração e eleição das metas estratégicas e do orçamento para o poder Judiciário, assim como em seu acompanhamento. Este pressuposto é absolutamente essencial para assegurar que haja real avanço nas relações institucionais e, no futuro, possam os juízes votar na escolha das metas, seja por suas entidades nacionais, estaduais e regionais, nos encontros nacionais, seja diretamente, na eleição das metas regionais e estaduais.
Para a formulação das metas, é preciso estabelecer como primeiro pilar que haja análise das condições de trabalho de cada órgão e unidade administrativa, com metas estruturantes que possam conferir condições materiais e humanas, e, notadamente, o aparato tecnológico, para assegurar que existem as condições mínimas para a prestação de Justiça.
Como segundo ponto, é preciso que as metas se afastem da aferição meramente quantitativa do número de processos ajuizados e julgados e passem a considerar os efeitos da atuação do poder Judiciário na sociedade. Ao abstrair os resultados da atuação da Justiça, as metas podem concorrer para o aumento nas demandas ajuizadas e no declínio das soluções coletivas, na medida em que estimulam o maior número de processos. Embora a dificuldade para a formulação das metas seja maior, a inclusão de indicadores sociais poderá colocar em foco os efeitos da atuação do poder Judiciário, retirando o enfoque equivocado que apenas considera os processos ajuizados; quanto a estes, devem ser estimuladas as soluções de natureza coletiva, como forma de solucionar os macro-conflitos que fazem parte da sociedade pós-moderna.
Em terceiro lugar, o enfoque na política de metas deve ser institucional e não individual. O sucesso ou fracasso da instituição judiciária depende do trabalho conjunto e colaborativo; as metas não devem servir para acirrar a competitividade, afastando a colaboração e as soluções conjuntas. Como decorrência desse postulado, a aferição dos critérios objetivos para aferição do desempenho não pode reproduzir as metas institucionais, sob pena de comprometer os resultados globais.
Como quarto ponto desta rápida análise, é imperioso traçar um balanço minucioso das condições de saúde de seus magistrados e servidores e adotar medidas preventivas e terapêuticas, dadas as elevadas taxas de doenças cardíacas, neurológicas e nervosas que acometem boa parte dos integrantes do Poder Judiciário brasileiro. Estudos acadêmicos e pesquisas — dentre as quais estudo realizado pela Anamatra — concluíram pelas condições preocupantes dos magistrados brasileiros e de seus elevadíssimos níveis de stress ocupacional; impor maior carga de pressão, sem estabelecer mecanismos de avaliação, controle e tratamento, é agravar o quadro existente.
Impõe-se que as estatísticas de atuação e eficiência do poder Judiciário sejam repensadas. Caminha-se para um momento em que, pelo avanço tecnológico, saberemos quantas decisões foram proferidas por cada magistrado, qual seu prazo médio para decidir e quantas audiências realizou, online; em contraste, não se sabe quais os efeitos da política de metas para a realização da justiça; desconhece-se se ela colaborou para reduzir ou acirrar os conflitos; não se sabe quantos magistrados são acometidos de fatores de risco e doenças ocupacionais as mais variadas, inclusive cardíacas; é desconhecido se, enfim, a atuação dos órgãos judiciais é ou não efetiva, pois nenhuma de nossas metas considera indicadores sociais — ou sociológicas, caso se prefira.
O aprimoramento da política de metas, com a premissa democrática e propondo que se repense a forma de sua construção, é o que defende a Anamatra. A entidade reafirma seu compromisso com a modernização do poder Judiciário brasileiro, sem abrir mão dos princípios que garantem a independência e, sobretudo, o compromisso com a justiça social, que são objetivo maior do magistrado do Trabalho.
Paulo Luiz Schmidt é presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho