Sob título "A falsa polêmica entre corruptos e honestos", o artigo a seguir é de autoria de Renato Henry Sant’Anna, presidente da Associação Nacional do Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Falsa polêmica beneficia os juízes de má conduta
Os últimos acontecimentos em torno do papel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as declarações da ministra Corregedora colocaram em pauta uma falsa divisão da magistratura entre juízes honestos e corruptos e que a magistratura, corporativamente, teria uma posição reacionária ao papel proativo do CNJ.
Para início de conversa, é preciso que a sociedade saiba que a magistratura nacional tem representatividade associativa plural, não sendo representada apenas por uma entidade nacional de classe. Os juízes do Trabalho, por exemplo, são maciçamente representados pela Anamatra, entidade que não é – e nunca foi - contra o CNJ e seu relevante papel. Ao contrário, apoiou a sua criação em 2004 e continua fiel ao seu propósito de fortalecer o seu papel institucional.
Também é fato que o Poder Judiciário brasileiro vem elevando o seu grau de eficiência não apenas, mas também, por causa do CNJ, e principalmente pelo esforço dos milhares de juízes brasileiros. Faltava a alguns tribunais - e neste ponto o CNJ foi fundamental - priorizar e desenvolver as áreas de gestão, transparência, planejamento estratégico, uniformização de procedimentos, estatísticas e, também, suas corregedorias.
Ocorre que a partir das inoportunas e generalizadas declarações da ministra Eliana Calmon, já rechaçadas pela Anamatra, criou-se a oportunidade para que aqueles que sempre “torceram o nariz” para o CNJ passassem a criticá-lo injustificadamente. O que poderia ser um salutar debate tornou-se uma polarização entre os que apoiam a ministra Calmon (que seriam pessoas “do bem”, honestos, éticos); e os não a apoiam, e integram o lado ”mal”, supostamente favoráveis aos corruptos.
Mas a discussão nesses termos acaba beneficiando os pouquíssimos juízes com desvio de conduta ética, segundo dados do próprio CNJ, principais beneficiários dessa polarização e dessa polêmica. Qualquer risco de limitação ao papel institucional do CNJ, ainda que seja secundária e com as melhores intenções, será um ganho para eles.
Os juízes de má conduta não me preocupam. Embora, de fato, seja dificultosa a persecução penal no Brasil, por motivos que basicamente fogem ao controle da magistratura (leis defasadas, excesso de recursos etc.). Preocupam-me verdadeiramente os excelentes juízes que formam a imensa maioria da magistratura brasileira e que vivem dolorosamente atingidos pela falta de ética dos poucos colegas que não agem corretamente, pelas declarações generalizantes e infelizes e pela sistemática desproteção de suas prerrogativas por quem as devia constitucionalmente assegurar.
É muito preocupante, de outro modo, que outras pessoas, embora bem intencionadas, vejam no debate uma chance de atacar o órgão de controle externo como se isso fosse trazer ao Poder Judiciário uma reafirmação de independência e eficiência.
A melhoria da imagem do Poder Judiciário deve ser luta diária de todos os Juízes, primeiros interessados em defender a instituição que juraram servir, cumprindo a Constituição e as leis.
Transparência e mecanismos de apuração de responsabilidades nunca são demais, seja via CNJ, seja via corregedorias. Daí porque para a Anamatra revela-se uma total perda de energia o debate que foi instalado no Brasil em torno do papel do CNJ, sob essa ótica rasteira. Aliás, não é raro que o próprio CNJ limite os excessos das corregedorias, algumas vezes atabalhoadas ao processar e punir magistrados, em especial os de primeiro grau.
Mais isso só não basta. Para a Anamatra o atual modo de composição do Conselho, com escolha dos membros da magistratura pelas cúpulas judiciárias (em razão do método e não pelas pessoas que o integram) contribui para um processo interno de deslegitimação e enfraquecimento do CNJ perante a magistratura.
Para nós há clareza no sentido de que não basta reforçar os poderes do CNJ se não houver escolha dos conselheiros de forma democrática, com a efetiva e direta participação de todos os juízes, e não apenas por indicação dos tribunais superiores.
O Conselho, portanto, e porque não dizer os Conselhos setoriais (Conselho da Justiça Federal e Conselho Superior da Justiça do Trabalho) deve ter uma base de legitimação substantiva decorrente da manifestação participativa ampla de todos os juízes, como ocorre em outros países de tradição judiciária democrática.
Não é diferente na Europa, onde Conselhos da Magistratura já se encontram instalados há muitos anos e contam com a participação essencial dos magistrados na escolha dos conselheiros, o que contribui para aprimorar a própria eficiência do Poder Judiciário.
Por esse motivo a Anamatra elaborou anteprojeto de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), aprovada em seu Conselho de Representantes, e entregue ao senador Demóstenes Torres para reforçar o republicano propósito de fortalecer o CNJ, objetivo esse compatível com a história e com a tradição da Anamatra.
Afirma-se, assim, em resumo, o apoio a um regime de maiores garantias ao CNJ, na linha da PEC 97/2011, e eleições diretas para os cargos da magistratura no Conselho.
Finalmente, não poderia deixar de lembrar que no dia 21 de setembro passado, quase dois mil juízes e membros do Ministério Público marcharam em Brasília, dando início a uma Campanha de Valorização da Magistratura e do Ministério Público.
Palavra alguma, no entanto, foi dita para refutar o papel do CNJ, o que revela não ser a atuação do Conselho um incômodo para a magistratura.
O que os juízes brasileiros querem, em sua quase totalidade mulheres e homens honestos, é trabalhar em paz e cumprir com suas obrigações institucionais com foco nas verdadeiras necessidades dos magistrados brasileiros! Que os bandidos, sejam lá quais forem as suas roupas de trabalho, sejam processados e punidos!