O Ministério Público do Trabalho (MPT) está cobrando mais providências do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os juízes estaduais suspendam a concessão de autorização pedida pelos pais para que menores de 16 anos possam trabalhar. Segundo o coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil do MPT, procurador Rafael Marques, pelo menos 33 mil autorizações foram concedidas para que crianças a partir de 10 anos exerçam trabalho remunerado.
Entre as atividades permitidas, estão a fabricação de fertilizantes, construção civil, oficinas mecânicas, pavimentação de ruas e até trabalho em lixões, além de atuação nos setores artístico, do comércio e agropecuário. A Constituição só admite o trabalho do menor de 16 anos, na condição de aprendiz e a partir dos 14 anos. Entre 16 e 18 anos, eles são proibidos de exercer atividade em condições perigosas ou insalubres.
Reportagem do Correio publicada ontem mostrou que pelo menos três menores de até 17 anos se acidentam por dia no Brasil. Além dos casos fatais - 37 morreram entre 2009 e meados de 2011-, eles se cortam, se queimam e têm as mãos esmagadas por máquinas. Outros contraem doenças profissionais por exposição a agentes químicos e biológicos, tendinites e transtornos mentais relacionados ao trabalho, entre outras ocorrências. "Essa é a prova de que o trabalho nessa fase é mais prejudicial que benéfico, pois compromete o desenvolvimento biológico, psicológico e social do menor. Se para um adulto, os acidentes já são cruéis, para uma criança, mais ainda, pois ela contrairá uma doença que vai se perpetuar para o resto de sua vida", alerta o procurador do Trabalho.
A pedido do MPT, o CNJ recomendou aos magistrados, no início de abril, que cumpram a Constituição. Os conselheiros argumentaram que o órgão, de natureza administrativa, não tem poder de interceder nas decisões de juízes. Mas o conselho está de olho nessas decisões e criou um grupo com representantes do Ministério Público, do Ministério da Justiça, da Advocacia-Geral da União e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para fazer um diagnóstico sobre as autorizações.
Interpretação "A Constituição é clara quando diz que adolescentes só podem trabalhar na condição de aprendiz. E só. Os demais casos são vedados", diz o conselheiro do CNJ Jorge Hélio Haves de Oliveira. Segundo ele, as autorizações são "absolutamente inadmissíveis" e não cabe outra interpretação da Constituição pelos juízes no caso. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, João Oreste Dalazen, afirma que a competência para conceder essas autorizações é da Justiça do Trabalho e não da Justiça comum.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, Renato Sant`Anna, também defende que a competência para julgar as autorizações de trabalho de menores de 16 anos é da Justiça do Trabalho. Na sua visão, só pode ser permitido a atividade profissional em casos excepcionais e raros, como na área artística, visando ao incentivo do talento eventual. "O problema do menor sem ocupação não se resolve com trabalho. Ele tem que estar na escola e em atividades educativas", diz.
Dalazen destaca que, em princípio, é vedada ao menor de 16 anos a prestação de trabalho, salvo como aprendiz a partir dos 14, por força da Constituição. Assim, diz ele, "as situações excepcionais em que se pode autorizar a atividade remunerada jamais devem recair sobre atividade que envolva algum risco à saúde do menor". A seu ver, os mesmos motivos que ditam a possibilidade de configurar doença profissional em relação ao empregado maior, com muito mais razão, exigem que não se conceda autorização ao menor suscetível de contrair a doença. Para o presidente do TST, tem que ser analisado caso a caso.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), desembargador Nelson Calandra, diz que a entidade é contrária ao trabalho infantil. Mas defende que não é inconstitucional o deferimento da autorização, "em condições extraordinárias, por um juiz no exercício da sua competência, atendendo a pedido do conselho tutelar ou mesmo do Ministério Público". Para ele, em caso de ilegalidade, cabe ao MP recorrer aos tribunais e não ao CNJ, pois não é um ato de administração praticado pelo juiz.