O Supremo Tribunal Federal (STF) decide em breve, e de forma definitiva, a quem cabe o julgamento dos processos judiciais de ex-funcionários da antiga Varig que pedem que a Justiça reconheça o grupo Gol como sucessor das verbas cobradas em ações trabalhistas. A Gol comprou a "nova Varig" (VRG), que foi criada no processo de recuperação da "velha" companhia, e registra um crescimento considerável de processos - são, pelo menos, 1,5 mil recebidos em pouco mais de um ano. A corte suprema aceitou julgar um recurso de uma funcionária contra a VRG e conferiu a ele o chamado status de "repercussão geral"- dado a casos de grande relevância por envolverem um grande número de processos. Na prática, o que o Supremo vai decidir é se os processos que pedem à VRG - e conseqüentemente à Gol - o pagamento de dívidas trabalhistas devem ser julgados pela Justiça do Trabalho ou devem se concentrar na vara de falências da Justiça estadual, no caso a 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, responsável pela recuperação judicial da velha Varig e sob o comando do juiz Luiz Roberto Ayoub. A decisão do Supremo será importante porque, a depender de quem julgará os processos, o destino da Gol pode assumir rumos bem diferentes. A Justiça do Trabalho possui um entendimento consolidado sobre a questão, que normalmente responsabiliza o comprador de uma empresa pelo passivo trabalhista já existente quando a aquisição do negócio é fechada. Não há ainda o que se chama de uma jurisprudência (reiterados julgamentos) da sucessão sob o enfoque da nova Lei de Falências. Mas a "leitura" do mercado tem sido a de que a Justiça do Trabalho manterá o entendimento de que há sucessão, ainda que a compra tenha sido de uma unidade isolada de empresa em recuperação judicial, como é o caso da VRG. Se, ao contrário, o Supremo decidir que é da vara de falência e recuperação a responsabilidade pelo julgamento da sucessão, a avaliação de especialistas é de que os magistrados dessa área devam descartar a sucessão. O juiz Luiz Roberto Ayoub já disse que não há sucessão no caso da Varig. O processo que chegou ao Supremo é o de uma ex-funcionária da Varig contra a VRG Linhas Aéreas, adquirida pela Gol em março do ano passado. O recurso da trabalhadora, representada pelos advogados Otávio Bezerra Neves e Sebastião José da Motta, do escritório Motta & Motta Advogados, foi proposto no Supremo contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual caberia à vara empresarial do Rio julgar e examinar a sucessão, assim como outras práticas relacionadas à recuperação judicial da Varig. Segundo o advogado Sebastião José da Motta, o STJ vem adotando esse entendimento em todos os chamados "conflitos de competência" - que definem qual juiz avaliará o processo - relacionados à Varig. De acordo com ele, o que se busca nessas ações de conflitos é uma definição de quem seria responsável pelo julgamento das questões trabalhistas e a sucessão na recuperação judicial. "Não discutimos a classificação de créditos, só direitos e sucessão trabalhista", ressalta. Portanto, afirma o advogado, o Supremo só decidirá qual é a Justiça responsável para julgar esses casos e não se existe uma sucessão trabalhista na recuperação judicial. Motta também afirma que o resultado da decisão do Supremo influenciará não só o caso da Varig, mas também inúmeras outras empresas em recuperação judicial como a Vasp e mesmo casos anteriores à Lei nº 11.101, de 2005, como os ex-funcionários da falida TV Manchete. A Gol já registra perdas por ações trabalhistas movidas por ex-empregados estrangeiros da Varig O vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciano Athayde Chaves, afirma que as ações trabalhistas contra empresas em falência sempre correram na Justiça do Trabalho e, julgado o processo, a decisão com o valor da condenação fixado é habilitado pelo trabalhador na falência. Para ele, mesmo que exista uma nova legislação sobre recuperação e falências no país, continua a caber à Justiça do Trabalho julgar ações dessa natureza contra a falida, e agora na recuperação, assim como possível sucessão trabalhista, pois se trata de algo assegurado pela Constituição Federal. "O julgamento dos créditos trabalhistas fica com a do Justiça do Trabalho, mas a sucessão, no caso de empresa em recuperação, fica com a vara empresarial, por tratar-se de questão específica da recuperação judicial", defende o advogado especializado em recuperações e falências, Gilberto Giansante, do Yunes, Giansante e Pereira Lima. Desde que foi comprada pela Gol, a VRG foi incluída em vários processos judiciais abertos inicialmente contra a antiga Varig. Em parte deles, a própria Gol é acionada. São inúmeras ações trabalhistas em que ex-funcionários da velha Varig que pedem o reconhecimento da sucessão de dívidas pela VRG ou pela Gol. Mas há também ações cíveis e reclamações administrativas - geralmente aquelas oriundas de queixas de consumidores em órgãos de proteção, como o Procon - contra a empresa. A Gol tem registrado um crescimento significativo de processos trabalhistas, desde que comprou a Varig. Nesse caso, a Gol Linhas Aéreas, empresa de capital aberto que reúne as companhias Gol e Varig, é acionada direta ou indiretamente. Em 31 de dezembro de 2007, por exemplo, a Gol sozinha contabilizava 289 ações do trabalho. Só por litígios trabalhistas da ex-funcionários da velha Varig que acionaram a VRG, o aumento foi cinco vezes maior, ou 1.507 processos. Ao todo, a Gol registrava 1.796 ações trabalhistas. Isoladamente, também era alvo de 5.946 ações cíveis e 828 reclamações administrativas. A VRG, por sua vez, havia sido acionada em mais 427 ações cíveis e 87 reclamações. Do fim do ano passado até março deste ano, é possível verificar que houve um aumento de 353 processos trabalhistas, para um total de 2.149. As ações cíveis também subiram de 6.373 para 7.249. Os números podem ser conferidos nas demonstrações financeiras do último trimestre de 2007 e do primeiro trimestre de 2008. Neste último documento, porém, a companhia não separa quantos dos processos judiciais decorrem de suas operações e quantos são resultantes de pedidos de reconhecimento da VRG como sucessora de dívidas da antiga Varig. Na prática, os efeitos das discussões sobre conflito de competência para Gol ainda são mínimos. Como ainda se discute qual será a Justiça responsável pelos processos do trabalho e sucessão, o mérito da questão ainda está longe de ser decidido, principalmente se considerado o tempo de trâmite dos processos na Justiça brasileira. No exterior, no entanto, a realidade de processos desta natureza já é bem diferente. Em outros países, a Gol já contabiliza as perdas decorrentes de processos movidos por funcionários estrangeiros da antiga Varig. A companhia aérea registrou uma provisão de R$ 26,4 milhões para ações abertas em jurisdições internacionais no seu balanço do primeiro trimestre. O total de provisões para contingências alcançou R$ 61,52 milhões, contra R$ 32,07 milhões no quarto trimestre de 2007. Procurada pelo Valor , a Gol informou que não se pronuncia sobre hipóteses e discussões jurídicas processuais. |