Por Luciano Athayde Chaves (*)
“A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. O comando, extraído da nossa Constituição, protege todo cidadão em todas as dimensões da vida social, inclusive, no campo dos direitos sociais assegurados a todos brasileiros, projetando-se, como não poderia deixar de ser, sobre a complexa tessitura do trabalho.
No Brasil, e no resto do mundo, infelizmente, ainda nos deparamos com formas cruéis de discriminação nas relações de trabalho. E uma das mais graves é a discriminação em face de quem é portador de doenças infecto-contagiosas graves, como o HIV/Aids, que amiúde precisa enfrentar, além da própria doença e das particularidades que a envolve, a rejeição no ambiente de trabalho, dos colegas ou dos seus superiores na empresa.
O tema é de tanta importância que já foi o fio condutor de um importante roteiro de cinema. Refiro-me ao filme Philadelphia (EUA, 1993, direção de Jonathan Demme), no qual o protagonista Andrew Beckett (interpretado por Tom Hanks) decide provar perante o Poder Judiciário dos Estados Unidos que fora despedido do escritório de advocacia em que trabalhava em razão da doença. Ao final, embora não mais vivo para conhecer o veredicto, prevaleceu a sua tese de despedida discriminatória.
A arte do cinema se inspira na vida, e esta imita a arte. Entre nós - na vida real - muitos trabalhadores são vítimas de atos de discriminação por essa e por outras razões. Quando demitidos de suas funções, acabam recorrendo à Justiça do Trabalho para terem seus direitos como cidadãos respeitados e assegurados.
Isso pode ser verificado em diversas decisões, inclusive do Tribunal Superior do Trabalho (TST), determinando a reintegração de empregados às suas funções, por despedida arbitrária e discriminatória.
Certo de que esse é um problema social instituído no cotidiano de muitos trabalhadores, a edição de normas internacionais pelos organismos competentes, e a devida ratificação por cada país, é instrumento com a pretensão de garantir a proteção desses indivíduos.
Nesse sentido, a 99ª Conferência anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada no mês de junho, adotou uma nova recomendação internacional de trabalho sobre HIV/Aids. Dentre vários objetivos, o texto busca reforçar a contribuição do mundo do trabalho ao acesso universal à prevenção, tratamento, cura e apoio frente ao HIV, com disposições sobre programas de prevenção e medidas antidiscriminatórias, em nível nacional e no local de trabalho.
A importância do emprego para os trabalhadores que vivem com HIV/Aids também é destacada na norma. Portanto, o direito ao trabalho, sem qualquer forma de discriminação, é algo que deve ser garantido em âmbito internacional e a norma adotada, certamente, caminha nesse sentido.
Ademais, é preciso reconhecer que o Brasil já avançou no sentido de combate a todo e qualquer tipo de prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso ao emprego, em especial nos casos de despedida, e vem aplicando os princípios constitucionais de proteção à dignidade humana e da não discriminação e a recomendação reforça ainda mais o protagonismo judicial nesse tema.
Além das normas constitucionais, densificadas ao plano da vedação de discriminação, já contamos com diversas normas federais e estaduais dispondo sobre a discriminação em razão do HIV/Aids.
Estatísticas do ano de 2008, do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), revelam que mais de 33 milhões pessoas estejam vivendo com HIV no mundo. Assim como se faz campanha para prevenção e estudos em busca da cura, devemos nos ater igualmente a quem já convive com a doença, em ordem a preservá-lo de atitudes discriminatórias, especialmente no ambiente de trabalho.
É bem verdade que o Brasil possui uma política de saúde conhecida mundialmente de controle da doença, o que possibilita aos portadores do HIV/Aids continuarem suas atividades laborais normalmente.
Portanto, não é admissível no mundo contemporâneo, com pessoas bem informadas e esclarecidas, que tenhamos ainda preconceitos desse jaez nas relações de trabalho, principalmente em empresas das quais se espera o compromisso social e o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.
Nesta altura, em que a OIT insere a discriminação por HIV/Aids na agenda das relações internacionais de trabalho, é preciso orientar a sociedade brasileira na direção do banimento de qualquer forma de discriminação. E, caso praticado ato discriminatório, é de ser garantida a proporcional reprimenda legal, seja no âmbito das relações de trabalho, no acesso ao emprego, ou em qualquer outro momento.
(*) Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - Anamatra