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Reforma do Direito Material e Processual do Trabalho

Por João Albino Simões Rodrigues (*)

Por João Albino Simões Rodrigues (*)
 
Será que é necessário corrigir o Direito Material e o Processual do Trabalho ? Com a devida vênia de quem pense em sentido contrário, parece-me que não há necessidade de reformar nenhum dos dois. O que é preciso é adaptá-los aos novos tempos, sem perder de vista os princípios que orientam um e outro. Assim, tenho a pretensão de sugerir algumas modificações que não negam e essência de nenhum deles.

 

Começo pelo Direito Material do Trabalho. O princípio da tutela que o inspira não pode ser alterado, sob pena de retrocesso. Se com o Direito Material do Trabalho que temos ainda restam vestígios de trabalho escravo, é impossível pretender-se a aplicação de regras liberais no âmbito da legislação trabalhista. As normas de proteção inscritas na Constituição Federal não podem ser mexidas salvo uma exceção. Se possível, o que se deve fazer é ampliar o elenco de direitos deferidos aos hipossuficientes. Talvez se possa introduzir pequenas modificações no que já existe. Por conseguinte, apresento algumas sugestões, com as devidas justificativas, de pequenas adaptações aos tempos contemporâneos de regras que existem no Direito do Trabalho desde que este, pelo menos no Brasil, passou a constituir-se em ramo autônomo do Direito.

 

A Carta Constitucional de 1988 reconhece os acordos e convenções coletivas como instrumentos de realização do Direito do Trabalho, permitindo, até mesmo, que, por meio deles, certos direitos básicos sejam temporariamente suprimidos. Pois bem: É hora de estimular categorias profissionais e econômicas a lançarem mão dessas ferramentas para aperfeiçoar o Direito Material do Trabalho. Aspectos como horário de trabalho, participação dos empregados  no lucro das empresas, garantia de emprego, aviso prévio proporcional, redução de jornada de trabalho, etc. devem e podem ser aperfeiçoados através de instrumentos coletivos. É preciso tolerar, principalmente a jurisprudência, que os trabalhadores a negociem com as empresas as suas condições de labor e chego ao ponto de entender que, se forem respeitados os direitos mínimos, a negociação possa ser feita individualmente. Não há razão para impedir, por exemplo que um médico contrate com o empregador uma jornada de 24 horas, em regime de plantão, uma vez por semana. A jornada semanal está cumprida com um único dia de trabalho e o trabalhador poderá, inclusive, exercer a sua profissão em outra empresa ou de forma liberal. Isto tem sido costume de longa data em trabalhadores da área da saúde e, em assim fazendo, muitas vezes os empregadores são condenados pela Justiça do Trabalho a pagar, como extras as horas excedentes à jornada diária prevista em lei. Isto não traz prejuízo para ninguém. O estabelecimento de saúde terá que contratar mais médicos e os médicos poderão trabalhar em mais de um local. Revogue-se, portanto, o limite estabelecido no “caput” do art. 59 da CLT, permitindo a compensação horária que for ajustada pelas partes, respeitada a duração semanal do trabalho e observados os intervalos de repouso intra e entre jornadas, bem como o semanal Se não houver regime de compensação, fixado por contrato individual ou coletivo, o empregador que arque com a remuneração das horas extras em percentual de, pelo menos, 100% (cem por cento), pois assim se desestimula as prorrogações de jornada. Tais prorrogações, salvo ajuste compensatório, só poderiam ser realizadas em caso de necessidade imperiosa ou de força maior e, ainda, assim, como o risco da atividade é do empregador, que seja ele o responsável pelo pagamento de horas extras com percentual elevado.

 

 

A garantia de emprego, ainda que não nos moldes tradicionais da CLT é imperativo que seja regulamentada, ou por lei, o que já deveria ter sido feito, ou por contratos individuais ou coletivos de trabalho. É indispensável que o trabalhador disponha de alguma segurança relativamente ao seu emprego, pois é dele que extrai o salário que sustenta a si próprio e à sua família. Poder-se-ia pensar em algo semelhante ao que está previsto no art. 165 da CLT.

