Como boa norma que acompanha o desenvolvimento da realidade em que atua, nos seus 68 anos, completados no domingo (1°/5), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já mudou muito. Mais de 200 vezes. E para não perder o ritmo, especialistas acreditam que ela deve continuar mudando. Eles são unânimes: a ordem do dia é a reforma sindical.
A pluralidade sindical, que permite a representação de uma mesma categoria por mais de um sindicato, é defendida pelo advogado Roberto Caldas Alvim de Oliveira, da Advocacia Maciel. Para Oliveira, o atual modelo de organização sindical é tão apegado à lei e ao “conforto” da representação por categoria, que só alterar a CLT “não elimina problemas nem moderniza a relação de trabalho”. Ele defende que seja mudada a própria Constituição Federal no que diz respeito à estrutura sindical e a alguns direitos individuais que “criam um engessamento na dinâmica trabalhista”.
Segundo o presidente da ANDT (Academia Nacional de Direito do Trabalho), e professor da USP e do Mackenzie, Nelson Mannrich, a reforma não interessa a muitos dirigentes sindicais e empresários porque, com ela, os trabalhadores produziriam as normas que os regem (salvo as de ordem pública absoluta) junto com o Estado, por meio de contrato coletivo, e isso aumentaria a efetividade das leis.
Vanguarda
A Comissão que redigiu a CLT foi montada em 1942 pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho, e dela fizeram parte Arnaldo Süssekind, Rego Monteiro, Segada Viana, Dorval Lacerda e Oscar Saraiva. O trabalho foi publicado no Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943 e entrou em vigor em novembro do mesmo ano, protegendo os trabalhadores urbanos. Os rurais e domésticos só foram regulamentados há pouco mais de 30 anos, respectivamente nas leis 5.889/1973 e 5.859/1972.
Segundo o professor da FGV e PUC-SP, Paulo Sérgio João, quando a CLT foi criada, o ordenamento jurídico nacional recebeu práticas modernas para a época, como a oralidade, inversão do ônus da prova, e jus postulandi. Para o estudioso, a crítica de que ela seria uma possível cópia da Carta del Lavoro italiana não se sustenta, já que foi devidamente adaptada ao nosso ambiente jurídico e às características brasileiras.
Falta de diálogo
Segundo Mannrich, “nossa legislação é monopólio exclusivo do Estado, sem espaço adequado para negociação coletiva, é minuciosa ao extremo, formalista e distante da realidade que deve regular, quando não muitas vezes irracional”. Por conta disso, “falta efetividade ao nosso sistema de relações trabalhistas, extremamente conflituoso”.
Para ele, com a legislação como está, sem um sistema eficiente de negociação coletiva nem mecanismos de solução de conflitos nos próprios locais de trabalho, não adianta aumentar o número de varas, juízes ou desembargadores para acelerar os trâmites. O número de reclamações trabalhistas continuará a crescer.
Direitos sociais
Sobre a crítica de que a CLT seria anacrônica e excessivamente protecionista do trabalhador, Luciano Athayde Chaves, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho),explica que o Brasil ainda descumpre muitas das normas trabalhistas, e, nesse sentido, “em um país com trabalhadores sem registro e sem exercer seus direitos, não se pode afirmar anacronismo”.
Para ele, a norma “faz parte de um contexto de inclusão progressivo, na medida em que o problema que existe é de exclusão social, do qual ela não é nem culpada nem a solução total”. O juiz explica que a CLT “traz direitos sociais que hoje podem ser considerados como de natureza universal, como os de proteção à saúde do trabalhador, à irredutibilidade e equiparação salarial”. Ele observa que sociedades com alta inclusão social observam direitos como estes.
Chaves também defende a lei das críticas de que o salário seria muito protegido, porque o Brasil compete com outros mercados. Ele explica que o salário médio no país é menor do que o na Europa e nos Estados Unidos, mas maior do que na China. “Vamos nos comparar com países com pouca aplicação de direitos sociais? O Brasil tem que se espalhar em exemplos de padrão de vida melhor, e não em culturas que permitem exploração”, questiona.
Oliveira concorda com Chaves ao dizer que “a relação capital e trabalho sempre terá uma tendência de protecionismo para equilíbrio da desigualdade existente”. No Brasil, ele diz, este aspecto é mais valorizado porque a CLT foi feita nesse sentido de equilibrar as relações, “ao lado de sindicatos acomodados e sem expressão de representatividade”.
Reconhecendo que a lei não é capaz de resolver o desequilíbrio, o advogado entende que a interpretação dela, feita pela Justiça do Trabalho, tem criado uma jurisprudência extremamente rica, sempre adaptando a situação de fato aos princípios.
Caminho das mudanças
Segundo Oliveira, o grande número de mudanças (de cada cinco dos 922 artigos, um já foi alterado) da CLT é conseqüência de seu formato, que é mais dinâmico do que um código, e permitiu adaptações periódicas e por capítulo.
O advogado cita, como exemplo, o capítulo de férias anuais remuneradas Decreto Legislativo 47/1981) e, mais recentemente, o contrato de aprendizagem (Lei 10.097/2000). Também foi inserida a compensação anual (Lei 9.601/1998), que permitiu a criação do banco de horas, e, por medida provisória, o contrato de trabalho a tempo parcial e a suspensão do contrato de trabalho (MP 2.164-41/2001).
Para ele, as mudanças, tanto materiais quanto processuais da lei, foram impulsionadas pelas alterações nas Constituições Federais, que, com o passar dos anos, extinguiram a representação classista e ampliaram o campo de competência da Justiça do Trabalho, que passou a cuidar não só de relação entre empregado e empregador, mas também de relações de trabalho em geral, inclusive em questões sindicais, antigamente decididas pela Justiça comum.
As sugestões
A última mudança da CLT aconteceu com a Lei 12.347 de 10 de dezembro de 2010, que revogou o artigo 508 da Consolidação, que considerava justa causa, “para efeito de rescisão de contrato de trabalho de empregado bancário, a falta contumaz de pagamento de dívidas legalmente exigíveis”.
Apesar de acreditar que a CLT é o “melhor instrumento material e processual do ordenamento jurídico nacional”, João sugere que, além da reforma sindical, ela precisa ser constantemente revista para acompanhar as novas situações entre empregador e empregado. Esse seria o caso da criação de uma previsão legal para a terceirização, para um procedimento de execução mais ágil e efetivo, e para prever um melhor aparelhamento dos sindicatos profissionais.
Da mesma forma, Chaves entende que a parte processual do diploma legal deve ser melhorada. Para ele, devem ser aproveitados avanços na teoria do processo, para permitir, por exemplo, que no cumprimento da decisão a citação não seja feita por oficial de Justiça. Segundo ele, esta “é uma forma de citação que podia ser melhorada”.
O juiz também lembra que o leilão judicial previsto na legislação trabalhista é ineficiente hoje em dia, e que o Código de Processo Civil prevê o leilão eletrônico. Além disso, lembra de que novas tecnologias poderiam ser melhor aproveitadas pela lei, quanto ao sistema de registro dos trabalhadores e à forma física da CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social).
Mannrich, por sua vez, acrescenta que há valores que, apesar de não terem sido apreendidos na época em que foi criada, ainda não foram introduzidos pela CLT, como é o caso dos direitos de personalidade, trazidos pela Constituição de 1988. A intimidade e privacidade do empregado tem sido defendida por meio de ações por danos morais.