Ministro comprou imóvel em Miami por meio de empresa da qual é sócio.
Em nota divulgada nesta quarta-feira (7), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) negou agir por "politicagem" junto a outras entidades representativas da classe por consultar o Conselho Nacional de Justiça sobre a regularidade da abertura de empresas por juízes.
Assinada pelo presidente da Anamatra, Paulo Luiz Schmidt, a nota rebate declaração do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que disse nesta terça (6) que representantes dos juízes agem como "politiqueiros", por, segundo ele, questionar a forma como comprou um imóvel em Miami, nos Estados Unidos.
O ministro adquiriu um apartamento por meio de uma empresa da qual é sócio, a Assas JB Corp, o que permitiu que obtivesse benefícios fiscais. O imóvel tem 73 metros quadrados e é avaliado entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão, segundo o jornal "Folha de S.Paulo".
Na nota em que justifica a consulta ao CNJ, a Anamatradiz que "atua na defesa e no esclarecimento de seus representados, o que não configura 'politicagem', mas tão somente o cumprimento de suas obrigações".
O que está em causa, porém, é o estatuto jurídico da Magistratura, não as virtudes de um homem" Paulo Luiz Schmidt, presidente da Anamatra
O motivo da consulta, segundo a entidade, seria o fato de que juízes de primeiro grau que se tornaram sócios de empresas privadas no exterior foram investigados pelo Ministério Público. Por isso, de acordo com a associação, é necessário que o CNJ especifique em que casos haveria ou não a proibição de abertura de empresa por um magistrado.
Não escapa à Anamatra, aliás, a informação de que juízes de 1º grau, porque constituíram empresas no exterior quando ainda na ativa, foram investigados pelo Ministério Público da União, instituição de origem de sua excelência [Joaquim Barbosa]. No próprio Conselho Nacional do Ministério Público, o ato de S.Ex.ª foi objeto de perplexidade", afirma a nota.
Acrescenta também que "entendia-se - como ainda se entende - ser vedado ao magistrado, em qualquer nível de jurisdição, independentemente de virtudes pessoais, titularizar sociedade empresária unipessoal com finalidade de lucro, ainda que com o propósito de adquirir imóveis próprios".
A Anamatradiz que o regimento interno do CNJ prevê instrumento de consulta em tese para saber o que "pode ou não fazer um juiz". Nesta terça, ao acusar as entidades de "politicagem", Barbosa dissera que o CNJ "não cuida dessas matérias" e disse que comprou o imóvel com dinheiro próprio e "pelos meios legais".
Honestidade e correção
Na nota, a associação diz que a honestidade e correção são deveres de todo cidadão brasileiro e não deveriam ser usadas para fazer autoelogio nem garantir "privilégios". "Tanto uma como outra não podem ser mera retórica, devendo se traduzir em atos concretos do cotidiano", diz.
Nesta terça, ao criticar as entidades, Joaquim Barbosa disse que elas deveriam estar preocupadas com "questões muito mais graves que ocorrem no país, especialmente com os assaltos ao patrimônio público". "Essa deveria ser a preocupação principal, e não tentar atacar aqueles que agem corretamente, que nada devem, enfim, um cidadão correto", afirmou, dizendo tratar-se de suas "opções de investimento".
A Anamatradiz que se preocupa com o combate à corrupção, cita projetos de lei encaminhados pela entidade ao Congresso e nega preocupação com os investimentos de Barbosa. Ao final diz que "é de se esperar, ao menos, que o padrão de comportamento ditado para um determinado juiz seja o mesmo e um só, para toda a Magistratura nacional".
"Afinal, convém sempre presumir que todo cidadão, juiz ou não, seja em princípio correto, sem dever nem temer. O que está em causa, porém, é o estatuto jurídico da Magistratura, não as virtudes de um homem", conclui.
Leia abaixo a íntegra da nota:
"Nota de esclarecimento
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidade de classe de âmbito nacional da magistratura do Trabalho, a propósito de declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, em entrevista à imprensa, na qual Sua Excelência faz ilações sobre a atuação das entidades de classe da Magistratura brasileira, vêm a público manifestar-se nos seguintes termos: 1 - A Anamatra, assim como as demais entidades de classe da Magistratura, tem dirigentes eleitos de forma democrática pelos seus pares. Tem, portanto, dever estatutário de atuar, entre outras searas, na defesa e no esclarecimento de seus representados, o que não configura "politicagem", mas tão somente o cumprimento de suas obrigações.
2 - Honestidade e correção são deveres de todo e qualquer cidadão brasileiro. Não deveriam ser traços distintivos para autoelogio, nem garantem privilégios. Tanto uma como outra não podem ser mera retórica, devendo se traduzir em atos concretos do cotidiano.
3 - O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao contrário do que defende S.Ex.ª , e de acordo com a redação do artigo 103-B, § 4º, da Constituição Federal, tem competência para o controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, o que inclui a observância da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) e a sua interpretação administrativa.
4 - O combate à corrupção é preocupação da Anamatra, tanto que a entidade encaminhou à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados duas propostas de projetos de lei sobre o tema (SUGs 51 e 52/2012), que dobram as penas mínimas dos crimes relacionados à corrupção e alteram as regras que tratam do Sistema Tributário Nacional e do Sigilo das Operações Financeiras. A Anamatra, portanto, preocupa-se, sim, com o "assalto ao patrimônio público, que ocorre com muita frequência", como bem lembrado pelo ministro.
5 - A Anamatrae os magistrados brasileiros não estão interessados nas opções de investimento de S.Ex.ª, assunto de foro íntimo do cidadão. Até então, porém, entendia-se - como ainda se entende - ser vedado ao magistrado, em qualquer nível de jurisdição, independentemente de virtudes pessoais, titularizar sociedade empresária unipessoal com finalidade de lucro, ainda que com o propósito de adquirir imóveis próprios.
6- Não escapa à Anamatra, aliás, a informação de que juízes de 1º grau, porque constituíram empresas no exterior quando ainda na ativa, foram investigados pelo Ministério Público da União, instituição de origem de S.Ex.ª. No próprio Conselho Nacional do Ministério Público, o ato de S.Ex.ª foi objeto de perplexidade. Daí que, para o próprio esclarecimento da Magistratura, impende saber do Conselho Nacional de Justiça o que, nesta matéria, pode ou não fazer um juiz. Para esse efeito, o regimento interno do CNJ prevê o instrumento da consulta em tese. Nada mais, nada menos.
7- Se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já pacificou que as decisões do Conselho Nacional de Justiça não vinculam o próprio STF, é de se esperar, ao menos, que o padrão de comportamento ditado para um determinado juiz seja o mesmo e um só, para toda a Magistratura nacional. Afinal, convém sempre presumir que todo cidadão, juiz ou não, seja em princípio correto, sem dever nem temer. O que está em causa, porém, é o estatuto jurídico da Magistratura, não as virtudes de um homem.
Brasília, 06 de agosto de 2013
Paulo Luiz Schmidt
Presidente da Anamatra"