O sentimento dos juízes reflete o peso da responsabilidade. Dotados do monopólio do jus dicere - dizer o direito -, os magistrados estão sofrendo com problemas de saúde. São cada vez mais frequentes notícias sobre doenças desses profissionais, algumas delas fatais. As entidades de classe já atentaram para o problema, que envolve tanto moléstias físicas quanto psicológicas. A situação se agrava quando se incluem ameaças diretas à incolumidade dos julgadores nessa conta.
Não faltam exemplos de motivos para preocupação. O desembargador Vianna Santos ainda comandava o Tribunal de Justiça de São Paulo quando morreu, em janeiro de 2011, vítima, segundo laudos médicos, de um ataque cardíaco. Novo laudo constatou ainda excesso de álcool no sangue do desembargador, que sofria de diabetes. A morte ainda é investigada pela Polícia. Em agosto do mesmo ano morreria assassinada a juíza Patrícia Acioli, da Justiça do Rio de Janeiro. No último dia 10 de abril, outro desembargador do TJ-SP, Adilson de Andrade, foi encontrado morto com dois tiros em sua casa no litoral paulista. As primeiras impressões dos peritos indicam suicídio.
O Conselho Nacional de Justiça está focado na elaboração de um protocolo que vai auxiliar tribunais na identificação das principais questões que prejudicam a saúde dos magistrados e também dos servidores do Judiciário. São alvos razões de doenças físicas e psíquicas como depressão, stress, hipertensão, dores crônicas e osteomusculares. A iniciativa foi aprovada na última segunda-feira (16/4).
O juiz auxiliar da presidência do CNJ e integrante do grupo de trabalho, Antonio Carlos Alves Braga Júnior, conta que, hoje, esse tipo de ação não é uniforme nos tribunais do país. "A ideia é recuperar o conhecimento existente, com uma metodologia regular. Espera-se que a experiência dos próprios magistrados e servidores definam fatores de risco para suas atividades, como preveni-las e tratá-las", explica.
Na última década, por exemplo, a composição dos gastos com plano de saúde da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) com o câncer saltou de 1% para 8%.
Já uma pesquisa feita pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), coordeanada pela professora Ada Assunção, do departamento de Medicina da UFMG, revelou que embora os transtornos mentais não sejam, de modo algum, privilégio da magistratura, a classe está mais exposta a depressão do que o resto da população. O levantamento da Anamatra mostra ainda que os salários dos juízes não alteram a incidência dos casos de depressão ou outros transtornos mentais.
Apoio psicológico
Ao final da pesquisa, ele constatou que a estrutura do Judiciário atua de forma decisiva para o sofrimento profissional, em virtude da carga excessiva de trabalho e dos tipos de demandas ajuizadas, sendo necessário um apoio psicológico aos magistrados. "Deve-se ter em mente que esse profissional é visto como ente público, órgão, e, como tal, destituído de subjetividade, visto que encarna valores representativos da sociedade, enquanto aplicador da justiça, dentro de uma estrutura judiciária hierarquizada que, por si só, traz consigo pressões inerentes ao próprio cargo", escreve.
Dedicação exclusiva "Tivemos um caso aqui em São Paulo, o do Flávio Torres, um desembargador famoso, que não tinha filho, não fazia outra coisa na vida a não ser viver para o tribunal. Se aposentou e, dias depois, teve um enfarte fulminante. O desembargador Yussef Said Cahali teve um derrame. Ele perdeu ao mesmo tempo o cargo de desembargador e a cadeira na faculdade, por haver chegado à idade limite." O relato é do ministro Cezar Peluso em entrevista concedida à Consultor Jurídico, dias antes de deixar a Presidência do Supremo Tribunal Federal.
Ele disse ainda que, nomeado juiz de São Sebastião (SP), tirou um mês de férias e viajou para o município do litoral de São Paulo, onde o trabalho tomou todo o tempo. "O juiz que me antecedeu deixou uma pilha de processos que estavam em via de prescrição. Fiquei os 30 dias de férias trabalhando para colocar em dia o serviço do outro, que estava atrasado. Naquela época tivemos vários juízes jovens que morreram de enfarte, todos por causa de serviço."