“Vamos criar um mecanismo de defesa para o empregado”
A economia brasileira registrou, em março, 1,419 milhão de contratações com carteira assinada e 1,384 milhão de demissões. Mesmo com um saldo positivo de 34.818 vagas, este foi o pior resultado para meses de março desde 2003. Em Minas, apesar da abertura de 168.728 postos, houve o fechamento de outros 159.329, um saldo de 9.399 vagas, que colocou o Estado no terceiro lugar no ranking de postos criados no país. Preocupada com a onda de demissões, em razão da crise econômica, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) encaminhou ao Senado, no mês passado, um anteprojeto de lei elaborado com o objetivo de alterar o artigo 487 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que dispõe sobre a regulamentação do aviso prévio. O presidente da Anamatra, Cláudio José Montesso falou com exclusividade ao HOJE EM DIA sobre este projeto, os efeitos da turbulência financeira sobre o mercado de trabalho e outras pressões que surgem por reformas da lei trabalhista. Montesso é atualmente juiz titular da 58ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro e professor licenciado de Direito Processual Civil. Ele esteve em Belo Horizonte na última semana para participar de seminário sobre ampliação da competência da Justiça do Trabalho.
O projeto apresentado ao Senado altera os prazos do aviso prévio, que passariam a ser proporcionais ao tempo de serviço do funcionário na empresa. Quais seriam as novas datas?
O projeto chega para efetivar o que já está na Constituição, só que nunca foi regulamentado. Ele dá uma nova redação ao artigo 487 da CLT e estipula novos prazos. Os atuais 30 dias corridos valeriam apenas para o contratado a menos de um ano. Em seguida, seriam 60 dias corridos se a pessoa tem mais de um ano e menos de cinco na empresa; 90 dias corridos para o empregado, se este foi contratado a mais de cinco e menos de dez anos; 120 dias corridos para o funcionário com mais de dez e menos de 15 anos de serviço, e 180 dias corridos, se o contratado estiver há mais de 15 anos na empresa.
Mas o senhor acredita que uma empresa vá fazer um aviso prévio de seis meses e manter esse funcionário com todos os gastos legais que são exigidos?
Primeiro, que as datas ainda fazem parte de um anteprojeto apresentado ao Senado, ou seja, podem sofrer mudanças. O que não podemos aceitar mais é um trabalhador que labute há mais de 15 anos na mesma empresa possa ser demitido após um aviso prévio de 30 dias. Também é claro que uma empresa não vai manter um funcionário com aviso prévio com seis meses de antecedência. Queremos mesmo é criar um mecanismo maior de defesa para o empregado.
Então a lei não surge com o objetivo maior de coibir a demissão?
Não. O objetivo é fazer com que a pessoa que trabalhe há mais tempo possa ter mais benefícios. Muitas vezes, a empresa prefere não manter o empregado nem mesmo pelos 30 dias do aviso. Desta forma, ela o indeniza e paga o proporcional. E é isso que vai acontecer com a aprovação dos 180 dias. A pessoa vai receber mais, caso haja a aprovação da medida. Ao mesmo tempo, quando se cria este mecanismo, a empresa vai pensar duas vezes antes de tomar a decisão. Estaremos desestimulando o empregador a demitir. O empregado com mais de 15 anos de carreira nunca mais será demitido sem justa causa.
Qual a posição que a Anamatra tem sobre o andamento do projeto no Congresso Nacional?
O Senador Paulo Paim (PT-RS) já registrou, no Plenário do Senado Federal, a importância da aprovação do projeto de lei, e agora temos que aguardar a votação. Recentemente, ganhamos um importante aliado, que foi o Senador José Sarney (PMDB/AP).
Mas a Anamatra acredita que o projeto passe pela aprovação do Congresso Nacional?
Todo projeto que diz respeito aos direitos e à Justiça do trabalho enfrenta muita resistência no Congresso. A razão é muito simples, pois boa parte dos parlamentares é empresário, e, quando eles não o são, estão envolvidos diretamente com pessoas do ramo que são, em grande parte, financiadoras de campanha. Claro que tudo isso é absolutamente legítimo. Não estou falando nada que é ilegal, mas é uma questão que prejudica o processo. Às vezes, o Congresso nos surpreende com as decisões que são tomadas. Esperamos que, desta vez, isso possa acontecer, como ocorreu recentemente com a ampliação da licença maternidade, que era vista como algo muito difícil de ser alcançado.
Após a crise, o desemprego tem sido o principal foco de discussões na Justiça do Trabalho?
