Necessidade de cumprimento de medidas em prol do trabalho decente é tema de abertura de webinário
Em 28 de janeiro de 2004, quatro servidores do Ministério do Trabalho foram assassinados durante uma fiscalização de rotina às condições laborais na zona rural de Unaí (MG). Para lembrar a data, marcada como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, a Associação Nacional de Magistrados do Trabalho (Anamatra) realizou nesta sexta (28/1), o webinário ‘Escravidão Contemporânea no Brasil: persistências, resistências e combate’.
“Neste dia, não podemos deixar de referenciar aqueles que, há 18 anos, foram assassinados na ‘Chacina de Unaí’, quando cumpriam seu dever funcional de fiscalizar as condições de trabalho de trabalhadores em fazendas”, destacou o presidente da Anamatra, Luiz Colussi, ao abrir o evento. Ele lembrou os nomes das vítimas – os três auditores do trabalho Aratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage, Nelson Perreira da Silva, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira. “Datas como a de hoje servem para lembrarmos que o trabalho escravo depõe contra a sociedade brasileira e deve ser erradicado de uma vez por todas”, afirmou ao abrir o evento.
Colussi lamentou que ao longo desses anos a fiscalização do trabalho escravo vem sendo enfraquecida, com a diminuição das verbas para ações e contratação de profissionais. “Essa falta de recursos é gritante. Nós tivemos, inclusive recentemente, um veto parcial do orçamento para a fiscalização pelo Poder Executivo”, criticou, antes de citar números recentes de flagrantes de trabalho escravo e de provocar o debate durante o evento: “o que falta para erradicar o trabalho escravo contemporâneo aqui no Brasil?”, disse. “Temos que combater essa persistência do trabalho escravo, que ainda há na sociedade, temos que resistir bravamente, para que a sociedade brasileira possa combater essa chaga que é o trabalho escravo. Essa é uma luta de todas, da sociedade civil”, acrescentou.
A procuradora do Trabalho e coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do Ministério Público do Trabalho, Lys Sobral Cardoso, fez um resgate de conceitos que permeiam a violação grave de direitos dos trabalhadores – como tráfico de pessoas, labor forçado, cerceamento da liberdade ambulatorial, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva – e aspectos que levam à exploração da mão de obra exposta a diversos tipos de vulnerabilidades. Ela ainda destacou que a data de hoje é de registro do compromisso das instituições para que elas cumpram sua missão institucional diante desse cenário. “Precisamos defender os direitos constitucionais para não deixarmos que se legitime situações de exploração e possamos viver uma nova realidade, dentro do que a Constituição Federal defende”, pontuou.
A auditora fiscal do Trabalho e assessora jurídica da Divisão para Erradicação do Trabalho em Condições Análogas a Escravo (Detrae), Jamile Virgilio, tratou da evolução da auditoria fiscal do trabalho para atingir uma maior objetividade na aplicação da legislação. “Temos muito a trabalho a ser feito, tanto no campo prático de atuação mas também no campo intelectual, de questionar, refletir, debater e mudar nossa mentalidade para enxergar aquilo que não conseguimos ver. Por exemplo, temos uma preponderância no número de casos julgados sobre resgates com vítimas homens sobre casos que envolviam vítimas mulheres. Será que não houve casos de trabalho escravo feminino? Parece muito mais provável que há uma tônica histórica de darmos relevância a trabalhos marcados para o gênero masculino, desprezando o gênero feminino. No entanto, casos emblemáticos ajudaram a aumentar o número de denúncias envolvendo o trabalho doméstico”, provocou.
Para a a coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Maria Claudia Falcão, é imprescindível fortalecer a mobilização pela erradicação do trabalho escravo, especialmente no cenário de agravamento da desigualdade social e das condições de trabalho pelos efeitos da pandemia de Covid-19 sobre a economia no Brasil e no mundo. “Temos que agir rápido e temos que lembrar que temos a cumprir a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que inclui entre os objetivos um que está diretamente relacionado à necessidade de se promover um crescimento econômico sustentável e inclusivo, com emprego pleno e trabalho decente, e uma meta de erradicação do trabalho escravo no mundo”, recordou Maria Cláudia. Ela destacou também a necessidade de se produzir mais dados que possam dar suporte ao planejamento e à execução desse tipo de ação; e de ratificação, por mais países, do Protocolo 29 da OIT, que trata do combate à escravidão moderna.
Após a solenidade de abertura, foram realizados dois painéis temáticos. O primeiro tratou de ‘Trabalho escravo: história, lutas e perspectivas’ e depois, o assunto foi ‘Trabalho escravo: conceito e combate’.
Ao fim do evento, Colussi parabenizou o diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Anamatra, André Doster, e a Comissão de Direitos Humanos da Associação, citando nominalmente todos os seus integrantes, que segundo ele, juntos trabalharam na organização, na sugestão de nomes e nos convites para o webinário. Ele também agradeceu aos convidados e aos mais de 600 participantes.
Dorster afirmou que o evento marca o posicionamento da Anamatra em seu papel institucional de promover a cidadania e a dignidade humana, e lembrou que a Associação participa da Conatrae [Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo] como representante da sociedade civil organizada. “Foi um evento de sucesso, agradecemos a participação de todos e lembramos o vídeo do webinário ficará disponível no site e nos perfis da Anamatra nas redes digitais, podendo ser compartilhado e assistido posteriormente”, comentou.