SÃO PAULO - A Emenda Constitucional 62, que alterou o regime de pagamento dos precatórios, foi aprovada no fim do ano passado e é alvo de diversos embates na justiça. Além de ações em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), uma delas ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de relatoria do ministro Carlos Ayres Britto, a polêmica medida também é discutida nos estados. Recentemente, liminares do órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspenderam a extinção de sequestros para pagamento de precatórios.
O presidente do TJ paulista, desembargador Antonio Carlos Viana Santos, julgou extintos, após a publicação da emenda, os sequestros de precatórios em curso até antes da nova norma, inclusive os de natureza alimentar e sequestros humanitários, devidos a idosos ou portadores de doenças graves.
A justificativa foi de que eles violavam a nova ordem cronológica e que a EC 62 já estabelece uma fila preferencial nesses casos. O presidente do Tribunal só deferiu o levantamento dos sequestros de valores que já haviam sido depositados antes.
A advogada Daniela Barreiro Barbosa, do escritório Innocenti Advogados Associados, conseguiu, em quatro mandados de segurança, afastar a extinção até o julgamento final das ações. Os autores alegavam que os pedidos deveriam prosseguir em face ao direito líquido e certo, pois a emenda só entrou em vigor após a determinação do sequestro, tese que foi acolhida pelos relatores.
As decisões, quatro das primeiras a analisar o caso no Estado, foram dadas entre julho e agosto. Segundo a advogada, o órgão especial vem concedendo liminares a favor dos credores. Isso pode abrir precedentes em outros casos de sequestros suspensos.
"Com essas liminares, impede-se que o dinheiro já sequestrado e depositado judicialmente volte aos cofres do governo", afirma a advogada. O valor dos precatórios, nos casos, variavam entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão.
Em uma das liminares, o relator, desembargador José Roberto Bedran, afirmou que a aplicação retroativa da emenda é "duvidosa", especialmente diante dos princípios da legalidade e da irretroatividade previstos na Constituição Federal.
"A matéria objeto da impetração mostra-se complexa e discutível, forçoso concluir pela imprescindibilidade de um exame de maior amplitude, suscetível de ocorrer somente por ocasião do julgamento do mérito", afirma o desembargador Ribeiro dos Santos em outra decisão. "A matéria está em discussão no órgão especial e a cautela recomenda a liminar", diz o desembargador Eros Piceli.
Entenda
A emenda 62 dilatou o prazo para que União, estados e municípios paguem as dívidas judiciais. A medida, apelidada de "emenda do calote", instituiu limites orçamentários para a quitação das dívidas judiciais e criou um regime especial que alterou a ordem cronológica de pagamento, além de estabelecer que o pagamento seja feito em ordem crescente de valor. Os entes federativos que possuírem débitos judiciais superiores ao valor previsto em orçamento poderão pagar primeiro os precatórios de pequeno valor e aqueles pertencentes a pessoas com mais de 60 anos.
Foi estabelecido um percentual mínimo do orçamento (de até 2%) para o ente federativo devedor quitar seu débito. Metade dessa verba deverá ser destinada aos chamados leilões reversos, em que receberá primeiro o credor que der o maior desconto sobre o que tem direito a receber. Os outros 50% continuarão a respeitar a ordem cronológica de emissão dos títulos, com a prioridade para os de baixo valor e de idosos.
Em julho desse ano, a maioria dos desembargadores do órgão especial declarou, ao analisar casos específicos, que a retroatividade da emenda, que prevê aplicação de um novo regime de pagamento também aos precatórios já vencidos na data de publicação, fere a Constituição. A palavra final será do Supremo.
A OAB e outras cinco entidades ajuizaram no STF uma ação de inconstitucionalidade que ainda não tem data para ser julgada. Elas alegam que foi instituído um "calote oficial" por meio de regras inaceitáveis, principalmente a limitação e vinculação do orçamento. A Ordem aponta ainda o fato de a proposta não ter sido votada em dois turnos no Senado após ser alterada pela Câmara dos Deputados. Na ação, a entidade argumenta que a emenda ofende os princípios da dignidade da pessoa humana, da separação dos Poderes, da segurança jurídica e do ato jurídico perfeito. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) também questionou a norma no Supremo.