 

O aviso prévio proporcional é outra instituição de extrema relevância, em especial para os trabalhadores mais velhos. É sabido que o mercado de trabalho tende a admitir trabalhadores jovens e sem maiores compromissos de vida, porquanto ficam satisfeitos com salários mais baixos. Os trabalhadores com mais idade, com mais experiência, com maiores compromissos familiares têm mais dificuldade de encontrar serviço, até porque querem ganhar salários mais altos. Desse modo, a proporcionalidade do aviso prévio, em caso de despedida imotivada, ou mesmo motivada, desde que não seja pela prática de falta grave, deve ser estabelecida de tal forma que o empregado desfrute de tempo maior para conseguir uma outra colocação. A fixação do número de dias de aviso prévio deve levar em conta a idade e o tempo de serviço do trabalhador na empresa. Assim, um critério razoável seria, por exemplo, fixar que os trabalhadores com mais de 40 anos teriam o aviso prévio de 30 dias acrescido de 1 dia a cada mês trabalhado na mesma empresa.

 

O empregado faz parte de uma engrenagem que o patrão utiliza para atingir os seus fins. No mundo capitalista moderno, não só as empresas visam o lucro. Instituições sem fins lucrativos debatem-se para obter superávit em seus orçamentos. Ora: o trabalhador contribui decisivamente para que os objetivos do empregador sejam alcançados. Assim, nada mais justo que repartir entre os trabalhadores parte do lucro ou superávit. Aqui, me parece que os métodos e os critérios para repartição de lucros e superávits devem ser estabelecidos por contrato coletivo. A lei, no caso, apenas fixaria um valor ou um critério mínimo de participação. A integração dos trabalhadores na gestão da empresa não me parece coisa razoável e nem lógica dentro do sistema jurídico pátrio. Se apenas o empregador é quem responde pelos riscos do empreendimento, nada mais justo que confiar ao patrão e exclusivamente a ele, exceto se o próprio assim entender diferente, a administração do negócio. Ao empregado incumbe a tarefa de trabalhar. A gestão do negócio é exclusivamente do patrão. Deve ser banida da Constituição a regra pertinente à participação dos trabalhadores na gestão da empresa, até porque isto tem sido letra morta no nosso direito trabalhista. Não passa de uma norma demagógica.

 

Uma outra questão importante, ainda que não ligada diretamente ao Direito do Trabalho, mas que com ele tem íntimas relações é a de alguns benefícios previdenciários. Reporto mais explicitamente aos auxílio doença e auxílio doença acidentário. Pelo sistema vigente, o trabalhador enfermo ou acidentado que perde, temporariamente, a sua capacidade laborativa, receberá do INSS um dos benefícios. Qualquer um do povo sabe e vê a “via crucis” desses trabalhadores, que enfrentam longas filas nas agências do órgão previdenciário para pleitear o benefício. Assim como acontece com o salário família e com o salário maternidade, que são pagos diretamente pela empresa, e cujos valores são abatidos da guia de recolhimento das contribuições para a Previdência, o mesmo poderia ser feito com os auxílios doença. Muitas empresas contam com serviços médicos próprios ou conveniados; estes serviços poderiam aferir as condições de saúde do trabalhador e atribuir o período de gozo do benefício; a empresa pagaria o beneficio diretamente ao trabalhador e abateria o montante respectivo da guia de recolhimento das contribuições previdenciárias. O cálculo do benefício poderia ser feito, precariamente, pelo próprio empregador. Posteriormente, o INSS faria o cálculo definitivo e as contas seriam acertadas. Se o empregado recebeu a mais, compensar-se-ia o excesso com os salários de meses subseqüentes; se recebeu a menos, o empregador lhe pagaria o que faltou e abateria o montante da guia de contribuições para a Previdência. Não é assim que acontece com o Imposto de Renda Retido na Fonte ?

 

Poder-se-ia, também, estender aos empregados domésticos os direitos a FGTS e seguro desemprego, o que hoje é facultativo e, portanto, de raríssima aplicação. Para beneficiar o empregador doméstico e estimular a concessão do FGTS, os valores correspondentes poderiam ser abatidos do Imposto de Renda.

 

Estas são, por enquanto, algumas pequenas providências que poderiam ser tomadas para melhorar o nosso Direito Material Trabalho.

 

Relativamente ao Direito Processual do Trabalho penso que pouco se há de mudar. O processo trabalhista prima pela simplicidade o que, sem dúvida, deve ser preservado. Entretanto, ouso sugerir algumas pequenas modificações.

