Trabalho infantil: Folha de S. Paulo destaca artigo de diretora da Anamatra

Texto é assinado pela juíza Patricia Ramos

O jornal Folha de S. Paulo desse sábado (31/7) destacou artigo da diretora de Cidadania e Direitos Humanos da Anamatra, Patricia Ramos, "A chaga aberta do trabalho infantil no país".

No texto, a magistrada analisa os desafios para o combate ao trabalho infantil que, segundo estatísticas, atinge 2,1 milhões de jovens em atividades informais na agricultura, indústria e serviços, com destaque para o âmbito doméstico.

"O nosso país está longe de romper com o paradigma que tem no trabalho infantil um meio de afastá-los das ruas e/ou do crime. Tal pensamento é falacioso, pois a questão não comporta opção. O único caminho a ser considerado para os jovens é o crescimento natural digno, respeitados os processos de formação, constituição da subjetividade e desenvolvimento das potencialidades", aponta a dirigente.

Confira abaixo a íntegra do texto:

 

A chaga aberta do trabalho infantil no país

Há quase duas décadas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) instituía o Dia Internacional contra o Trabalho Infantil, na proposta de criar um marco no combate à chaga que, segundo ela, consubstanciase "em grave violação aos direitos humanos e dos direitos e princípios fundamentais do trabalho" além de representar "uma das principais antíteses ao trabalho decente".

O tema se soma a outras tantas lutas e, longe de se esgotar, continua em evidência e a suscitar preocupações. Neste ano, a data-símbolo - 12 de junho- fez parte do Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil.

O desafio é complexo, com obstáculos erigidos em torno de mitos e ideias equivocadas. Segundo relatório da OIT divulgado em junho, 160 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 a 17 anos, estão submetidos a trabalho à margem da lei, o que se traduz em majoração em 8,4 milhões nos últimos quatro anos.

No Brasil, as estatísticas demonstram que, em 2016, 2,1 milhões de jovens atuavam em atividades informais em agricultura, indústria e serviços, com destaque para o âmbito doméstico. Em que pese a redução para 1,8 milhões em 2019, conforme dados da Pnad contínua apresentados pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, a realidade em nosso país é distinta.

Por trás dos defasados dados oficiais - que não consideram os efeitos da pandemia de Covid-19- escondem-se situações subnotificadas de exploração infanto-juvenil, seja por ocorrerem no seio das comunidades mais carentes (com pessoas que não se reconhecem como sujeitos de direito) ou por se traduzirem em prática naturalizada (como é o caso de meninas levadas às capitais para "ajudarem" em "casas de família" em troca de comida e teto).

Ao longo dos anos, o cenário nefasto não sofreu alterações significativas. O nosso país está longe de romper com o paradigma que tem no trabalho infantil um meio de afastá-los das ruas e/ou do crime. Tal pensamento é falacioso, pois a questão não comporta opção. O único caminho a ser considerado para os jovens é o crescimento natural digno, respeitados os processos de formação, constituição da subjetividade e desenvolvimento das potencialidades.

Crianças e adolescentes obrigados a deixarem de lado a inocência, os sonhos, as brincadeiras e o aprendizado para assumirem responsabilidades destoantes das suas capacidades biopsicofísicas e sociais tornam-se adultos incompletos expostos às vicissitudes do mundo antes do amadurecimento completo.

A emancipação da infância cobra seus créditos no futuro, com a perpetuação do ciclo de exploração, carência e desigualdade. A conclusão fica mais evidente a partir da visão interseccional da questão: segundo a citada Pnad, 66,4% dos trabalhadores infantis em 2019 eram meninos e 66,1%, negros, a evidenciar outra chaga estrutural: o racismo.

O que fazer para romper o ciclo? Longo é o caminho a ser percorrido. Façamos a nossa parte! Enquanto um ser humano viver subjugado os outros também o serão, pois uma sociedade só será livre quando for justa e igualitária.

(*) Patricia Almeida Ramos, juíza do trabalho no TRT 2 (SP) e diretora de cidadania e direitos humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

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