Enquanto trabalhadores e empresários aguardam o desfecho da votação do Projeto de Lei 4.330/04, que regulamenta a terceirização no País, o TST derrubou no início de outubro liminar que proibia a contratação temporária de carteiros.
A ‘briga de foice’ travada entre entidades patronais e centrais sindicais durante a audiência pública que discutiu o projeto de autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) parece que não tem data para acabar. Segundo o parlamentar, trata-se de um instrumento de proteção ao trabalhador. “Dos 21 artigos, 17 visam a proteção dos terceirizados.” Explicou que, em 2004, época em que apresentou a proposta, o Brasil contava com 6 milhões de trabalhadores nesta condição, e hoje são 15 milhões, o que justificaria a regulamentação.
Também na defesa dessa prática, o presidente do Conselho de Relações do Trabalho e Desenvolvimento Social da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, subiu o tom para afirmar: “Não podemos fechar os olhos à realidade. Todos terceirizam: o Congresso, as centrais sindicais, o próprio TST. Será que o trabalho dos digitadores do TST é precarizado?”, indagou. Segundo ele, “precarização é estar no trabalho informal, que ainda registra altos índices no País”.
O ministro do TST, Mauricio Godinho Delgado, entende que o PL 4.330/04 pode gerar queda de até 30% na renda do trabalhador. Segundo ele, “na concepção de 19 dos ministros do TST, que têm cada um 25 anos no mínimo de experiência no exame de processos, o projeto generaliza, sim, a terceirização trabalhista no País. Em vez de regular e restringir a terceirização, lamentavelmente o projeto torna-a um procedimento de contratação e gestão trabalhista praticamente universal no País”. Outro risco da terceirização generalizada é que “as categorias profissionais tenderão a desaparecer, porque todas as empresas, naturalmente, vão terceirizar suas atividades”, afirmou Delgado.
Solução perniciosa
De acordo com João Felício e Maria das Graças Neves, secretários da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a terceirização provocará a rotatividade maior de mão de obra, a permanência de 2,6 anos a menos no emprego e aumento em até 80% dos acidentes registrados. A entidade descreve as experiências mal sucedidas na América Latina. No Chile, a “reforma laboral” do general Pinochet, em 1979, implantou a terceirização, mas um estudo da Redlat (de 2008), apontou que 41% das empresas do país subcontrataram, a maior parte na atividade principal (33%). No setor mineral, dominado pelas multinacionais, as vagas ocupadas pelos terceirizados eram o dobro das dos trabalhadores registrados. No Peru, as mineradoras (comandadas pela suíça Glencore, pela canadense Barrick Gold, pela britânica/australiana BHP Biliton e pela chinesa Shougang) terceirizaram entre 70 a 80% das vagas. No México, a categoria dos bancários foi “varrida” do mapa por grupos como o City Group, Santander e BBVA, que chegou a ter 99% de suas atividades terceirizadas.
Correios
No início de outubro, o Órgão Especial do TST decidiu que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) pode realizar licitação para a contratação temporária de trabalhadores e de linhas para o transporte de objetos pessoais. O ministro Carlos Alberto Reis de Paula negou provimento ao recurso (SLAT nº 5225-25.2013.5.00.0000) da Federação Nacional dos Empregados em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (Fentect) com objetivo de evitar a licitação.
A Federação interpôs agravo contra decisão anterior que cancelou a proibição da contratação dos terceirizados imposta pelo TRT-10 (DF-TO). O Regional havia concedido tutela antecipada requerida pela Fentect (antecipação dos efeitos da decisão da 13ª Vara do Trabalho de Brasília que julgou a terceirização ilícita) e determinado que a ECT parasse o processo licitatório destinado à contratação de mão de obra terceirizada até o trânsito em julgado da decisão.
Em julho, o presidente do TST acatou recurso dos Correios e anulou a proibição, ao entender ter havido “grave potencial lesivo em face da decisão proferida” pelo TRT-10. Diante do recurso da Fentect, o ministro Reis de Paula entendeu que os serviços prestados pela ECT “são exercidos em caráter de monopólio” e que a proibição de se terceirizar a contratação de trabalhadores e o serviço de transporte de objetos poderia culminar na paralisação do serviço postal do País.
Em setembro, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) divulgou uma carta aberta pedindo a rejeição do PL 4.330/04, sob o argumento que o projeto expande a prática “ruinosa e precarizante”, representando uma ruptura da rede de proteção trabalhista consolidada pela Constituição Federal. De acordo com a entidade (que representa mais de 3.500 juízes), “entre os problemas do projeto estão a liberação da prática na atividade-fim da empresa, bem como a ausência da responsabilidade solidária do empregador de forma efetiva”.
Para a associação. “a terceirização constitui manobra econômica destinada a reduzir custos de pessoal na empresa, pelo rebaixamento de salários e de encargos sociais, que tem trazido uma elevada conta para o País, inclusive no que se refere aos acidentes de trabalho, uma vez que em determinados segmentos importantes da atividade econômica os índices de infortúnios são significativamente mais elevados”.
O presidente da Anamatra, juiz Paulo Luiz Schmidt, embora não tivesse acesso à íntegra do processo dos Correios, disse acreditar que a maior parte dos ministros do TST que faz parte do Órgão Especial e que subscreveu o documento contra a terceirização irrestrita mantém-se na mesma posição. “E não só estes, como os demais, atentos à jurisprudência dominante no tribunal”, observou.
Lembrou que a posição adotada no processo dos Correios, além de provisória (já que o mérito ainda será julgado) não implica mudança da posição histórica do TST quanto à terceirização nas atividades meio e fim. Para Schmidt, a decisão do TST seria contrária ao posicionamento da entidade “se liberasse completamente os Correios para contratar em suas atividades cruciais”.
Schmidt disse ainda que um dos temas mais caros para as associações de magistrados é a denominada independência judicial dos juízes (de primeiro grau ao ministro decano do STF). “Essa independência pressupõe que sejam respeitadas as convicções de qualquer magistrado quando exercita o seu dever de julgar, mas isso não torna a sua decisão imune de crítica. E como tantas outras vezes já ocorreu, a Anamatra critica ou elogia quando entende que seja relevante. E assim continuará a entidade dos juízes do trabalho se portando, quando for necessário.”