 

A primeira alteração que me parece importante diz respeito à primeira proposta conciliatória que o juiz deve produzir. No momento, a CLT determina que esta proposta seja realizada antes de o reclamado apresentar sua defesa. Ora, o poder de persuasão do juiz é muito menor se ele ainda não conheceu o contraditório. Propor acordo com a visão dos acontecimentos apresentadas apenas por uma parte é mais difícil. Já depois de formado o contraditório, é mais fácil para o juiz sugerir alguma transação, pois também já ouviu as alegações da parte reclamada. Por isso, penso que a primeira proposta de conciliação deve ser feita depois que o reclamado contestar a ação.

 

A segunda sugestão é no sentido de que se adote um único procedimento na Justiça do Trabalho. De acordo com a lei vigente, todos os procedimentos são iguais no que diz respeito aos atos que devem ser praticados. O que distingue um dos outros ou é o número de testemunhas, ou o que vai ser transcrito na ata de audiência e alguns outros pequenos detalhes. Penso que, como todos os procedimentos exigem audiências unas, isto é, contínuas, só podendo ser adiadas por motivo relevante, poder-se-ia ter um único procedimento, independentemente do valor da causa. Poder-se-ia adotar, por exemplo, o procedimento ordinário, ou o procedimento sumaríssimo, com as características que já têm. O importante é que os juízes zelem para que as audiências sejam efetivamente unas, pois assim os processos serão resolvidos com maior agilidade. Em princípio, não há motivo para fracionar-se a audiência. Qualquer operador do processo trabalhista sabe que a maioria dos casos que chegam à Justiça do Trabalho são singelos, não exigindo do juiz um esforço intelectual muito grande para solucioná-los. Muitas vezes com o simples depoimento pessoal das partes as questões de fato já ficam esclarecidas, basta que o magistrado tenha, antecipadamente, lido a petição inicial e a contestação. Um interrogatório objetivo resolve quase todas as questões. O exame de documentos pode ser feito por amostragem, sendo desnecessário ficar  nomeando peritos para confronta-los. É claro que, em causas mais complexas, muitas vezes é necessário deferir prazo para que as partes examinem documentos, para que se realizem perícias, para que sejam tomadas, enfim, todas as providências que formarão o livre convencimento do juiz.

 

Com os meios modernos de documentar atos, por que não gravar, por meio de áudio ou vídeo  as audiências ? O investimento nesse tipo de tecnologia não deve ser tão alto. Afinal, hoje em dia a Justiça do Trabalho já está toda informatizada. Um gravador de vídeo ou de áudio não constituiria um empecilho maior para documentar  uma audiência.

 

A lei já é assim, mas os juízes, em sua grande maioria, não atuam assim. A sentença deve ser proferida no prazo legal. É inadmissível que o Judiciário exija que os advogados cumpram prazos quando o juiz não os cumpre. Isto constitui matéria disciplinar, ou no mínimo, um defeito de formação do juiz. Em conseqüência, as Corregedorias deveriam educar os juízes, habituando-os a julgar no prazo. A não marcar sentenças “sine die”. As pautas devem ser organizadas de modo que o juiz possa julgar todos os processos que a compõem. De nada adianta marcar 20 audiências num determinado dia e resolver meia dúzia com conciliações e adiar todos os demais. É preferível constituir a pauta com cinco processos mas resolver todos eles, se possível com apreciação de mérito. De nada adianta o juiz resolver o processo. É preciso que solucione o conflito, com ou sem transação entre as partes.

 