Logo que a questão da crise se instaurou, o primeiro temor, e assim era natural que ocorresse, foi a perda dos postos, ou seja, o desemprego. Sendo assim, a primeira ação que se percebeu por grande parte do empresariado e setores mais conservadores foi a necessidade de mudar a legislação trabalhista para tornar mais fácil as contratações. Entretanto, nós não achamos isso razoável. Primeiro, porque o desemprego não decorre disso. Não foi a legislação que levou à perda dos postos de trabalhos. Foi um cenário da economia global.
Mas a postura de querer mudar a legislação trabalhista neste momento não seria a mais adequada?
É claro que algumas questões precisam ser revistas, como a do aviso prévio. Mas tentar discutir a legislação no atual cenário não é o ideal, porque estamos numa situação de fragilidade por parte dos empregados. Seria muito oportunista, pois o empresariado poderia se aproveitar desta situação e criar mecanismos que iriam baratear ainda mais a mão de obra.
Mas o que precisa mudar, e qual seria o momento ideal?
Quando se fala em reformular muito, se pensa em acabar com 13° salário, férias e aviso prévio. Não é bem assim. Dá para fazer uma reforma sem ter que interferir nestes pontos. Temos que criar mecanismos que possam reduzir o custo desta mão de obra para a empresa. E o momento ideal seria durante o período de crescimento econômico, quando estávamos tendo grandes contratações em todo o país, só que, no momento de boom, ninguém quer mudar nada.
O senhor falou em redução do custo da mão de obra. Como isso poderia ser feito?
Redução do custo no que diz respeito à Previdência Social, que hoje é calculada sobre a folha de pagamento. Quando se pensa em custo da Previdência Social por parte do empregador, logo vem à tona o custo do trabalho. Se o empresário tem 20 empregados, ele vai pagar a Previdência sobre os 20 e, para reduzir isso, ele pensa em reduzir a mão de obra. Se conseguirmos retirar essa contribuição da folha de pagamento e deslocar para o faturamento da empresa, como alternativa, eu retiro o custo do trabalho. Retiro da contratação da mão de obra custos que ela não suporta e que não são dela. O empregado não recebe, diretamente, nenhuma vantagem. É claro que aquilo financia o sistema geral da Previdência, mas isso beneficia todos, empregados e empregador. Nós temos dois grandes exemplos de setores empresariais no Brasil que se desenvolveram muito nos últimos anos e que tiveram acréscimos de faturamento proporcionalmente inverso à contratação de mão de obra. Os setores bancário e automotivo batem recorde de lucro, mas ao mesmo tempo tiveram uma redução na sua capacidade de contratação impressionante.
Mas se o custo da Previdência tivesse sido tirado, isso teria evitado a redução da mão de obra?
Provavelmente não. No caso dos bancos, costumo brincar que eles terceirizaram o serviço não para outras empresas e, sim, para nós. Somos nós que emitimos o cheque, pagamos a conta... O banco acabou sendo um grande beneficiário da tecnologia. Ou seja, não evitaríamos a perda de mão de obra, mas, pelo menos, não haveria isso como desculpa. O empresário pagaria sobre o faturamento e não diretamente na folha. Retirando isso da folha, a pessoa não tem mais esse argumento. Você vai ter o preço exato da mão de obra. Da forma que está, se financia todo o sistema, que é de solidariedade. Todos nós pagamos para que todos tenhamos uma aposentadoria. Com a mudança proposta, desoneraria muito, já que a tributação ainda é alta. O resto é encargo de tributação, e isso pode facilitar a contratação e da mão de obra.
Alguma lição já foi tirada da crisepela Justiça do Trabalho?
Amadurecimento das relações do trabalho. Um exemplo são os sindicatos brasileiros. Eles precisam amadurecer e ter mais legitimidade. Hoje, muitos sindicatos não têm um sócio sequer, sobrevivem da contribuição sindical obrigatória e não fazem nada em favor da categoria. Também temos ótimos exemplos de sindicatos atuantes, que lutam pelos direitos dos trabalhadores e sabem aceitar e ouvir os empresários na hora que é preciso. Negociação é isso. Você abre mão de uma coisa e recebe outra em troca, por meio de um diálogo maduro. Nós, juízes do trabalho, precisamos observar os fatos com mais imparcialidade. A Justiça deve entrar com uma visão social e não meramente legalista. Não se pode mais imaginar a decisão apenas fria da lei, e isso não significa que é preciso julgar contra a lei ou sem observá-la. Precisamos é ter uma observância política-social dos fatos.