Enquanto procuradores e promotores de Justiça pleiteiam o direito de concorrer a cargos eletivos sem pedir exoneração do cargo, os magistrados, que têm a mesma restrição, divergem sobre o assunto. As duas entidades que representam o Ministério Público pretendem apresentar ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permita que membros do MP se lancem candidatos. Entre a magistratura, porém, o exercício da atividade político-partidária não é visto com bons olhos pelas entidades que representam a toga e o tema ainda deverá ser debatido entre os juízes associados a elas.
Atualmente, para concorrer às eleições, juízes e membros do Ministério Público são obrigados a pedir demissão. Isso porque a Reforma do Judiciário, aprovada pela Emenda 45 em 2004, proíbe que membros do MP e da magistratura exerçam atividades político-partidárias. Pela lei, um promotor ou um juiz que queira se lançar candidato precisa pedir exoneração do cargo e não pode voltar a exercê-lo caso perca as eleições ou chegue ao fim do mandato. Defensores da medida, na época, argumentavam que a atividade político-partidária geraria aproximações, composições, favorecimentos recíprocos, compromissos com facções políticas e setores econômicos, o que era incompatível com o perfil constitucional do Judiciário.
No entanto, os promotores, que foram favoráveis à medida, alegam falta de representatividade da classe no Congresso Nacional, devido às restrições estabelecidas pela Constituição Federal. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Antônio Carlos Bigonha, na época da Constituinte, a bancada do MP tinha 15 representantes. Hoje, há apenas três deputados da carreira na ativa Dimas Ramalho (PSS-SP), Vieira da Cunha (PDT-RS) e Carlos Sampaio (PSDB-SP), que ingressaram no MP antes de 1988 e, por isso, conquistaram o direito de se candidatar sem pedir exoneração.
PARTICIPAÇÃO. O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), César Mattar Júnior, diz que, apesar de o MP ter sido favorável à mudança, percebeu com o tempo que a medida foi prejudicial à classe. "Nós queremos colaborar efetivamente com a democracia. Queremos participar da elaboração das leis no lugar de apenas zelar pelo cumprimento delas", argumenta.
O assunto foi discutido pela primeira vez no fim de agosto, em uma reunião de entidades representativas do MP com o senador José Nery (PSol-PA). O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, participou do encontro, que tentou mobilizar o senador para o pleito. A ANPR quer alterar a Carta Magna e mudar o artigo que veta a participação de magistrados e membros do MP em cargos eletivos se eles permanecerem na função. Durante a reunião com os procuradores, o senador reconheceu a relevância da discussão sob o ponto de vista do exercício da igualdade perante a lei e ficou de analisar a questão. "O que posso dizer a vocês é que vou examinar a questão. É algo importante a ser debatido, para que sejam estabelecidas regras", declarou o senador, na época.
Por meio da assessoria de imprensa, o presidente da Ajufe afirmou que, antes de tomar alguma decisão, vai fazer uma pesquisa para consultar os juízes federais brasileiros sobre o assunto. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares Pires, diz que desconhece qualquer pesquisa ou deliberação dos conselhos que formam a entidade sobre o tema, mas pessoalmente se posiciona contra a atividade político-partidária de juízes.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra), Luciano Athayde Chaves, não tem uma opinião consolidada sobre o tema, mas faz considerações contra a proposta. O presidente da AMB acredita que dificilmente uma PEC nos moldes da pretendida pelos promotores e procuradores de Justiça seria apoiada pela magistratura. "Depois de exercer uma atividade político-partidária e voltar para a magistratura, o juiz poderia ter problemas. Para ser eleito, um candidato precisa de apoios, financiamentos. Dessa forma, ele fica devendo favores e gentilezas que podem arranhar a imparcialidade e a independência do Judiciário", sustenta Valadares.
REPRESENTANTES. O presidente da Anamatra faz duas reflexões sobre o tema. Primeiro, pondera sobre a falta de representantes da classe no Congresso Nacional e da necessidade de ter mais parlamentares como o deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), que é desembargador aposentado. "Nos ressentimos da presença de pessoas no Congresso Nacional que conheçam o Judiciário pelo lado de dentro, mas isso não significa necessariamente a elegibilidade de magistrados", ressalta.
Por outro lado, Luciano Chaves questiona se a opinião pública não poderia enxergar uma decisão polêmica como forma do juiz se autopromover, caso ele pudesse se lançar candidato. "Me parece mais conveniente manter o atual modelo, de o juiz ser obrigado a deixar a carreira para se candidatar", opina.
De acordo com o presidente da Conamp, a grande maioria dos promotores é a favor da elegibilidade. Mattar Júnior diz que a entidade vai atuar junto aos deputados federais para que eles aprovem o artigo da PEC 358/2005, a segunda metade da Reforma do Judiciário, que permite que membros do Ministério Público admitidos antes da promulgação da lei possam exercer atividades político-partidárias. "A restrição não é justa. Somos a única carreira de Estado que não pode se candidatar, diferentemente da Defensoria Pública, de todas as polícias e dos advogados públicos de uma maneira geral", afirma.