A sentença deve ser um ato de justiça. O juiz pode e deve aplicar a lei mas, ao fazê-lo, precisa agir com razoabilidade. Qualquer juiz sabe que muitas demandas não encontram solução pura e simplesmente na lei. Ao proferir a sentença o magistrado deve pensar, simultâneamente, como vai executá-la. Sentença inexeqüível é apenas um pedaço de papel que a parte levará para casa, colocará numa moldura, e fixará na parede da sala como adorno indesejável, como símbolo de sua frustração com a Justiça. Para ilustrar vou contar um caso que ocorreu comigo: presidia eu a 2ª Junta de Conciliação Julgamento de Rio Grande, RS. Certo dia um rapaz apresentou uma reclamatória contra um charreteiro, pessoa que possuía uma carroça e um cavalo, e que trabalhava fazendo fretes. O rapaz era ajudante do charreteiro. Trabalharam juntos por aproximadamente dois anos, ao fim dos quais se desentenderam, motivo pelo qual o rapaz acionou o charreteiro pleiteando o pagamento de verbas rescisórias, indenização de seguro desemprego, horas extras, adicional de insalubridade, recolhimento de contribuições previdenciárias, anotação da CTPS, etc. O charreteiro negou a relação de emprego. Só com os depoimentos pessoais percebi que o vínculo empregatício existira. Tentei, com inúmeros argumentos, conciliar as partes. Não deu certo. Foram ouvidas algumas testemunhas que confirmaram o que já se sabia. Final da história. Para dar uma sentença justa, tive que inventar. Reconheci a relação de emprego, condenei o charreteiro a anotar a CTPS do rapaz e a pagar-lhe o que pedia, porém, impus uma condição: como o cherreteiro não tinha patrimônio, a não ser a carroça e o cavalo, determinei que estes fossem entregues ao rapaz como pagamento da dívida. Entretanto, o rapaz deveria manter o charreteiro como seu auxiliar pelo mesmo período em que assim trabalhara. Resultado: As partes compuseram o litígio amigavelmente. Ia esquecendo: proferí a sentença oralmente, em audiência. O acordo aconteceu na mesma audiência, depois de proferida a decisão.

 

Ainda sobre a sentença e com a finalidade explícita de reduzir os litígios trabalhistas. O art. 114 da Constituição confere à Justiça do Trabalho competência para executar penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho. Seria de todo conveniente e seguindo a orientação da  Carta Magna, conferir a Justiça Especializada a competência para impor multas administrativas, independentemente das processuais, aos empregadores que descumprem a legislação do trabalho. Muitos empregadores não podem cumprir a lei trabalhista, como no caso que anteriormente referi. Muitos, entretanto, podem, mas não querem cumprir a legislação do trabalho. Estes, acham um excelente negócio dever na Justiça do Trabalho e aplicar o seu capital no mercado financeiro. É a estes que a Justiça do Trabalho deve aplicar multas administrativas, além de sanções processuais, pois usam o processo como um meio de retardar o cumprimento de suas obrigações. Os juízos trabalhistas estão abarrotados de processos desse tipo. Contra os renitentes a Justiça Trabalhista deve agir com o máximo rigor. Aliás, dever-se-ia cobrar no processo trabalhista os juros de mercado, para desestimular os maus patrões a fazerem troça da Justiça, a interporem dezenas de recursos. É preciso acabar com a indústria do litígio judicial, em qualquer área que ele ocorra, penalizando quem quer que seja que use o Judiciário para fins espúrios.

 

Para dar maior rapidez à solução de recursos nos Tribunais, penso que deveria ser alterada a ordem de julgamento dos apelos. Os Regimentos Internos deveriam regulamentar a pauta de julgamento. Os processos mais simples teriam preferência de pauta, não que se relegue os mais complexos. As pautas poderiam ser organizadas com um número maior de processos singelos e um número menor de questões difíceis, porquanto os primeiros são em maior número que os outros. Poderia ser criada Turma especializada para apreciar agravos de instrumento, recurso singelo, em que o Tribunal apenas verifica as condições e pressupostos de adminssibilidade de outro apelo, de modo que tais decisões fossem proferidas rapidamente e não como acontece agora, quando um agravo desse tipo pode levar mais de um ano para ser apreciado. Ainda no pertinente aos recursos, acho que para inibi-los e para tornar mais efetiva a execução, deveria o depósito recursal corresponder ao valor da condenação, alterando-se os limites vigentes

 

Como o sol, a CLT é a luz que clareia a escuridão do Direito Material e Processual do Trabalho. Portanto, acho que devemos manter a chama acesa. Precisamos, tão somente, abastecer o fogo e este queimará as impurezas que ceifam a vida dos humildes trabalhadores. Com vontade, determinação e muito trabalho as coisas se resolvem naturalmente. Não é necessário mudanças radicais. Basta agir com bom senso, equilíbrio e, principalmente, com espírito de equipe.

 

Pelotas, 21 de junho de 2008.

 


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(*) Juiz do Trabalho aposentado-4ªRegião e Professor da UFPel

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Dr. Marco Aurélio Marsiglia Treviso
Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra